Nos passos do Divino (Placar 886, 25 de maio de 1987)
O jovem meia do Palmeiras
desponta como uma promessa brilhante, viaja com a Seleção e já é comparado a
Ademir da Guia, o mais ilustre dono da camisa 10 alviverde.
Por Mário Sérgio Venditti
Um forte aroma de goleada
pairava no ar. Na tarde de 14 de dezembro do ano passado, o São Paulo vencia o
Palmeiras por 2 x 0, pela Copa Brasil, com certa facilidade. Até que, aos 36
minutos do primeiro tempo, o meia-esquerda alviverde Edu disparou como um
míssil de canhota e diminuiu a diferença. O goleiro tricolor Gilmar disse que a
bola parecia o cometa Halley – ele sabia que passou, mas jura que não viu.
Embalado pelo gol, o Palmeiras conseguiu empatar no segundo tempo. Naquele dia,
o jovem Eduardo Antônio dos Santos saiu de campo festejado – e os torcedores
começaram a suspeitar de que um novo ídolo estava nascendo. “Foi o gol mais
bonito que fiz até hoje”, escolheu.
Jogadas de refinada
técnica e raro oportunismo como aquela foram decisivas na hora que o técnico
Carlos Alberto Silva o convocou para a Seleção Brasileira que está fazendo uma
excursão pela Europa e por Israel. “Senti um frio na barriga quando ouvi meu
nome”, extasia-se ele, que, aos 20 anos, já é apontado como uma das maiores
promessas do futebol brasileiro nos últimos tempos. “Ele tem potencial para
jogar pelo menos três Copas do Mundo”, calcula o fanático palestrino Giovanni
Bruno, dono da concorridíssima cantina Il Sogno di Anarello, em São Paulo.
AUTÓGRAFOS E BEIJOS-
Muitos chegam a apontar Edu com herdeiro da mística camisa 10 de Ademir da
Guia. Entre eles, o próprio Divino: “Acredito que Edu será meu sucessor. Seu
excelente desempenho me impressiona”. Outros preferem um pouco mais de cautela.
“Edu tem de melhorar muito para ser comparado a Ademir”, acredita Nelson
Ferraz, membro da torcida organizada Mancha Verde.
O próprio jogador prefere
abrigar-se da avalanche de confetes e reconhece algumas de suas deficiências:
“Chuto mal de direita e minhas cabeçadas saem tortas”. Aos poucos, porém,
procura eliminar seus defeitos com muita dedicação aos treinos, sempre na esteira
do ditado italiano segundo o qual “piano, piano si va lontano”. Ou, trocando em
miúdos, “devagar, se vai ao longe”.
A escalada meteórica de
Edu, que pode ser comparada a atual inflação, serviu para multiplicar o assédio
de fãs da noite para o dia, como as taxas do overnight. O telefone de sua casa
em Osasco, cidade onde nasceu, na região oeste da Grande São Paulo, toca
insistentemente. Quem se desespera com isso é sua irmã, Eliana, encarregada de
despachar as tietes. “Ligam até de madrugada”, queixa-se a menina. Depois de
cada partida, então, uma dezena de fã costuma cercar o jogador em busca de
autógrafos e beijinhos. E o que diz sua namorada Alessandra Bianca, 15 anos,
diante de tanta paparicação? Bem, ela não se perturba. “Edu é muito reservado”,
define. “Fica meio constrangido com todo esse tipo de coisa”.
Preocupada mesmo anda
dona Ana Quitéria dos Santos, mãe de Edu. Ela teme que as manchetes em todos os
noticiários esportivos mexam com a cabeça do filho mais novo, como já aconteceu
com tantos outros garotos desta idade. “A fama não me abala”, tranquiliza Edu,
afagando a mãe, sua fã desde os tempos das peladas no Atlético de Osasco. Edu,
de fato, dá total atenção a todos os torcedores que o procuram e não nega favor
nenhum.
DISCOS E ESFIHAS- Continua
também visitando os mesmos lugares e os amigos de sempre, pilotando seu Escort
XR-3 preto. Volta e meia, está se deliciando com as apetitosas esfihas da
lanchonete do velho amigo Carlinhos que fica no bairro de Presidente Altino.
Edu gosta tanto dos pequenos discos recheados de carne que não se inibe em
entrar na cozinha para ajudar a prepará-las. Em seus passeios pelas ruas de
Osasco, ainda desfruta de um certo anonimato. Tanto que ele mesmo é quem faz
suas compras. Antes de embarcar com a Seleção, por exemplo, Edu aventurou-se
num hipermercado da região. Saiu de lá, no entanto, apenas com um LP de pagode
– ritmo favorito dele e da grande maioria dos boleiros – de Lecy Brandão.
Abandonou, ao menos por enquanto, a ideia de rechear seu armário com novas calças
brancas e camisas xadrezes. “Nossa, as roupas estão caras!”, espantou-se com os
preços.
Edu, na verdade, evita
aborrecer-se com os problemas do cotidiano. Hoje é um irrecuperável cuca-fesca.
“Ele mudou bastante”, atesta seu procurador Antônio Augusto, mais conhecido por
Chaleira. “Antes, Edu era um casca-grossa”. Para se ter uma ideia, na categoria
júnior foi ter uma ideia, na categoria júnior foi expulso de campo cinco vezes.
“Eu era mesmo enfezado”, admite.
ESPERTEZAS E
TRAQUINAGENS- “Se levasse um pontapé, ficava logo irritado”. Num de seus atos
intempestivos, Edu quase disse adeus ao Palmeiras, quando ainda atuava nos
infantis. O técnico Zelão afastou-o da equipe sem maiores explicações. Deixou o
menino encostado durante dois meses. Um episódio que jamais ocorrera desde que
Edu havia entrado pela primeira vez o Parque Antártica durante 12 anos, levado
pelo treinador Ettori Marchetti.
Em razão disso, Edu
resolveu trocar de ares e mudou-se para a Portuguesa. Passou apenas um mês no
Canindé. Foi o bastante para os dirigentes do clube, espertos como são,
perceberem que se tratava de um raro talento. “Voltei ao Palmeiras só para
pegar minha liberação, mas só os dirigentes se recusaram a entrega-la”, conta.
Cidinho, técnico dos juvenis palmeirenses, aceitou dar-lhe uma chance. Edu
arrebentou nos treinos e ganhou de cara a posição de titular.
Sempre seguindo os
conselhos do irmão mais velho, Antônio Jorge, apelidado de Tonigatto, Edu
enterrou as traquinagens no passado. “Gosto de alertá-lo sobre as falsas amizades
que infestam nosso futebol”, explica Tonigatto, lateral que jogou no próprio
Palmeiras em 1981 e hoje, depois de passagens pelo Blumenau, Goiás, Nacional e
Novorizontino, aguarda propostas de outros clubes.
O novo ídolo do Palmeiras
só não tem mesmo paciência para organizar seu minúsculo quarto, que divide com
um primo. No chão, amontoam-se camisas, bermudas, discos e até a amarrotada
fantasia que vestiu no carnaval, desfilando na escola Unidos do Peruche, ao
lado de Gérson Caçapa, inseparável amigo e companheiro. “Manga é um craque fora
do comum”, analisa Caçapa. Manga, aliás, é um dos apelidos de Edu, por ter, “o
rosto chupado”. O outro é “Patão”, em razão dos lábios virados que mais parecem
um par de bicos.
TRISTEZA E EMOÇÃO – Por
pouco, o destino não separou os dois. Em março passado, Edu foi sondado por
Jorge Vieira, ainda técnico do Corinthians. Sem contrato, Edu recebeu um grande
número de telefonemas de Vieira dizendo que o recém-eleito presidente Vicente
Matheus aguardava apenas a fixação do preço de seu passe. “Achei melhor renovar
com o Palmeiras”, diz o atleta, que ganha agora 30 ml cruzados mensais.
Quem acabou amaldiçoado a decisão de Edu foi seu pai, Hélio Eiras, corintiano
apaixonado. “Um dia, ele ainda jogará no Corinthians”, sonha, apoiado no balcão
de seu pequeno bar, também localizado no bairro de Presidente Altino. “Seu”
Hélio não gosta nada da forma como Edu - que na infância torcia pelo São Paulo
– comemorou o segundo gol da vitória contra o Corinthians, no Pacaembu, dia 12
de abril do passado. Foi graças a sua enorme capacidade (faz 100 metros em 11
segundos) que ele deu um pique irresistível, marcou o gol com sua venenosa pé
esquerda e cheio de gás, saiu correndo em direção a torcida. “Sempre jogo bem
contra o Corinthians”, constatou. “Mas é só coincidência”. Trepou seu corpo de
1,85 m e 78 kg no alambrado comemorou feito um doido. “Fiquei triste pelo meu
Corinthians e, ao mesmo tempo, emocionado pelo meu filhão”, jura emocionado
“seu” Hélio.
A família Santos aposta
mesmo na estrela ascendente de Edu, Ali, todos acreditam que ele vai confirmar
duas previsões: será em pouco tempo, o herdeiro de Ademir da Guia e o novo
ídolo do cinema brasileiro. Já sentem até um aroma diferente pairando sobre
ele. Sem o cheiro de sucesso.
Publicado originalmente
na revista Placar, edição 886, 25 de
maio de 1987.
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