Capítulo I: Vontade de filmar
Por Paulo César Saraceni
Eu era craque. Desde
menino, sentia-me atraído pela bola. Nascido na Gávea, com leve passagem pela
praça N.S. da Paz, em Ipanema, fui morar por dez anos no Riachuelo, estação da
Central, Zona Norte do Rio. Guilherme, meu pai, era o sétimo dos nove filhos que
o engenheiro italiano Angelo Saraceni, nascido em Milão, dividiu com minha avó
Guilhermina Ruggeri Saraceni, nascida em Siena.
Eu morria de medo do meu
avô, que era de um rigor total. Viera para o Brasil para dirigir, primeiro, a
Estação da Luz, em São Paulo, depois a Central no Rio. Morava numa chácara, na
Tijuca, que tinha até cachoeira. Na mesa do almoço ou jantar – formalíssimos -,
eu levava porradas com uma colher para não me precipitar, tinha que esperar a
reza, agradecendo antes a Deus aquela macarronada deliciosa que minha avó
fazia.
Já meu pai, apesar de
nascido em São Paulo, ficou inteiramente carioca. Casara com minha mãe, Maria
da Conceição Ribeiro Lima e Castro, a Mariá, doce mineira que veio cedo para o
Rio, morar em Botafogo. Minha mãe era filha de jurista, e sua mãe, que não
conheci, tocava piano muito bem. Família tradicional mineira, não gostava nada
da fama de meu pai, boêmio e jogador. Meu pai teve que raptar minha mãe, para
casar. Isto significou que ela teve que trabalhar desde cedo no Ministério da Justiça.
Mas ela curtia. Moravam com a gente, no Riachuelo, duas irmãs de minha avó, as
italianas Macarmela e Cantanina. Eu, com minha irmã Norma e meu primo Almir,
aprontava muito com elas. Mas foi uma infância deliciosa, cercada de muitos
tios, tias, primos e primas.
Enquanto estivemos na
Zona Norte, vivíamos sempre juntos. Senti muito a separação deles quando fomos
morar em laranjeiras. Eu vivia entre as peladas de rua e o meu quarto fechado,
onde criava mil jogos e histórias com figurinhas cortadas de jornais e
revistas, ou as que vinham nas balas que minha mãe e meu pai não esqueciam de
trazer. Sabia fazer gols de montão, mas o que eu gostava mesmo era de armar as
jogadas para os companheiros.
Minha mãe acompanhava meu
pai, e via que nossa vida oscilava: um dia estava ali em cima, champanhe
francês, os amigos, Dorival Caymmi; noutro dia, tinha que vender o piano, que
ela insistia que minha irmã aprendesse, apesar de Norma preferir escrever, ou
colecionar livros. Era um vaivém do piano, dependendo se o betting, o bolo
davam ou não, ou ainda se as roletas dos cassinos, Atlântico ou da Urca, fossem
favoráveis.
Mas Guilherme era pessoa
séria. Trabalhava como despachante numa grande loja de departamentos e, junto
com seu irmão Romualdo, era muito querido e competente. Ás vezes, ele se
complicava, pois sempre tomava as dores dos mais fracos, detestava
autoritarismo, era amigo dos humildes e, até 1946, foi presitsta. Rompeu com o
Cavaleiro da Esperança porque o grande líder comunista brasileiro se aliou a
Getúlio Vargas, ao sair da prisão. Não podia perdoar que Prestes esquecesse a
deportação de sua mulher, Olga Benário, para a Alemanha, onde certamente seria
morta, como foi, por Hitler. Minha mãe continuava getulista.
Sérgio, meu irmão, era sete
anos mais velho que eu, e tinha outra turma. Mas, com ele, eu conheci a festa.
Ele me levou num dia de carnaval a Madureira, onde saímos nos blocos sujos e na
Portela, e onde vi Natal e Paulo da Portela. Jamais esqueci o sensualismo das
mulatas e do samba. Logo comecei a dar meus passos de mestre-sala; era fácil,
parecia futebol. Com Sérgio e meu primo Ceci aprendi a amar política e
distribuí cédulas de Luís Carlos Prestes, candidato a senador, e deputados
comunistas em 1946. Comecei a gostar de ler, meus primeiros livros foram de
Jorge Amado – O Cavaleiro da Esperança era um deles – e vários
Krishnamurti. Li Lima Barreto antes de Machado de Assis.
No Riachuelo, havia o
cinema Modelo, que passava quatro filmes por semana; nunca perdi um só filme.
Eu era muito namorador, me lembro de Lea, uma loura do morro da Mangueira, das
irmãs Vanda e Valquiria, mas me liguei mesmo numa negra, babá de um dos meus
primos, que tinha me ensinado os primeiros acordes do sexo. Eram os mesmos que
eu sentia na sala escura do cinema Modelo.
Rebelde nos colégios que
frequentei no primário, fui expulso duas vezes. Uma, me lembro, foi porque
escrevi numa dissertação esculhambando o Duque de Caxias. Mas,
surpreendentemente, passei no admissão e continuei estudando, mas sempre preferindo
ler e assistir filmes do que estudar ou prestar atenção ás aulas. Meus pais
foram de uma paciência perfeita, sempre ao meu lado.
Estava jogando no América
Júnior, em Campos Sales, quando assistindo a um treino de natação, me apaixonei
por Valquíria, grande campeã brasileira de nado borboleta. Vivia paquerando
seus treinos e acabei entrando também na equipe do América, que estava, naquele
tempo, pau a pau com o Fluminense e o Icaraí, de Niterói, disputando a
hegemonia da natação infanto-juvenil do Rio. Com Valquíria comecei a frequentar
os cinemas da praça Saens Peña. Olinda, América, Metro-Tijuca, Saens Peña e
Carioca. No Meiér, com meu primo Rômulo, íamos aos cinemas Para Todos e
Mascote. Tenho a impressão de ter visto no Mascote Roma
Cidade Aberta e Paisá, de Rossellini, em 1947 ou 48, não sei como.
Nas férias, íamos a
Ibicuí, praia que fica no caminho de Mangaratiba, Angra dos Reis e Parati, com
meus primos Haroldo, Sílvio, Lucíola, Teresinha e Rômulo, e seus pais Nina
(irmã do papai) e o professor Ernesto Marrecas, grande diretor e proprietário
do colégio Dois de Dezembro, no Méier. Eu adorava paquerar minha prima Lucíola,
mais velha que eu, linda como uma atriz do neo-realismo italiano.
Mas o melhor era ir a
Itaipava, ou a Pedro do rio, onde meu tio Romualdo e minha tia Bibi tinham um
sítio. Ia com meu primo Almir e minha irmã Norma. Lá, jogávamos futebol, vôlei
e basquete, e também muito baralho e sinuca. Nós três nos tornamos inseparáveis,
e Almir era mais que um irmão. Tio Romualdo e tia Bibi foram os grandes
personagens da minha infância.
Mudamos para a rua
Marechal Bittencourt, para uma casa enorme, com um quintal com todas as frutas
que existem no Rio. Nós, tio Romualdo e tia Bibi, e mais os primos Horácio e
Geni. Horácio inventava mil jogos e me ensinou a jogar bilhar.
Foi nessa ocasião que
conheci os cinemas de Copacabana. Meus pais e os do Almir deixavam a gente,
sempre com minha irmã Norma, nos cinemas Roxy, Rian e outros ali de Copacabana,
enquanto faziam suas andanças pelos cassinos, e depois do Jockey, onde
corríamos pela grama verdade como se fôssemos cavalos.
Foi ali, na casa enorme
da Marechal Bittencourt, na mesa imensa da sala de jantar, que vi meu pai
chegar com uns sacos também enormes de dinheiro e depositar na mesa, enchendo-a
por completo. Havia ganhou sozinho o primeiro betting duplo acumulado. Vieram jornalistas, meu pai deu
entrevistas para o rádio e jornal e distribuiu dinheiro com os amigos humildes.
Mas minha mãe
aproveitou-se de um descuido dele e pegou grande parte para realizar o seu
sonho: voltar para a Zona Sul, onde seus irmãos moravam, e para Botafogo, lugar
de sua infância que ela não esquecia. Fomos morar em Laranjeiras, onde tio Abel
e tia Belmira, com suas filhas Mirtes e Vanda, haviam comprado um apartamento –
edifício Zacatecas, número 210 da rua das Laranjeiras. Quando Mariá deu entrada
para a compra do apartamento, nós estávamos morando em outra rua do Riachuelo,
a Alice Figueiredo, perto do Rocha,
O Zacatecas é um edifício
de quinze andares e três blocos, quase uma comunidade. Aproveitando a natação,
entrei logo como sócio-atleta do Fluminense, meu time graças à grande negra
Aparecia que trabalhava com a gente, um misto de babá e cozinheira que tinha
pintado seu quarto de vermelho, verde e branco, e decorado as paredes com as
escalações campeãs do Tricolor. Era tão Fluminense que seu apelido era
Batatais, nome do grande goleiro tricampeão.
Morar na Zona Sul era bem
diferente. No início foi muito difícil. Eu me assustei com os nadadores do
Fluminense, eram menos livres, muito educados. Eu dava muita gafe, não sabia
conversar como eles, brincar como eles. Mas graças ao nosso treinador Hélio
Lobo, que era de esquerda e, como eu, tinha vindo da Zona Norte, e à minha
amizade com os irmãos Márvio e Sílvio Kelly – que moravam em Santa Teresa – e
os gêmeos Arlindo e Lula Fiães, fui-me adaptando. Mas seria um complexo de
inferioridade, sem causas bem definidas.
Já no Liceu Francês, onde
estudei, foi mais fácil, principalmente por causa de minha amizade com dois
caras brilhantes: Zé Henrique Belo e Albino Pinheiro. O Ghigia – apelido do Zé
Henrique – adorava jazz e cinema como eu, desenhava e pintava, era um
artista, o primeiro artista que conheci. Com ele, frequentei muito o Politeama,
o São Luís, no Largo do Machado, o Asteca, no Catete, e o Pathé, na Cinelândia,
onde víamos todos os filmes dos franceses Marcel Carné, Duviviver, René Clair
e, o melhor de todos, Jean Renoir. Adorei o Jour de fête, de Tati e os
filmes italianos. E também as jam sessions, não perdíamos uma. Com
Albino íamos beber. Com ele conheci o Lamas e os bordéis.
A turma do Liceu tinha
muitos artistas, com quem eu gostava de conversar, sem saber a razão. Tinha o
Aurismar Rocha, que a gente achava quadrado, tinha a inteligência do Ivan
Lessa, que era agressivo porque morria de ciúmes da mãe; tinha o Gianfrancesco
Guarnieri, dramaturgo e comunista; o Maurício Nabuco, que também desenhava bem;
o Sérgio Cherques, que tinha dois irmãos: um ator, Jorge, e outro cineasta, o
Sanin; o Zevi Ghivelder, que queria ser bailarino e acabou jornalista; e o
Jaquito Maidante; o Zé Rui. Foi uma turma de que tenho saudades até hoje.
Também gostava muito das meninas do Liceu. Apaixonei-me por uma tremenda
nadadora e linda gata, Ana Lúcia de Santa Rita, e por uma tremenda bailarina
clássica, Ana Maria Vanzer, que, com seu andar de pés abertos de bailarina,
vinha encantar nossos recreios como se fosse o próprio Chaplin que baixasse
ali. Por pura babaquice, não me declarei às duas, preferindo amar à distância,
passando trotes e escrevendo bilhetes anônimos. Uma, eu namorei, mas não quis
ir aos sexos. As meninas não tinham se liberado ainda, mas algumas garotas da
General Glicério e do Anglo-Americano era o sucesso das avant-premières do São
Luís. “Faziam de tudo” – como nós, cafajestes, dizíamos, nas rodas de chope no
Lamas ou no receio do Liceu.
No polo aquático, eu
tinha muito talento, na natação menos, mas o futebol era a minha paixão.
Largava os treinos de natação e ia jogar minhas peladas. Sempre fui considerado
um craque nos times do Riachuelo, no Sampaio, no Méier, no América Júnior –
onde jogava até no time dos maiores, e onde Zagalo despontava -, no time do
Liceu e no time que jogava no Instituto de Surdos e Mudos, onde joguei com
Chico Anísio e seu irmão Zelito, cujo técnico era o Jair Francisco, famoso
depois como técnico profissional. Mas foi no infantil do Fluminense que comecei
a aparecer.
Valdemar Bacalhau, como era conhecido, foi chamado pela diretoria do Fluminense
para recrutar jovens de até dezesseis anos, para fazer um time de base que
pudesse subir e integrar o time dos juvenis, já tricampeão na categoria. Com
ele trabalhava um negrinho, baixinho mas muito elegante, de fala como muitos
naquele tempo, tinha fama de fanchone. Formou um grande time, que ficou invicto
por dois anos. Despontavam no time três boas-pintas: Mário César, meio-de-campo,
pela direita, que jogava um bolão, muita técnica e elegância; Élbio,
ponta-de-lança dos mais perfeitos que conheci, e o Sarra, meio-de-campo pela
esquerda. (Sarra era o meu apelido. Devido à dificuldade de falarem Saraceni,
ficou Sarraceni, Sarra. Havia também um grande jogador espanhol que fez sucesso
na Copa de 50, no Brasil, que se chamava Zarra).
A maior vitória do time
foi na decisão do campeonato contra o Vasco, em São Januário, preliminar do
Brasil versus Uruguai pela Copa Rio Branco, que, por ironia, o Brasil
ganhou. Mas o nosso jogo estava duro, 1 a 1, faltando três minutos para acabar
o jogo, casa cheia, 50 mil pessoas no estádio, Mário César lança Élbio pela
direita que cruza de primeira, eu entro como um furacão, mato a bola no peito e
encubro, com leve toque, o goleiro vascaíno: 2 a 1 para o Fluminense, bicampeão
infanto-juvenil.
Eu e o Élbio éramos muito
amigos, ele morava na rua Correia Dutra, onde jogávamos peladas memoráveis.
Fazia parte, também, destas peladas o Joel, que nessa ocasião estudava no
colégio Zacarias, também no Catete, grande adversário do Liceu Francês, e
depois ponta-direita do Flamengo e da Seleção Brasileira. Joel, na seleção
campeã de 1958, cedeu seu posto para nada menos do que Garrincha. Não é
brincadeira. O pai e a mãe do Élbio eram figuras adoráveis. Eu adorava
conversar com seu pai, Ricardo, que era paulista de Santos; pintor, fazia, para
ganhar a vida, molduras requintadíssimas. E era vermelho, com muita consciência
política.
A porta do Lamas, no
Largo do Machado, onde passávamos os dias mexendo com as garotas, ficou famosa.
Por lá passavam os
brotos, as mulheres casadas, as mulheres e homens do povo, mulatas que não
estavam no gibi, prostitutas, cafetões, domésticas e homossexuais.
Havia uma bicha famosa,
Araponga, careca. Sério, grande figura, morava no edifício do Politeama. Outro
que moprríamos de medo era um fanchone comunista. Élbio era a alegria deles,
tinha pele morena, cabelos lisos, bumbum empinado e um sorriso sedutor; tinha
também lindos dentes alvos e mantinha um segredo – nunca se sabia se ele topava
ou não. Era meio Capitu. Apresentei-lhe Ghigia, e os três fizemos um trio da
pesada. Depois, quando Ghigia viajou para Belo Horizonte, seu irmão Renato o
substituiu.
Íamos
muito ao restaurante Recreio, na praça José de Alencar. Ali, vimos o grande
Heleno de Freitas, figura imponente, de beleza e sedução. Grande jogador,
grande temperamento, viciado em lança-perfume – uma glória. Havia sempre muitos
intelectuais e certa vez o crítico de cinema Van Jafa, descobrindo que Ghigia
era pintor e gostava como eu de Van Gogh, nos disse: “Cuidado com o amarelo!” e
recitou seu poema: “Hipopótamos da Zona Sul, Hipopótamos da Zona Norte, tudo
azul, tudo azul, tudo azul”. Havia o Cuca, homem de
teatro, bom papo, que nos falou de Fernando Pessoa e adorava um conto de
Drummond chamado “Gerente”, a história de um gerente de banco, muito
conceituado na praça, que adorava ir às festas do soçaite e que, ao
cumprimentar as madames, beijava-lhes as mãos, sugando, disfarçadamente, um
dedo, que podia ser o mindinho ou o indicador. Mas Cuca, quando de porre,
atacava mesmo; fugir de suas cantadas era uma proeza. O Recreio parecia Paris:
“Uma festa”, dizia o besta Nicola.
- Como é que você sabe?
Nunca foi lá!
Ele respondia e apontava
uma mulher gostosa, vestida com casaco de pele, parecendo champanhe. Parecia
mesmo. E Ghigia sacaneava:
- Nada melhor do que
aprender na escola da vida de Nicolá-Le Noire.
Adorávamos penetrar nos bailes de carnaval. Subíamos pelo morro, no meio do
matagal, chegando até a janela e, depois, dávamos um salto e íamos cair no meio
do salão do Baile do Cartola, do Fluminense. Nadando, entramos no baile do Iate
Clube; carregando cestas de sanduíche, no Baile dos Casados, na galeria
Comercial. E mil outros: o maior deles foi o High Life, com o famoso delegado
Padilha na porta. Logo ele, que dera entrevista aos jornais e rádios dizendo
que com ele não haveria penetra. Armamos um caso na porta com umas americanas
desacompanhadas e, falando um inglês qualquer, passamos na maior calma pelo
delegado otário, famoso por mandar colocar uma maçã na calça das pessoas para
saber se a boca da calça era apertada; se fosse, era malandro. Mandava prender.
A praia que
frequentávamos era a do Flamengo, antes de o Aterro ser feito. Tinha umas
pedras de onde se podia saltar em grandes mergulhos e umas mulheres que davam,
dentro d´água ou nas pedras mesmo. Pentelhando, sempre vinha o bancário
Zezinho, vidrado no Élbio, e que pagava tudo pra gente, gastava uma nota, pois
estávamos sempre acompanhados de lindas garotas. O meia Jean Carlo frequentava
o pedaço, já no time principal do Fluminense. Tinha uma habilidade com a bola
como nunca vi. Certa vez nos ensinou a travar uma moeda com pé, com o bonde
andando. Fizemos sucesso, e eu então, que sempre pegava o bonde para ir ao
Liceu em frente ao Zacatecas e viajava no estribo, pagava travando a moeda e
depois jogando na mão do cobrador, e descia na porta do colégio, de costas,
evidentemente.
Tinha largado a natação,
não dava mais, com aqueles chopes ou cuba-libres em companhia de Albino. Mas
continuava jogando polo aquático e agora fazia parte do juvenil de futebol do
Fluminense. Ia bem nos dois esportes, mas havia briga dos diretores dos dois.
Aquilo já estava torrando a minha paciência; eu tinha que me decidir. Não dava
mais para ser como o Preguinho, que foi campeão em vários esportes nos anos
1930. Mas eu era teimoso, joguei até basquete no Botafogo, cujo técnico era o
gordo Guilherme, o rei da boca.
Naquele dia, num treino
do juvenil, nada dava certo, o gramado de Álvaro Chaves estava o fino, mas a
bola vinha quicando, batia na canela, os passes não saíam, os chutes ridículos.
Os 22 em campo, efetivos e reservas, estavam preocupados com a porta que dava
para a parte social do clube. Todos esperavam a chegada do Doutô, que, junto
com João Coelho Neto, o Preguinho, filho do escritor Coelho Neto, bancava e
orientava aqueles vários times vencedores dos últimos cinco anos, de 1946 a 1951.
O Doutô, que chegava da Europa, era o escritor Otávio de Faria, romancista da
“Tragédia Burguesa”, romance cíclico que prometia: quinze volumes. O dobro de
Proust. Além do mais, Otávio era crítico de cinema e
fundara o Chaplin Club e a primeira revista de crítica de cinema no Brasil. E
isto no tempo do cinema mudo!
No campo, ninguém sabia
que eu sabia das coisas. Naquele tempo eu lia escondido. Somente com Ghigia eu
falava de cinema e arte. Minha emoção era diferente dos demais jogadores, pois
eu tinha lido o primeiro volume da “Tragédia Burguesa”, Mundos mortos,
livro que eu tinha achado de ler na casa do tio Rui. Vi o nome Otávio de Faria,
peguei o livro e não larguei mais. Foi uma porrada, quase tão forte como outra
que eu tomei mais tarde, em 1954, em São Paulo, vendo o filme Greed (Ouro
e maldição), de Stroheim.
O Santos, que depois foi
chamado “o Santos de Pelé”, veio pescar muito em Laranjeiras. E olhe que este
era o momento glorioso do bicampeonato seguido do futebol brasileiro de 58 na
Suécia e de 62 no Chile, tempo em que iriam surgir Pelé e Garrincha! Em 1951,
jogavam no time de cinema do Fluminense: Didi e Telê, um formado em Madureira,
o outro em Laranjeiras, no juvenil de 49 a 50, vindo de Minas. Otávio levava a
maior fé no olho do Nicola, que via o craque promissor pelo perfume que emanava
da bola que ele tocasse. Élbio tinha idade para três anos de juvenil, e eu
pensava que tinha dois anos. Verifiquei mais tarde que os cartolas contavam a
partir do ano em que você tinha nascido: nasci em novembro de 1933, logo quando
acabasse o campeonato de 1952, eu teria ainda 18 anos. Mas os cartolas contavam
52 – 33 = 19. Que burrice! Isto me deixou muito puto.
Naquele tempo eu tinha
abandonado a natação, continuava com o polo aquático, apesar de não treinar
tanto, mas era só tabelar com o Mávio e o Grijó e deixar aquele monstro de
energia que era João Gonçalves voltar a mil para retomar a bola, tabelar e
deixar o Douglas na cara do gol.
No futebol, nosso time
seguia na frente. O pentacampeonato estava no bolso. Gradim, que era o técnico,
preparava já um supertime para 52.
O resto do tempo, eu lia
e via filmes.
Otávio escreveu para o Jornal
das Letras uma serie de artigos sobre a história do cinema, que me
emprestou. Dava um banho nos demais críticos brasileiros, porque viajava todos
os anos e conhecia filmes que nunca chegavam aqui. Além do mais, conhecendo bem
filosofia e outras artes, ficava difícil para os outros. E depois, cinema para
ele era arte. Nascido em 1908, precocemente se apaixonou pelo cinema, viu e leu
os teóricos franceses que, por causa de Griffith, e principalmente Chaplin (o
grande gênio para ele), reconheceram na época (1920) uma linguagem própria,
elevando o cinema ao status de sétima arte. Rigoroso, só gostava do que era bom
mesmo. Amigo de Mário Peixoto, influenciou e deu muita força para a realização
de Limite, a primeira obra-prima do cinema nacional, integrada na vanguarda
cinematográfica internacional.
Mas Otávio, em 1948,
escrevia:
Na derradeira de suas
Considerações inatuais, em 1876, defendendo Wagner e a nova música. Nietzsche
explica como e por que a linguagem literária das palavras se tornou impotente
para exprimir os sentimentos do homem, para satisfazer a sua necessidade de se
comunicar com os outros, etc. Desvirtuada da expressão dos sentimentos para a
do pensamento, possuída pela vertigem das palavras sonoras, ela se torna a
escrava da eloquência.
Naquele momento era a
música wagneriana que resolvia a crise prevista por Nietzsche. Depois, ele
brigaria com Wagner e mudaria um pouco. Eu ouvi de Roland Corbisier, mais tarde
que Otávio de Faria era “o maior conhecedor de Nietzsche no Brasil”. Mas o
grande filósofo alemão não previa o evento do cinema, como fez Bergson, seu
continuador, que dizia, em 1908: “O mecanismo do nosso conhecimento usual é de
natureza cinematográfica”. Ao que Otávio retrucava: “Os teóricos do cinema
tiram logo estas conclusões. A expressão por imagens é, portanto, para a
criação artística, a mais poderosa, a mais rica de todas as formas de
expressão”.
Imaginem uma pessoa como
eu, amando o cinema como eu amava, lendo isso, e neste nível. Aí, ficava
difícil ir para o campo para um lançamento para o ponta-esquerda, tipo
Escurinho. Era dose! Mas o Otávio com sua humildade genial, me corrigia e
ensinava. Como da vez em que o vi em pleno Maracanã, em pé, como sempre fazia,
com o guarda-chuva para o alto, seguindo a arrancada sensacional de Escurinho
para mais um gol tricolor, gritando: “Toda a vida! Toda a vida! Toda a vida!”.
Otávio
demorou muito a acreditar no cinema falado – “o grande culpado da
transformação”, como disse o poeta Noel. Ele crescera com o cinema mudo. Basta
ver como foi possível, em plena década de 1920 no Brasil, a Otávio de Faria,
Plínio Sussekind da Rocha, Almir de Castro e Cláudio Pinto criar um cineclube
como o Chaplin Club e uma revista, Fan, especializada em cinema,
quando somente em 1952 seria fundada uma cinemateca brasileira, em São Paulo,
graças a Paulo Emílio Salles Gomes e Francisco Luís de Almeida Sales! Otávio e
seus amigos fizeram um cineclube e uma revista cinematográfica que se nivelava,
e ás vezes superava, os cineclubes e as revistas de cinema do mundo inteiro! Na
década de 20, é dose! Durante as noitadas de pileque, junto com Élbio, Zé
Henrique Belo, Zé Henrique jogador, e Bento, de Botafogo 28, sétimo andar, com
vista para a enseada de Botafogo, fazíamos uma linha de passe com Otávio, no
gol (um porta delicioso, que separava a sala de visitas da sala de jantar e do
escritório, onde havia uma estante de vários metros até o teto, com milhares de
livros, todos lidos). Pois neste apartamento eu vi, com meus próprios olhos, e
não posso esquecer, uma foto de Charlie Chaplin, com uma dedicatória cheia de
admiração, espanto e surpresa pela qualidade daquela revista e daquele
cineclube no Brasil. A revista se chamava Fan. E o cineclube, Chaplin.
O cinema, “a arte do
século, música dos olhos”. Ainda em 1948, Otávio continuava saudoso da fase
muda. Foi Otávio de Faria, com seus amigos do Chaplin Club, quem defendeu e
permitiu a entrada do grande cinema soviético de Eisenstein, Pudovkin, Dovjenko
e Dziga Vertov. Mesmo sendo de direita, Otávio jamais deixou de defender o
filme artístico e de qualidade, fosse qual fosse a ideologia. Graças ao Chaplin
Club, e graças às viagens de Otávio, as gerações de 20, 30 e 40 conheceram o
melhor cinema do mundo...Daí haver podido surgir no Brasil dois grandes
cineastas como Mário Peixoto e Humberto Mauro, e críticos como Paulo Emílio
Salles Gomes e Almeida Sales.
Otávio, ainda defendendo
o mudo, citava René Swob: “O cinema é o testemunho da autenticidade do gesto,
que é como a justificação da pantomima que Chaplin defendia. O home, complexo
de gestos”.
Charlie Chaplin dizia:
“Não existe arte nos filmes falados. Dar voz ao cinema é o mesmo que colocar
palavras numa sinfonia de Beethoven. Ela não basta em si mesma? Quem lembraria
de substituir as joias pintadas num quadro de Rembrandt por verdadeiros
diamantes? O cinema é imagem e ilusão”.
Cito a briga do Chaplin Club em defesa do cinema mudo porque ela influenciou
bastante o grupo do cinema novo, já que nos anos de 1953 a 1958 frequentamos
bastante o cineclube da Faculdade de Filosofia, cujo animado cultural era
Plínio Sussekind, outro fundados do Chaplin Club, juntamente com Almir de
Castro e Cláudio Pinto. Logo, a influência de Otávio em mim e em Plínio em
Joaquim Pedro, Saulo Pereira de Melo, Marcos Farias, Leon Hirszman, Miguel Borges,
Carlos Pérez – o primeiro grupo do Rio de Janeiro a formar a formar o cinema
que iria ser chamado de Cinema Novo – era forte. Daí a nossa dificuldade, no
primeiro manifesto do “movimento”. Nessa época, 1954-55, eu já seguia o crítico
francês André Bazin e sua defesa do cinema impuro; já tinha sido marcado,
definitivamente, por Viaggio in Italia de Roberto Rossellini.
Em 1952, o Fluminense
deixou de ser hexacampeão por um ponto, e acho que fiz muita falta ao time, nos
jogos decisivos. Ganhou o Bangu, que tinha o Zózimo, depois campeão do mundo
pela Seleção Brasileira de 1962. Em 1953, Otávio e Preguinho deixaram a direção
do juvenil e nunca mais o Fluminense teve uma organização básica como aquela.
Fiquei treinando com o time profissional e joguei no time de cima em vários
jogos pelo interior do Brasil. Zezé Moreira queria que eu assinasse contrato.
Joguei num time que era muito bom: Veludo, Lafaiete, Pinheiro, Ramiro e Getúlio;
Edmílson, João Carlos e Sarro; Robson, Larry e Quincas. Mas fui adiando o
contrato.
Entrei para a revista Latina,
onde eu fazia crítica de cinema e a paginação. Estava gostando. Fiz uma bela
entrevista com Otávio, escrevi críticas sobre Rossellini, De Sica, Luzes da
ribalta. Via filmes e estava entusiasmado com meus amigos da Faculdade de
Filosofia. Entrara, para espanto e alegria dos meus pais, para a Faculdade de
Direito do Catete. E lia sem parar, romances e Cahiers du Cinéma. Meu
pai custara muito a acreditar no craque que tinha em casa. Ele mesmo fora um
ótimo center-half na juventude. Meu tio Pedro, irmão da mamãe, era diretor de
futebol do Flamengo, me levou para treinar lá, e eu acabei com o treino,
fazendo dois gols, um de bicicleta. Acabou sendo difícil não ficar no Flamengo,
mas meu pai começou a achar bom que eu assinasse contrato com o Fluminense.
Briga na família, não assinei com nenhum dos dois clubes. Papai achou que eu
era parecido com Zizinho...Era exagero...
Resolvi, quando a revista
Latina acabou, ir trabalhar com meu pai na alfândega, como despachante. Mas
ficava lendo ficção o tempo todo e papai viu que eu não dava para entender de
contêineres e trabalho burocrático. Viu que eu só pensava em cinema, e cinema
só se fosse na Itália ou nos Estados Unidos, e concluiu que eu estava maluco.
Lia todo Machado de Assis, Dostoievski, Faulkner, Proust e Kafka.
Eu não tinha hora para
dormir, ficava até tarde no Lamas, conversando sobre literatura e cinema com
Otávio ou jogando partidas sensacionais de sinuca com Élbio, Ghigia, o próprio
Otávio, João e Roberto. No futebol, eu, Élbio e Mário César jogávamos num time
chamado Meanda, todos os domingos, no Colégio Militar; íamos direto, sem
dormir: o jogo era ás nove da manhã. Formamos um time de ex-juvenis do
Fluminense que ficou por dois anos. O time era bom demais, havia a elegância do
craque Mário César, o Élbio, o Zé Henrique, fazendo os gols com as bolas que eu
lançava, deixando-os cara a cara com os goleiros. Tínhamos um fôlego de mil
gatos. Num domingo de 1953, Rafael de Almeida Magalhães fez uma seleção de
jogadores de praia e eles vieram jogar contra a gente. Resultado: 9 a 1 Meanda.
O time era imbatível.
Quando o Lamas fechava e
o papo ainda não tinha terminado, Otávio me levava em casa, no Zacatecas, e o
papo continuava, eu, de esquerda, ele, de direita, mas eu ia aprendendo o seu
“diálogo democrático”, que nem Sócrates era capaz de tanta maiêutica com o
Otávio. Entrávamos na Pinheiro Machado, passávamos pelo Fluminense, entrávamos
na Farani, até a Praia de Botafogo 28 (onde ele morava), e aí eu tomava um
táxi, já destruído por tanta cultura. Sempre gostei de andar de madrugada,
pensando, conversando.
Nos sábados, eu e o Élbio
começamos a frequentar os bares de Copacabana, onde Otávio se encontrava com
seus amigos, ou no Scaramouche, na rua Bolívar, ou no Collón, na Constante
Ramos, ao lado do cinema Rian (nem o bar, nem o cinema existem mais), ou no
Alcazar, na avenida Atlântida. Ali conheci o poeta Marcos Konder Reis, outra
grande influência que tive durante todo esse tempo. Marcos era catarinense e
sabia de tudo. Qualquer assunto ele transformava em poesia, e vivia só para
isso. Sua família era de políticos de Santa Catarina, tendo seu pai e irmão
sido já governadores catarinenses. Marcos era puro coração e cheio de ternura.
Ele também não gostava das minhas ideias de esquerda, mas poesia não tem
bandeira, ficamos grandes amigos, e ele me levou para conhecer sua turma:
Sebastião, Lígia de Moraes, irmã de Vinícius, Manfredo, Serginho, Leonardo,
Mozart, Augusto, Chiquinho Brasil e principalmente Alair Oliveira Gomes, um dos
intelectuais mais modernos e completos que conheci. E ainda o Geraldo Markan, o
Marcos Lima. As conversas transcorriam como se Proust baixasse e conversasse
com Faulkner ou Hölderlin. Eu adorava o tom frívolo que escondia uma grande
profundidade nas emoções. Manfredo, que era romeno e esteve em campo de
concentração, me disse que haveria uma grande revolução na Rússia e o muro de
Berlim iria cair, para desespero dos comunistas – estávamos em 1955 ou 56.
Foi na mesa de Otávio que
conheci Sandrinha. Era pequena, branco, mas bem morena, corpo e vivacidade de
mulher feita. Olhos negros de gata, pronta a arranchar qualquer coração
sensível que passasse à sua frente, mas de uma ternura sem limite, também.
Sandrinha foi trazida por um amigo de Otávio para ser o seu caso. Otávio ficou
excitado, mas viu logo que Sandrinha estava a fim de rapazes da mesa, que
éramos eu e o Élbio. Quando vi que Otávio tinha deixado o campo livre,
mergulhei de cabeça. Foi meu primeiro caso sério, de juntos dormir todos os
dias, de trepar o dia inteiro. Renato Belo, irmão de Ghigia, tinha uns amigos
dentistas que moravam em Copacabana, cada um num posto diferente. Fiquei amigo
do Rodolfo, Carlinhos Fernandes e outros amigos queridos, que me emprestavam
seus leitos para que eu e Sandrinha botássemos para fora toda aquela energia e
tesão.
Fui trabalhar no banco da
Prefeitura, emprego arranjado por minha mãe e um primo dela. Trabalhei três
meses e foi um suplício. Mas aluguei um apê em Copa e vivia casado com
Sandrinha – eu adorava a Sandrinha, mas sentia que a minha não era essa, ainda.
Na mesa de Otávio aos sábados, havia o Antonio da Nova Monteiro, um tipo
engraçadíssimo: alto funcionário do banco e como prêmio, também, a aposentadoria.
Pois não é que ele sai do banco, toma um táxi, não antes de escolher o
motorista, e ruma para Campos Sales, sede do América. Segue com o motorista
para a quadra de basquete e coloca o motorista na arquibancada deserta. No
centro da quadra, tira dos bolsos umas castanholas e começa a andar,
freneticamente, uma dança flamenca!
Antonio vivia dizendo que
eu, com aquela vida de casado, estava engordando uns quilinhos – o que não era
verdade, pois estava mais era chupado de tanto amar a Sandrinha. Aí, comecei a
me afastar dela. Foi difícil, pois nem eu mesmo queria. Vivia tomando porres e
indo esperar as vedetes do teatro de revista ou as mulatas que saíam com
Albino, enormes e lindas; me perdia em orgias loucas, fugindo do casamento e do
banco, esperando o Festival de Cinema Internacional de São Paulo, que seria em
março de 1954.
Na Lagoa, em seu belo
apê, Sérgio Malta, ator de chanchada e amigo meu de Laranjeiras e do Largo do
Machado, dava festas maravilhosas que sempre acabavam em surubas monumentais.
Eu vivia lá, onde as ressacas e as dores de consciência eram terríveis, por
Sandrinha e pelos personagens morais da “Tragédia Burguesa”. Sentia-me como os
personagens, e sofria. Otávio tinha a capacidade de criar personagens que a
gente jurava havê-los encontrado nas esquinas da vida e, pior ainda, a gente se
sentia na pele deles. Minhas provas na faculdade eram verdadeiras críticas de
cinema, ou filmes que eu inventava, colocando um ou outro nome técnico do
direito romano, canônico civil, penal ou internacional...Nunca entendi bem como
aquilo funcionava e ia, a duras penas, passando de ano. Cheguei até o quinto
ano, quando tranquei a matrícula.
Gostava, como gosto até
hoje, de andar pelo Centro da cidade. Da Lapa até o Campo de Santana, a praça
da República, a Primeira de Março, até a praça Mauá. Subir Santa Teresa,
conhecer todos os prédios velhos do Rio...Eu adorava a praça Tiradentes, o
teatro Recreio, o cinema Íris ou Ideal, que abria o teto nos dias de calor. Foi
ali que vi dois filmes de Buñuel que me enlouqueceram de prazer: El e Morro
dos ventos uivantes, versão de Buñuel. Comecei a armar minha ida para São
Paulo, onde haveria um festival internacional de cinema.
No Amarelinho ou no
Vermelhinho, bares frequentados por artistas, no Centro da cidade, conheci uma
turma que era amiga do José Carlos Burle, que, por sua vez, ia fazer um filme
em São Paulo. Me enturmei, mas nem sequer passava pela minha cabeça fazer
cinema, ser ator ou qualquer coisa; eu queria ir para São Paulo, para conhecer
André Bazin e Erich von Stroheim.
Ver Greed, conhecer
atrizes italianas...Mas o jeito era entrar na equipe de O comprador de
fazendas, segunda versão. Que, aliás, não houve. A esta altura, pedi
licença no banco e tomei um trem. Desci na Estação da Luz e adorei. Fiquei
horas por ali, vendo a Estação da Luz, que para mim já era cinema.
Antes disso, porém,
passei um sufoco. Enquanto arrumava a mala, recebi um telefonema de uma amiga
dizendo que Sandrinha tinha esvaziado um tubo de tranquilizantes e estava em
estado de coma no hospital. Foram mil pedidos, para Deus e de amor, até
convencê-la de que eu tinha um encontro com Stroheim e não podia perder. A
partir dali, Sandrinha nunca mais quis me ver. Nos vimos depois, mas ela fugiu
de mim. Ficou com medo.
No último número da Revista
Latina (1954), saiu minha entrevista com Otávio:
- Você pensa ainda se
pode fazer oposição entre cinema silencioso e cinema falado?
- Como um problema de
estética cinematográfica, claro que sim. Como um problema de destino do
silencioso, não. Trata-se de uma etapa vencida, ultrapassada. O cinema caminhou
muito e não se pode mais pensar em voltar atrás. A imagem, naturalmente,
continua a ser o elemento fundamental de expressão cinematográfica. O problema
é, como sempre foi, conseguir que o sim, isto é, a palavra, não pese demais
sobre ela – não a esmague. No início dos talkies, a palavra parasitou e
asfixiou de tal modo a imagem que se pôde chegar a duvidar do futuro do cinema
como arte. Mas a força da imagem aos poucos ressurgiu e vai se impor. E ela aí
está, viva, esperando apenas ao gênios criadores que saibam manejar
convenientemente. O problema do som foi um simples problema de “digestão” para
o cinema dos nossos dias, como está sendo o problema da cor. E como vai ser,
amanhã, o do relevo. Acredito cegamente que o cinema como arte chegará ao fim
de todos esses desagradáveis trabalhos estomacais e, então, poderá cuidar de
definir com mais segurança o seu destino estético. Apenas, antes de chegar a
isso, quantos anos ainda não teremos de padecer incríveis tecnicolors e
cinemascopes?...
- Você acha que as
produções europeias são superiores às americanas?
- Se considerarmos a
produção real – a que é exibida na Europa e que nós quase não vemos, apenas
adivinhamos através de raras obras-primas -, não resta a menor dúvida de que a
produção europeia é superior á americana. Aliás, quase tudo o que existe de
essencial, em matéria de cinema, tem vindo (pelo menos nestes últimos trinta
anos) da Europa. De fato, é o velho Ocidente que a luz nos tem chegado, seja
diretamente (produção local: Eisenstein, Pudovkin, Dreyer, Renoir, Clair,
Carné, Carol Reed, David Lean, De Sica, Rossellini, Visconti, etc), seja
indiretamente (grandes realizadores e cenaristas, atores, tudo importado pelos
Estados Unidos, a peso de ouro: Stroheim, Lubitsch, Murnau, Sternberg, Fejos,
Sjöström, Stiller, Garbo, Negri, Jannings, Bergman (Ingrid), Wilder, Lang,
Litvak, Olivier, Dmitrik etc...E não falamos no maior de todos, o clown inglês:
Charlie Chaplin). É bem verdade que essa nítida superioridade começa a ficar
seriamente ameçada com o nefasto sistema das co-produções. Admito que, do ponto
de vista comercial, tenha sido uma ótima solução, para companhias à beira da
falência. Do ponto de vista artístico, pelo menos até agora, tem sido um
desastre. A falta de autenticidade desses filmes, mistos que não são carne nem
peixe, que não exprimem as qualidades italianas nem as americanas, nem as
francesas, verdadeiros cocktails de grandes talentos perdidos na mediocridade
agradável e “avaselinada” dos “Dom Camilos” de todas as espécies – eis o grande
perigo que ronda o cinema europeu dos nossos dias.
O europeu, na América,
conseguiu grandes momentos de cinema. O americano, na Europa (pelo menos até
agora), não conseguiu senão estragar o bom cinema italiano e o bom cinema
francês, sem dar nada das suas reais e indiscutíveis qualidades
cinematográficas.
- A mudança de Chaplin
para a Europa influenciará o equilíbrio Europa-Estados Unidos?
- Admitamos que esse
equilíbrio exista ou esteja a ponto de existir. Não me parece que a mudança de
Chaplin para a Europa possa influir decisivamente sobre ele. Por maior que
Chaplin seja, o maior de todos, trata-se de uma personalidade, de uma
obra única e sem par, independente do resto da produção mundial. Chaplin é um
cinema dentro do cinema. Excede em muito o âmbito do nacional e do continental,
pouco tendo a ver como batalha Europa-Estados Unidos.
- O que você achou de
Luzes da ribalta?
- Parece que muita gente
boa andou torcendo o nariz para Limelight. Tenho tanta pena!...Enfim, se
trata de questão de gosto, valha-me o meu. Há muitos anos (precisamente desde City
Lights, Luzes na cidade, 1931) eu não tinha uma satisfação tão
grande. Evidentemente, Limelight não atinge o mesmo nível
cinematográfico de City Lights ou de Gold Rush (Em busca do
ouro). Ou talvez não seja narrado com aquela perfeição inexcedível de
Monsieur Verdoux. Mas, do ponto de vista emocional, creio que estamos diante de
uma das mais autênticas obras-primas do cinema. Naturalmente, há os que
insistem em prestar atenção aos “lugares comuns”...
- Os filmes europeus
exibidos entre nós representam realmente o que de melhor se faz na Europa?
- Em absoluto. Acho mesmo
que, a rigor, pelo que nos é exibido, não devíamos nem mesmo falar em cinema
europeu. A porcentagem dos grandes filmes europeus que temos ocasião de ver é
mínima. E, quase sempre, os filmes passam com um atraso de quatro, cinco anos.
(A não ser quando oferecem possibilidades de escândalo.) Refiro-me
especialmente às produções francesas e italianas e, em parte, às inglesas, que
são as principais, deixando de lado as russas, que também não são mostradas por
motivo igualmente antiartístico. Raramente nos é dado acompanhar o
desenvolvimento de um diretor francês ou italiano – a não ser que ele o faça
através de uma Silvana Mangano ou de uma Martine Carol. Inútil, aliás, qualquer
nova reclamação: os responsáveis pela propaganda dos países em questão não
pensam sequer em se mover por uma bagatela dessas. Ou nos sugerirão um remédio
oportuno nessa época de “aranhismo”: comprem uma passagem num aviãozinho e vão
assistir esses filmezinhos em Paris ou em Roma. É tão baratinho!...
- Quais são os melhores
filmes que você viu até hoje?
- Apesar ser muito
difícil isolar dez ou quinze, arrisco essa enumeração: Luzes da cidade,
de Chaplin, valendo pela obra toda, que poderia figurar aqui com exceção de O
grande ditador e Tempos modernos; Encouraçado Potenkim, de
Eisenstein; Tempestade sobre Ásia, de Pudovkin; O lírio partido de Griffith;
Ouro e maldição, de Stroheim; A última gargalhada, de Murnau; Aleluia,
de King Vidor; O gabinete do dr. Caligari, de Robert Wiene; A caixa
de Pandora de Pabst; O cadáver vivo, de Ozep; A paixão de Joana d´Arc
de Dreyer; A besta humana, de Renoir; Boulevard do crime, de
Carné; Domínio dos bárbaros, de John
Ford; e Ladrões de bicicleta, de De Sica. Convém salientar que
muitos desses filmes, como A besta humana ou Tempestade sobre a Ásia, são
escolhidos mais como representativos da obra de seus realizadores do que como
filmes em si, não obstante possuem valor intrínseco indiscutível.
- O que você pensa do
atual cinema nacional?
- Peso que, apesar de
todo o inefável progresso material que se vem verificando e de algumas
realizações já bem aceitáveis como O cangaceiro e O canto do mar,
vamos indo pessimamente. Nem devemos nos enganar com esses pequenos oásis. À
sombra do 8 por 1 – monumento de desatino e infelicidade de um governo monumentalmente
destinado e infeliz – caminhamos segura e inabalavelmente para o desastre
total. Nem poderia deixar de ser assim. O estabelecimento do coeficiente de 8
por 1 sem uma “censura” ou “peneira” competente e bem orientada (penso no
acerto com que Cavalcanti viu o problema no seu tão discutido relatório...) foi
um verdadeiro crime contra a formação do cinema nacional. O resultado, aliás,
já está pelas nossas telas – e não há mais pejorativos para os nossos críticos
inventarem, se quiserem falar com seriedade desses já famosos “abacaxis”. A nós
cabe aguenta-los, sonhando apenas com um governo que, num novo decreto, multiplique
por 8 por dez e deixe o 1 onde ele merece ficar. Talvez então se comece a pensar
em qualidade em vez de quantidade e um Cavalcanti não tenha mais de passar pela
humilhação de assinar um Simão, o Caolho.
- Você gostou de O
cangaceiro?
- Muito. Acho mesmo que,
desde Limite, de Mário Peixoto (lá pelos idos de 1931), o cinema
nacional não tinha um momento tão alto. Evidentemente, há muita coisa a
discutir, a rejeitar. Já se falou, aliás, bastante (demais, mesmo) desses
defeitos de um filme que tem tanta coisa a ser elogiada. Para mim, foi uma
surpresa, uma grande e agradável surpresa- e tanto maior quanto foi a única,
talvez, nestes últimos anos de cinema nacional. Do seu realizador, prefiro não
dizer nada e aguardar, com O sertanejo, a confirmação de suas inegáveis
qualidades de visualizador.
- O que você acha dos
filmes de Cavalcanti no Brasil?
- Acho que, depois de Simão,
o Caolho, Cavalcanti precisava bem ter realizado O canto do mar para se
redimir aos nossos olhos. Não que o filme me agrade integralmente. Com o
delírio desconexo dentro do qual se moveu, dificilmente Cavalcanti poderia sair
vitorioso. O filme não “arma”, mas o seu realizado está o tempo todo presente,
pessoa, expressivo, convincente, relembrando sempre o grande diretor que
durante tantos anos acompanhamos ao longo dos seus sucessos na França e na
Inglaterra. E a verdade, abem triste verdade me parece ser esta: o nosso meio
cinematográfico ainda não permite que ele nos dê a exata medida do seu talento.
- O que pensa da ideia de
fazer um argumento cinematográfico?
- A ideia é ótima, o
tempo é que é pouco, infelizmente. Aliás – e não falando de um velho plano de César,
cenário épico, que me acompanharia há vários anos –, tenho em projeto um
argumento que se deverá intitular O outro. Trata-se de uma história
fantástica, meio mistério policial, difícil de ser arquitetada, mas não impossível
de ser filmada. Além de O outro, conto tirar um pequeno cenário do meu
romance O lodo das ruas, isolando o episódio central. E ainda há Os
enviados de Deus que, esse, nem sonha com filmagem...Projetos, naturalmente.
São
Paulo se movimentava muito, culturalmente, naquele ano de 1954. Havia já a
Cinemateca Brasileira e eu lia as críticas e os ensaios de Paulo Emílio e
Almeida Sales. Sabia que Paulo Emílio, que tinha fugido da cadeia na ditadura
do Estado Novo e se exilara em Paris, frequentando a cinemateca francesa
de Henri Laglois, Mary Merson, Lott Eisner, era um grande pesquisador. Escrevera
o primeiro livro em francês, não traduzido ainda nesta época para o português,
sobre o grande cineasta francês Jean Vigo, morto aos 29 anos, e que é uma das
glórias do cinema. Além disso, Paulo Emílio tinha descoberto para os franceses
a figura histórica de um anarquista importantíssimo – o pai de Jean Vigo,
Almereyda.
Do poeta e crítico
Francisco Luís de Almeida Sales, nascido em Jundiaí e que elevou o nível da
crítica cinematográfica em São Paulo e no Brasil, sabia-se, ou eu soube em São
Paulo, que tinha conhecido Abel Gance. O cineasta francês deixara em suas mãos
uma cópia integral e autêntica de Napoleão e lhe pedira que fundasse uma
cinemateca no Brasil. Estava assim cumprida a promessa de um grande brasileiro,
que se tornou o presidente da Cinemateca Brasileira e, para todos nós, o
Presidente. Eu pensava assim: que bom viver num país assim, que além de já ter
possuído em 1927 um Chaplin Club e de ter tido em 1940 um crítico como Vinícius
de Moraes, tem agora esses dois: Paulo Emílio e Almeida Sales. André Bazin vai
se sentir bem nesse meio, espero.
Conheci Aurora Duarte e
seu marido, o produtor Mota, e fiquei impressionado com a garota que queria ser
mais do que somente a atriz do Canto do mar de Alberto Cavalcanti.
Ficava meio perdido em
São Paulo, morando ás vezes na casa de uns primos, outras vezes em hotéis
baratos, sem saber onde iria amanhecer, já pronto para descolar uma entrada para
o cinema, estadia, ou almoço. Eu ia aonde Stroheim ou Bazin se metiam. Quatro anos depois eu faria o mesmo com Roberto
Rossellini, quando ele veio ao Brasil a convite de Josué de Castro estudar a
possibilidade de filmar Geografia da fome. Só fui tiete duas vezes, mas fui até
mergulhar de cabeça: nas fotos de Rossellini, no Rio, eu estou em todas, ou
quase todas. Rossellini tinha tanta certeza de que eu estava atrás dele, que me
acendeu um cigarro de costas – sentindo que eu tinha pego um cigarro, ele, com
seu isqueiro, sem se virar, o acendeu para mim.
Arnaldo Figueiredo, produtor
de José Carlos Burle, se espantava com meu amor pelo cinema e pela expectativa
de ver Greed, sem conseguir, evidentemente.
O clima estava tenso, emocionalmente.
As luzes se apagaram e começou um dos filmes mais perfeitos da história do
cinema. Cinema era isso! Sem dúvida.
Não me lembro mais do que
aconteceu depois daquele momento, só me lembro de ter sido atingido por um
raio. Bateu forte. Saí do cinema, sozinho e quietinho, sem responder aos
cumprimentos, e espantoso, ninguém dizia coisa com coisa, eu não sabia se era
eu que estava vendo assim, ou se era assim mesmo. Saí do cinema para ficar só,
tentar descobrir o que estava sentindo. Barafunda na minha cabeça, resultado de
estar lendo e forçando demais o meu cérebro? Ali, estava diante da arte, da
maior das artes, quem era eu para ficar com aquelas coisas? Afora, o Ghigia,
conhecem algum artista? Tens na tua infância algum conhecimento, fora o pessoal
das escolas de samba, o Delegado da Mangueira, ou o Didi ou o Zizinho? Tens
artista na família? O melhor era voltar para a Sandrinha e assinar com Zezé
Moreira o contrato de profissional e esquecer de querer ser intelectual e
artista. Eu sofria.
Passei a noite caminhando
pela praça da República, bem embaixo do prédio do Presidente Almeida Sales, sem
saber, sem saber também onde ir. Sabia que eu queria fazer cinema. E Cinema
Brasileiro, assim como Greed me ensinara.
Que rigor, meu Deus! Que
rigor! Que potência! O prazer de estar filmando. O poder, que só é importante
se for glorioso. Nenhuma complacência. Amor, apenas. Eu via o filme como se o
estivesse fazendo. Naquele momento eu era o filme, era os personagens, era o
bandido e o mocinho, era a mocinha também.
Peguei a mala e me piquei
para o Rio. Com alma nova. Queria fazer cinema, tinha vinte anos e ia procurar
saber como se faz um filme no Brasil. Conhecer uma câmera (nem fotografar eu
sabia), conhecer as leis do 8 por 1 que Otávio era contra, mas, se com 8 por 1
é ruim, o ideal seria 1 por 1: para cada filme estrangeiro, um nacional. O
cinema não é também uma indústria cultural, é a cultura de um país. Real. As
escolas de samba não eram a expressão popular máxima do Rio de Janeiro e do Brasil?
Podia ser melhor, como sonhava Paulo da Portela: educar e alimentar aquele
pessoal do morro, dar-lhe uma profissão digna, dar amor e felicidade, que era o
que ele, o povo, queria! Mas a vida é barra-pesada, e ainda injusta. Mas, se a
crítica brasileira tinha Paulo Emílio, Almeida Sales, Otávio de Faria e Plínio
Sussekind, é sinal de que pode dar pé. Como se faz para filmar o Brasil? Dê no
que der, vamos lá!
No
Rio, fui procurar o Sani Chesques, irmão do Sérgio, meus amigos do Liceu
Francês. Sani era assistente de Carlos Manga na Atlântida e estavam filmando O
golpe, com Oscarito. Sani me botou como segundo assistente. Falei
com Cyll Farney, que era o produtor-executivo, e entrei no estúdio. Manga dirigia Oscarito, fazendo com que ele exagerasse
ainda mais os trejeitos. Comecei a passar mal. Não era isso que eu queria,
Stroheim não era assim. Nem Mário Peixoto, nem Humberto Mauro eram assim. Dei
meia-volta e fui embora.
Com Carlos Manga me dei mal três vezes. Esta, uma outra
mais tarde, quando comecei a namorar sua ex-mulher, e ela, ao saber que eu
queria fazer cinema, me pediu pelo amor de Deus para não procura-la mais...E
outra bem mais tarde, acho que já nos anos 80, quando o encontrei na porta da
embaixada do Brasil em Roma e passei direto, sem cumprimenta-lo (confesso
que de uma forma cafajeste, hoje me penitencio).
Assim, eu me encontrava
na seguinte situação: não queria mais assinar contrato com o Fluminense; não
queria mais voltar para o banco, nem para o escritório do meu pai ou do meu
irmão Sérgio; como advogado, nem pensar! Comecei a frequentar o Vermelhinho.
Lá, conheci os críticos Muniz Viana, Eli Azeredo, Salviano Cavalcanti de Paiva,
Décio Vieira Otoni, José Sanz – com que logo simpatizei e de quem fiquei amigo
-, Alex Viany, que já era cineasta e para quem eu olhava com muita admiração, e
Lima Barreto, que eu vira em São Paulo, durante o Festival. Eu me sentava nas
mesas e ficava conversando enquanto tomava uns chopes, procurando uma dica para
dar minhas opiniões e saber onde estavam filmando no Rio.
Publicado originalmente em
SARACENI, Paulo César. Por dentro do Cinema Novo: minha viagem. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
Um comentário:
Muito bom !!!
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