quarta-feira, 9 de agosto de 2023

VÁGNER: “AGORA É GUERRA” (Placar 888, 8 de junho de 1987)

Vágner: “Agora é Guerra” (Placar 888, 8 de junho de 1987)

 


O capitão do Palmeiras prevê um segundo turno duríssimo e quer dedicar o esperado título a sua torcida

 

Por Mário Sérgio Venditti

 

O vozeirão sóbrio esconde um malandro escolado e lhe valeu o apelido de “Bacharel”. O futebol eficiente e o espírito de liderança significaram a faixa de capitão do Palmeiras e ajudaram o time na conquista do primeiro turno deste ano. Tudo isso, porém, é café pequeno diante de um sonho maior. O carioca Vágner Araújo Antunes, 31 anos, quer mesmo o título completo, arrasando com uma entressafra que está prestes a completar onze anos.

 

Criado no subúrbio de Marechal Hermes, Vágner é bamba em bola e batuque. No começo do ano que vem, vai trocar o uniforme do Palmeiras pelo da Escola de Samba Estácio de Sá para cair no embalo do Sambódromo. Sabe, contudo, que a vida não é só Carnaval. Tem dinheiro aplicado e planeja, ao pendurar as chuteiras, mudar-se para Joinville, Santa Catarina, com sua mulher Renata e o casal de filhos. “Sou barriga-verde de coração”, brinca. De fato, ele teve sua grande fase na equipe que lhe empresta o nome, mas seu currículo incluí também Botafogo, Madureira, Internacional e Cruzeiro.

 

Na semana passada, saboreando a vitória do Brasil sobre a Escócia por 2 X 0, o zagueiro do Palmeiras recebeu, em se confortável apartamento do bairro paulistano do Sumaré, o repórter Mário Sérgio Venditti. O resultado da conversa, muitas vezes temperada com humor, é esta entrevista.

 

PLACAR – Em 1983, você veio do Joinville para o Palmeiras como reserva. Hoje, é um dos intocáveis do Parque Antártica. O que mudou?

VÁGNER – Eu tinha consciência de havia sido contratado para ser banco. Mas, aos poucos, fui mostrando minha capacidade. O técnico da época era Rubens Minelli. Ele reconheceu que eu possuía condições de ser titular. Aí, quando entrei, não saí mais.

 

PLACAR – A equipe começou mal este Campeonato Paulista. Com a chegada do técnico Waldemar Carabina, aconteceu uma transformação e o Palmeiras acabou beliscando o título do primeiro turno. Como foi este processo?

VÁGNER – De fato, Carabina chegou num momento que o time andava mal. Tanto que ocupava o 11º lugar na classificação geral. Então, ele implantou seus métodos, Ele foi honesto e às vezes, até aos berros, disse que os jogadores teriam de se empenhar ao máximo e quem não se enquadrasse não teria vez. Isso mexeu com a rapaziada. Afinal, quem não mostrasse vontade seria sacado do time. O resultado foi que todos se superaram e papamos o título.

 

PLACAR – Você quer dizer que Carabina é melhor que seu antecessor, Carbone?

VÁGNER – Não é isso. O time vice-campeão do ano passado foi praticamente desmontado com as saídas de Mendonça, Jorginho e Éder. Mudou a estrutura da equipe e não foram contratados, de imediato, jogadores para recompor o elenco. Aí, Carbone teve de optar pela escalação de juniores. Além disso, os novos contratados demoraram para se adaptar. Com os maus resultados, a diretoria achou melhor trocar de treinador. Mas, cria, lamentamos muito a saída de Carbone naquela ocasião.

 

PLACAR – Carabina tem fama de linha dura. Uma de suas primeiras medidas foi centralizar os telefonemas para a concentração para o quarto dele. O grupo não torceu o nariz para atitudes dessa natureza?

VÁGNER – Nada disso. Ocorre que esse problema sempre existiu nas concentrações. São torcedores que ligam para o hotel e muitas vezes bem-intencionados. Carabina quis nos preservar e fazer com que o pessoal ficasse alheio a qualquer tipo de interferência. Mas ele está longe de ser um cara radical.

 



PLACAR – Fale um pouco dos bastidores dessa relação entre o técnico e o grupo. Carabina é muito turrão?

VÁGNER – Ele não é sisudo como muita gente imagina. É até brincalhão nas conversas que tem com a gente. Mas debochado mesmo é o auxiliar dele, Minuca.

 

PLACAR – Conte essas coisas. Tem muito papo furado?

VÁGNER – Que nada! São histórias mesmo (risos). Certa vez, quando ainda jogava (Minuca foi quarto-zagueiro do Palmeiras nos anos 60), roubaram-lhe o relógio durante o pai-nosso, oração que se faz antes das partidas. Então ele falou: “Pô, logo na hora da reza... Assim não tem santo que dê jeito”. Depois do jogo, o time voltou a fazer outra prece no vestiário. No momento que as luzes se apagaram, o gato devolveu o relógio sem que ninguém descobrisse quem era.

 

PLACAR – Mudando de assunto, você pretende ser técnico quando pendurar as chuteiras?

VÁGNER – Não tenho essa intenção. Acho que o futebol já me tirou muitos prazeres por causa das concentrações e viagens. Meu pensamento é partir para a outra. Tenho uma firma de confecções infanto-juvenis em Santa Catarina, negócio que está indo bem. Já recebi até convites do PMDB de Joinville para me candidatar a vereador. Olha, ninguém sabe o futuro. Pode ser até que eu vire técnico.

 

PLACAR – A propósito, qual o treinador que fez mais sua cabeça?

VÁGNER – Não escondo que foi Rubens Minelli. O homem sabe demais. E, graças a ele, estou numa boa situação. De meu ponto de vista, Minelli sempre foi um grande injustiçado em termos de Seleção Brasileira.

 

PLACAR – E o que você está achando de Carlos Alberto Silva?

VÁGNER – O trabalho dele começou corretamente, baseado nos talentos que despontaram há pouco tempo. No Brasil, infelizmente, existe a cobrança de resultados imediatos. Nunca se dá um prazo adequado para que o cara possa trabalhar sossegado. Assim, fica difícil colher bons frutos. Nosso imediatismo é de amargar.

 

PLACAR – Sinceramente, aos 31 anos, você ainda pensa em Seleção?

VÁGNER – Não digo que tenha perdido a esperança. Veja o caso de Morten Olsen, da Dinamarca, que disputou a última Copa, no México, com 37 primaveras no costado. Mas, em 1984, em minha melhor fase, fui preterido por Carlos Alberto Parreira. Hoje estou vacinado contra essas coisas.

 

PLACAR – Vamos voltar a falar do Palmeiras. O time não é campeão há mais de uma década e deixou de escapar uma chance fantástica no ano passado, na decisão contra a Internacional de Limeira. O que realmente houve naquela final?

VÁGNER – Falaram em intranquilidade do time, mas não vi nada disso. No primeiro jogo daquela decisão, o 0 X 0, a rapaziada não se porto bem por causa do desgaste nas partidas anteriores, as semifinais contra o Corinthians. Não atuei no segundo, que a Inter venceu de 2 x 1, porque estava contundido. Será que fiz falta? Acho, sem máscara, que não. O azar de Denys, que falou no segundo gol da Inter, acabou desestabilizando o grupo.

 

PLACAR – Muita gente diz que esse título do primeiro turno não vale nada. O que você acha disso?

VÁGNER – Isso é um absurdo, principalmente quando parte da boca dos dirigentes. Ao ouvir essa bobagem de um cartola, o torcedor perde até a motivação de ir aos estádios. Esse pensamento tem de mudar.

 

PLACAR – Como você analisa o nível da arbitragem brasileira?

VÁGNER – Epa! Macaco velho não mete a mão em cumbuca (risos). Bem, sempre estouram crises, por exemplo, aqui em São Paulo. Os cartolas, porém, nunca mergulham no caso para tentar resolvê-lo. Os que têm responsabilidade de apurar os fatos não se interessam. Desse jeito, é claro que o descrédito aumenta. Não se confia mais nos juízes nem em quem os dirige. Agora vou jogar um confete: Dulcídio Wanderley Boschilia, por saber lidar com os boleiros, é nosso melhor juiz.

 

PLACAR – E o pior?

VÁGNER – Que é isso, você está maluco? (Risos.) Não vou me queimar. Ficaria marcado se abrisse o bicho.

 

PLACAR – Você é muito supersticioso. Como nasceu isso?

VÁGNER- Tudo começou quando eu jogava no Internacional, em 1980, porque lá o pessoal também era. Com o passar do tempo, fui-me envolvendo com a coisa. Mas sou supersticiosos apenas no futebol. Só me aqueço com a camisa do jogo – e tem de ser a 6. Durmo na mesma camisa da concentração e viajo sempre em determinado banco do ônibus. Até a forma de enrolar as ataduras no tornozelo é a mesma.

 

PLACAR – E sua fama de catimbeiro é justificada?

VÁGNER – Não. É evidente que, ás vezes, procuro esfriar ao adversário. Mas não gosto de perturbações. Em nossa vitória de 2 X 0 sobre o América de São José do Rio Preto (dia 16 de abril), fui chutar um pênalti e ouvi um jogador deles comentar: “Poxa, o Verdão está mal mesmo. Quem bate pênalti é o beque”. Eu respondi que Marolla, goleiro americano, nem iria aparecer na fotografia. Dito e feito. Marquei o gol e mal comemorei, só para tirar uma casquinha (risos).

 


PLACAR – Catimba chama samba. Como pintou sua paixão pelo pagode?

VÁGNER – Se você pensar que é por modismo, está errado. Sempre gostei, desde criança. No Rio, participava daquelas reuniões no fundo de quintal, mandando ver uma feijoada. Infelizmente, o pagode só explodiu há pouco tempo.

 

PLACAR – E quanto às apostar que você faz com outros jogadores?

VÁGNER – Ah, adoro isso. Já fiz apostas com Luís Pereira, Cláudio Adão e até coloquei meu bigode em jogo, numa com Lima, então no Corinthians, nas semifinais paulistas do ano passado. Meu bigode... onde é que eu estava com a cabeça? (Risos.) Elas servem para motivar o espetáculo. Acho que a posta com meu camarada Luisão Pereira, de doar cobertores aos pobres, foi a mais importante. Tem outra: até hoje não perdi uma...

 

PLACAR – Voltando ao Campeonato Paulista: a invencibilidade de Zetti, que ficou 1.238 minutos sem tomar gol, estava pesando sobre os jogadores ou isso é besteira?

VÁGNER – Creio que ela influenciava mais os adversários. Eles queriam quebrar o tabu e a pressão foi aumentando. E veja só que fase: tudo aconteceu na hora certa. O gol do Santo André (dia 24 de maio), que acabou com a invencibilidade, surgiu no finalzinho da partida, e o empate de 1 x 1 nos interessava para garantirmos o título do primeiro turno.

 

PLACAR – Se o Palmeiras ganhar também o segundo turbo, será campeão direto. Logo, a pressão sobre vocês deve aumentar, concorda?

VÁGNER – Agora é guerra, não vai ser mole. Se o time disparar na frente, todos vão brigar para quebrar nossa hegemonia.

 

PLACAR – Então, qual o segredo que a equipe do Palmeiras saia campeã sem precisar ir ao quadrangular?

VÁGNER – A filosofia de trabalho deve ser mantida. Antes de tudo, o time tem de morder, para depois sair ao ataque. Aí, entram em ação os zagueiros, que correm em busca do gol na área do inimigo.

 

PLACAR – Trocando de tema, o futebol brasileiro vive um momento de mudanças. Qual será o bom caminho para ele?

VÁGNER – Entendo que nosso futebol precisa ser administrado por jovens. Tenho um carinho todo especial por Márcio Papa, com quem trabalhei no Palmeiras. Carlos Miguel Aidar, do São Paulo, também é um sujeito de ideias arejadas. Admiro ainda, Adílson Monteiro Alves, muito combatido ao implantar a Democracia Corintiana no Parque São Jorge. Ele não foi bem aceito pela velharada, que hoje está no poder dando mostras de sua incapacidade. O Corinthians está comendo o pão que o diabo amassou. É uma pena.

 

PLACAR – Olhando de fora, você apontaria soluções ao técnico Chico Formiga, do Corinthians?

VÁGNER – Acho que só os jogadores são capazes de tirar o time do sufoco. Eles é que estão dentro de campo vivendo esse drama. E, no segundo turno deste campeonato, as dificuldades vão aumentar. Com honestidade, lamento porque tenho amigos dentro do Corinthians.

 

PLACAR – O ambiente no Parque Antártica também é conturbado. Para começar, existem os corneteiros, que vivem dando palpites. Eles chagam a tirar o sono dos jogadores?

VÁGNER – Se tiram! (Risos.) Isso é o que mais acontece, principalmente quando nãos e conseguem resultados positivos. O que eles tumultuam não é brincadeira. Além do mais, essas pessoas não conhecem o cotidiano e as dificuldades dos jogadores. Gostam mesmo é de cornetear. E fazem isso bem para caramba.

 

PLACAR – Você é carioca, sambista, meio malandro. Em tese, não teria nada a ver com um time da colônia italiana de São Paulo, cujos torcedores são tipicamente classe média. Como se deu essa identificação com o Palmeiras?

VÁGNER – Sem frescura, acho que transmito um certo carisma e a galera me coloca na condição de símbolo. Isso aumenta minha responsabilidade, mas é bom. Eu gosto de desafios. Sonho ganhar o Campeonato Paulista para oferecer a essa torcida maravilhosa. Falam do Corinthians, mas nossa massa é muito mais fiel e merece ser feliz.

 

Publicado originalmente na revista Placar 888, 8 de junho de 1987

Nenhum comentário: