Edu, a Munição de Carabina (Placar 881, 20 de abril de 1987)
De técnico novo e com um meia em estado de graça, o
Palmeiras empurra o Corinthians para a crise e a lanterna
Por Mário Sérgio Venditti
Não foi um gol qualquer. Edu tabelou com Júnior e
escapou como um raio entre a defesa corintiana. Diante de Carlos, soltou a
bomba de canhota e fez a torcida explodir em alegria pela segunda vez. O gol
serviu para definir a 54º vitória palmeirense num clássico – o de maior
rivalidade do futebol paulista – que está completando 70 anos. E não bastasse
perder por 2 x 0, o Corinthians fez com que a Fiel passasse uma madrugada suarenta
e insone. O time ocupa a lanterna do campeonato, que este ano determina a queda
de quatro equipes para a Segunda Divisão. “Minha estrela sempre bilha contra
eles”, divertia-se Edu.
Edu, porém, não foi uma estrela solitária. O novo
técnico, Waldemar Carabina, contratado na semana passada para substituir o
demitido Carbone, estreou com o pé direito e quente. Waldemar, 532 anos, jogou
catorze pelo Palmeiras. Aparece em quase todas as velhas fotos como
quarto-zagueiro da inesquecível Academia da década de 60. Como treinador que
conseguiu notoriedade no Nordeste (veio do CSA), está mais para falcão que para
pombo. Linha dura, canalizou todos os telefonemas da concentração para seu
próprio quarto. “Se o assunto for procedente, permito que o jogador atenda”,
determinou.
TELESPECTADOR TÁTICO- Saudosistas de plantão viram
em Carabina um replay daquele velho e triunfante Osvaldo Brandão. Como o antigo
treinador, mantém tudo sob controle. E já no primeiro treino ressuscitou a
expressão “Chegar junto”, tática predileta do septuagenário Brandão. Mas, entre
gritos e xingamentos, o novo comandante parece ter conquistado a confiança do
elenco. “E não vamos nos acomodar depois dessa vitória”, dizia nos vestiários,
dispensando os confetes.
A carranca de Carabina só se desanuviou à noite,
no programa Mesa-Redonda, da TV Gazeta de São Paulo, onde era o convidado
especial. Um telespectador com ideias mirabolantes a respeito de tática
telefonou para perguntar se a posição mais indicada para Edu não seria a
lateral-esquerda. Faltou pouco para uma gargalhada do técnico. “O menino é um
excelente jogador e talhado para atuar na ponta-de-lança”, respondeu.
É verdade. Lançado no time em outubro de 1985 pelo
então treinador Vicente Arenari, atualmente no Bandeirante de Birigui, o
meia-esquerda deu os ombros ao peso da camisa. Brilhou como um veterano na
vitória de 3 x 0 – coincidência – sobre o próprio Corinthians, avalizando a
decisão da diretoria que afastara Mário Sérgio e Rocha para dar voz às pratas
da vasa. “Vencer o Corinthians sempre dá moral”, contata Edu. “Assim como
perder pode ser uma desgraça”.
A fama de Eduardo Antônio dos Santos, nascido há
20 anos em Osasco, município da Grande São Paulo, parece mesmo aumentar em
jogos contra o arqui-rival. Em agosto do ano passado, ele marcou o segundo gol
no massacre de 5 x 1 imposto ao inimigo. Tal goleada, como se esperava,
impulsionou o alviverde até as semifinais diante do próprio Corinthians e à
decisão frente à Internacional, de Limeira. Nem por isso a torcida palmeirense
comemorou o título esperado há dez anos. “Vencer os corintianos espanta crises
mas não vale faixas”, ponderava o capitão Vágner, alisando um curativo sobre os
quatro pontos que recebera na testa. “Temos de pensar nos próximos adversários
com humildade”, concordava Edu.
SOAM CORNETAS – O carrasco dos corintianos não
perdeu o jeitão simples de garoto da periferia. O diretor de futebol Nicola
Raccioppi, que o viu crescer no clube, não teme que ele se afogue no mar da
paparicação fácil. “Está aprovado como craque e tem a cabeça no lugar”,
acredita o cartola. “Sim, tenho estrutura para aguentar a fama”, avisava o
namorado de Alessandra, que, pacientemente, esperava o herói do lado de fora do
Pacaembu. Os pombinhos passaram o resto da noite de domingo em frente à TV,
saboreando os lances da vitória.
Para trás, Edu deixou novos admiradores que
certamente exigirão atuações cada vez mais corretas e gols decisivos. “Tem um
toque de esquerda tão genial que me faz lembrar Gérson, nosso Canhotinha de
Ouro”, exagera o corneteiro Gílton Avallone. “Mas um de seus defeitos é se
achar o dono do time”, procura pelo em ovo Antero Mendo, da torcida Mancha
Verde. Não era preciso ser do Gallup, porém, para se constatar que sobraram
elogios.
Ao coroar o camisa 10 e festejar mais uma vitória
sobre o histórico desafeto, os alviverdes pareciam virar uma página: a perda do
antigo ídolo Jorginho para o inimigo. “Ense, ense, ense, Jorginho é
palmeirense”, gritavam em coro no final. Jorginho fora expulso no jogo
anterior, a derrota de 2 x 0 para o Juventus, dia 9, e não entrara em campo
para enfrentar o ex-time. Acusado de ter forçado a expulsão para não encarar a
antiga torcida, ele se defendia: “Coincidência. Eu nem merecia o cartão
vermelho”.
Para o Corinthians, o resultado foi uma
catástrofe. Saiu de campo tão batido e humilhado quanto Marvin Hagler frente a
Sugar Ray Leonardo. Para evitar sururus, os jogadores demoraram a deixar o
vestiário. Percorreram em silêncio em fila indiana o caminho para o ônibus,
apedrejado. Cautela e caldo de galinha...
Publicado originalmente na revista Placar 881, 20 de abril de 1987
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