Vágner: “Agora é Guerra” (Placar 888, 8 de junho de 1987)
O capitão do Palmeiras
prevê um segundo turno duríssimo e quer dedicar o esperado título a sua torcida
Por Mário Sérgio Venditti
O vozeirão sóbrio esconde
um malandro escolado e lhe valeu o apelido de “Bacharel”. O futebol eficiente e
o espírito de liderança significaram a faixa de capitão do Palmeiras e ajudaram
o time na conquista do primeiro turno deste ano. Tudo isso, porém, é café
pequeno diante de um sonho maior. O carioca Vágner Araújo Antunes, 31 anos,
quer mesmo o título completo, arrasando com uma entressafra que está prestes a
completar onze anos.
Criado no subúrbio de
Marechal Hermes, Vágner é bamba em bola e batuque. No começo do ano que vem,
vai trocar o uniforme do Palmeiras pelo da Escola de Samba Estácio de Sá para
cair no embalo do Sambódromo. Sabe, contudo, que a vida não é só Carnaval. Tem
dinheiro aplicado e planeja, ao pendurar as chuteiras, mudar-se para Joinville,
Santa Catarina, com sua mulher Renata e o casal de filhos. “Sou barriga-verde
de coração”, brinca. De fato, ele teve sua grande fase na equipe que lhe
empresta o nome, mas seu currículo incluí também Botafogo, Madureira,
Internacional e Cruzeiro.
Na semana passada,
saboreando a vitória do Brasil sobre a Escócia por 2 X 0, o zagueiro do
Palmeiras recebeu, em se confortável apartamento do bairro paulistano do
Sumaré, o repórter Mário Sérgio Venditti. O resultado da conversa, muitas vezes
temperada com humor, é esta entrevista.
PLACAR – Em 1983, você
veio do Joinville para o Palmeiras como reserva. Hoje, é um dos intocáveis do
Parque Antártica. O que mudou?
VÁGNER – Eu tinha consciência de havia sido
contratado para ser banco. Mas, aos poucos, fui mostrando minha capacidade. O
técnico da época era Rubens Minelli. Ele reconheceu que eu possuía condições de
ser titular. Aí, quando entrei, não saí mais.
PLACAR – A equipe começou mal este Campeonato
Paulista. Com a chegada do técnico Waldemar Carabina, aconteceu uma
transformação e o Palmeiras acabou beliscando o título do primeiro turno. Como
foi este processo?
VÁGNER – De fato, Carabina chegou num momento que
o time andava mal. Tanto que ocupava o 11º lugar na classificação geral. Então,
ele implantou seus métodos, Ele foi honesto e às vezes, até aos berros, disse
que os jogadores teriam de se empenhar ao máximo e quem não se enquadrasse não
teria vez. Isso mexeu com a rapaziada. Afinal, quem não mostrasse vontade seria
sacado do time. O resultado foi que todos se superaram e papamos o título.
PLACAR – Você quer dizer que Carabina é melhor que
seu antecessor, Carbone?
VÁGNER – Não é isso. O time vice-campeão do ano
passado foi praticamente desmontado com as saídas de Mendonça, Jorginho e Éder.
Mudou a estrutura da equipe e não foram contratados, de imediato, jogadores
para recompor o elenco. Aí, Carbone teve de optar pela escalação de juniores.
Além disso, os novos contratados demoraram para se adaptar. Com os maus
resultados, a diretoria achou melhor trocar de treinador. Mas, cria, lamentamos
muito a saída de Carbone naquela ocasião.
PLACAR – Carabina tem fama de linha dura. Uma de
suas primeiras medidas foi centralizar os telefonemas para a concentração para
o quarto dele. O grupo não torceu o nariz para atitudes dessa natureza?
VÁGNER – Nada disso. Ocorre que esse problema
sempre existiu nas concentrações. São torcedores que ligam para o hotel e
muitas vezes bem-intencionados. Carabina quis nos preservar e fazer com que o
pessoal ficasse alheio a qualquer tipo de interferência. Mas ele está longe de
ser um cara radical.
PLACAR – Fale um pouco
dos bastidores dessa relação entre o técnico e o grupo. Carabina é muito turrão?
VÁGNER – Ele não é sisudo como muita gente
imagina. É até brincalhão nas conversas que tem com a gente. Mas debochado
mesmo é o auxiliar dele, Minuca.
PLACAR – Conte essas coisas. Tem muito papo furado?
VÁGNER – Que nada! São histórias mesmo (risos).
Certa vez, quando ainda jogava (Minuca foi quarto-zagueiro do Palmeiras nos
anos 60), roubaram-lhe o relógio durante o pai-nosso, oração que se faz antes
das partidas. Então ele falou: “Pô, logo na hora da reza... Assim não tem santo
que dê jeito”. Depois do jogo, o time voltou a fazer outra prece no vestiário.
No momento que as luzes se apagaram, o gato devolveu o relógio sem que ninguém
descobrisse quem era.
PLACAR – Mudando de assunto, você pretende ser
técnico quando pendurar as chuteiras?
VÁGNER – Não tenho essa intenção. Acho que o
futebol já me tirou muitos prazeres por causa das concentrações e viagens. Meu
pensamento é partir para a outra. Tenho uma firma de confecções infanto-juvenis
em Santa Catarina, negócio que está indo bem. Já recebi até convites do PMDB de
Joinville para me candidatar a vereador. Olha, ninguém sabe o futuro. Pode ser
até que eu vire técnico.
PLACAR – A propósito, qual o treinador que fez
mais sua cabeça?
VÁGNER – Não escondo que foi Rubens Minelli. O
homem sabe demais. E, graças a ele, estou numa boa situação. De meu ponto de
vista, Minelli sempre foi um grande injustiçado em termos de Seleção
Brasileira.
PLACAR – E o que você está achando de Carlos
Alberto Silva?
VÁGNER – O trabalho dele começou corretamente,
baseado nos talentos que despontaram há pouco tempo. No Brasil, infelizmente,
existe a cobrança de resultados imediatos. Nunca se dá um prazo adequado para
que o cara possa trabalhar sossegado. Assim, fica difícil colher bons frutos.
Nosso imediatismo é de amargar.
PLACAR – Sinceramente, aos 31 anos, você ainda
pensa em Seleção?
VÁGNER – Não digo que tenha perdido a esperança.
Veja o caso de Morten Olsen, da Dinamarca, que disputou a última Copa, no
México, com 37 primaveras no costado. Mas, em 1984, em minha melhor fase, fui
preterido por Carlos Alberto Parreira. Hoje estou vacinado contra essas coisas.
PLACAR – Vamos voltar a falar do Palmeiras. O time
não é campeão há mais de uma década e deixou de escapar uma chance fantástica
no ano passado, na decisão contra a Internacional de Limeira. O que realmente
houve naquela final?
VÁGNER – Falaram em intranquilidade do time, mas
não vi nada disso. No primeiro jogo daquela decisão, o 0 X 0, a rapaziada não
se porto bem por causa do desgaste nas partidas anteriores, as semifinais
contra o Corinthians. Não atuei no segundo, que a Inter venceu de 2 x 1, porque
estava contundido. Será que fiz falta? Acho, sem máscara, que não. O azar de
Denys, que falou no segundo gol da Inter, acabou desestabilizando o grupo.
PLACAR – Muita gente diz que esse título do
primeiro turno não vale nada. O que você acha disso?
VÁGNER – Isso é um absurdo, principalmente quando
parte da boca dos dirigentes. Ao ouvir essa bobagem de um cartola, o torcedor
perde até a motivação de ir aos estádios. Esse pensamento tem de mudar.
PLACAR – Como você analisa o nível da arbitragem
brasileira?
VÁGNER – Epa! Macaco velho não mete a mão em
cumbuca (risos). Bem, sempre estouram crises, por exemplo, aqui em São Paulo.
Os cartolas, porém, nunca mergulham no caso para tentar resolvê-lo. Os que têm
responsabilidade de apurar os fatos não se interessam. Desse jeito, é claro que
o descrédito aumenta. Não se confia mais nos juízes nem em quem os dirige.
Agora vou jogar um confete: Dulcídio Wanderley Boschilia, por saber lidar com
os boleiros, é nosso melhor juiz.
PLACAR – E o pior?
VÁGNER – Que é isso, você está maluco? (Risos.)
Não vou me queimar. Ficaria marcado se abrisse o bicho.
PLACAR – Você é muito supersticioso. Como nasceu
isso?
VÁGNER- Tudo começou quando eu jogava no
Internacional, em 1980, porque lá o pessoal também era. Com o passar do tempo,
fui-me envolvendo com a coisa. Mas sou supersticiosos apenas no futebol. Só me
aqueço com a camisa do jogo – e tem de ser a 6. Durmo na mesma camisa da
concentração e viajo sempre em determinado banco do ônibus. Até a forma de
enrolar as ataduras no tornozelo é a mesma.
PLACAR – E sua fama de catimbeiro é justificada?
VÁGNER – Não. É evidente que, ás vezes, procuro
esfriar ao adversário. Mas não gosto de perturbações. Em nossa vitória de 2 X 0
sobre o América de São José do Rio Preto (dia 16 de abril), fui chutar um pênalti
e ouvi um jogador deles comentar: “Poxa, o Verdão está mal mesmo. Quem bate
pênalti é o beque”. Eu respondi que Marolla, goleiro americano, nem iria
aparecer na fotografia. Dito e feito. Marquei o gol e mal comemorei, só para
tirar uma casquinha (risos).
PLACAR – Catimba chama samba. Como pintou sua
paixão pelo pagode?
VÁGNER – Se você pensar que é por modismo, está
errado. Sempre gostei, desde criança. No Rio, participava daquelas reuniões no
fundo de quintal, mandando ver uma feijoada. Infelizmente, o pagode só explodiu
há pouco tempo.
PLACAR – E quanto às apostar que você faz com
outros jogadores?
VÁGNER – Ah, adoro isso. Já fiz apostas com Luís
Pereira, Cláudio Adão e até coloquei meu bigode em jogo, numa com Lima, então
no Corinthians, nas semifinais paulistas do ano passado. Meu bigode... onde é
que eu estava com a cabeça? (Risos.) Elas servem para motivar o espetáculo.
Acho que a posta com meu camarada Luisão Pereira, de doar cobertores aos
pobres, foi a mais importante. Tem outra: até hoje não perdi uma...
PLACAR – Voltando ao Campeonato Paulista: a
invencibilidade de Zetti, que ficou 1.238 minutos sem tomar gol, estava pesando
sobre os jogadores ou isso é besteira?
VÁGNER – Creio que ela influenciava mais os
adversários. Eles queriam quebrar o tabu e a pressão foi aumentando. E veja só
que fase: tudo aconteceu na hora certa. O gol do Santo André (dia 24 de maio),
que acabou com a invencibilidade, surgiu no finalzinho da partida, e o empate
de 1 x 1 nos interessava para garantirmos o título do primeiro turno.
PLACAR – Se o Palmeiras ganhar também o segundo
turbo, será campeão direto. Logo, a pressão sobre vocês deve aumentar, concorda?
VÁGNER – Agora é guerra, não vai ser mole. Se o
time disparar na frente, todos vão brigar para quebrar nossa hegemonia.
PLACAR – Então, qual o segredo que a equipe do
Palmeiras saia campeã sem precisar ir ao quadrangular?
VÁGNER – A filosofia de trabalho deve ser mantida.
Antes de tudo, o time tem de morder, para depois sair ao ataque. Aí, entram em
ação os zagueiros, que correm em busca do gol na área do inimigo.
PLACAR – Trocando de tema, o futebol brasileiro
vive um momento de mudanças. Qual será o bom caminho para ele?
VÁGNER – Entendo que nosso futebol precisa ser
administrado por jovens. Tenho um carinho todo especial por Márcio Papa, com
quem trabalhei no Palmeiras. Carlos Miguel Aidar, do São Paulo, também é um
sujeito de ideias arejadas. Admiro ainda, Adílson Monteiro Alves, muito
combatido ao implantar a Democracia Corintiana no Parque São Jorge. Ele não foi
bem aceito pela velharada, que hoje está no poder dando mostras de sua
incapacidade. O Corinthians está comendo o pão que o diabo amassou. É uma pena.
PLACAR – Olhando de fora, você apontaria soluções
ao técnico Chico Formiga, do Corinthians?
VÁGNER – Acho que só os jogadores são capazes de
tirar o time do sufoco. Eles é que estão dentro de campo vivendo esse drama. E,
no segundo turno deste campeonato, as dificuldades vão aumentar. Com
honestidade, lamento porque tenho amigos dentro do Corinthians.
PLACAR – O ambiente no Parque Antártica também é
conturbado. Para começar, existem os corneteiros, que vivem dando palpites.
Eles chagam a tirar o sono dos jogadores?
VÁGNER – Se tiram! (Risos.) Isso é o que mais
acontece, principalmente quando nãos e conseguem resultados positivos. O que
eles tumultuam não é brincadeira. Além do mais, essas pessoas não conhecem o
cotidiano e as dificuldades dos jogadores. Gostam mesmo é de cornetear. E fazem
isso bem para caramba.
PLACAR – Você é carioca, sambista, meio malandro.
Em tese, não teria nada a ver com um time da colônia italiana de São Paulo,
cujos torcedores são tipicamente classe média. Como se deu essa identificação
com o Palmeiras?
VÁGNER – Sem frescura, acho que transmito um certo
carisma e a galera me coloca na condição de símbolo. Isso aumenta minha
responsabilidade, mas é bom. Eu gosto de desafios. Sonho ganhar o Campeonato
Paulista para oferecer a essa torcida maravilhosa. Falam do Corinthians, mas
nossa massa é muito mais fiel e merece ser feliz.
Publicado originalmente na revista Placar 888, 8 de junho de 1987
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