segunda-feira, 7 de agosto de 2023

NOS PASSOS DO DIVINO (Placar 886, 25 de maio de 1987)

Nos passos do Divino (Placar 886, 25 de maio de 1987)

 


O jovem meia do Palmeiras desponta como uma promessa brilhante, viaja com a Seleção e já é comparado a Ademir da Guia, o mais ilustre dono da camisa 10 alviverde.

 


Por Mário Sérgio Venditti

 

Um forte aroma de goleada pairava no ar. Na tarde de 14 de dezembro do ano passado, o São Paulo vencia o Palmeiras por 2 x 0, pela Copa Brasil, com certa facilidade. Até que, aos 36 minutos do primeiro tempo, o meia-esquerda alviverde Edu disparou como um míssil de canhota e diminuiu a diferença. O goleiro tricolor Gilmar disse que a bola parecia o cometa Halley – ele sabia que passou, mas jura que não viu. Embalado pelo gol, o Palmeiras conseguiu empatar no segundo tempo. Naquele dia, o jovem Eduardo Antônio dos Santos saiu de campo festejado – e os torcedores começaram a suspeitar de que um novo ídolo estava nascendo. “Foi o gol mais bonito que fiz até hoje”, escolheu.

 

Jogadas de refinada técnica e raro oportunismo como aquela foram decisivas na hora que o técnico Carlos Alberto Silva o convocou para a Seleção Brasileira que está fazendo uma excursão pela Europa e por Israel. “Senti um frio na barriga quando ouvi meu nome”, extasia-se ele, que, aos 20 anos, já é apontado como uma das maiores promessas do futebol brasileiro nos últimos tempos. “Ele tem potencial para jogar pelo menos três Copas do Mundo”, calcula o fanático palestrino Giovanni Bruno, dono da concorridíssima cantina Il Sogno di Anarello, em São Paulo.

 

AUTÓGRAFOS E BEIJOS- Muitos chegam a apontar Edu com herdeiro da mística camisa 10 de Ademir da Guia. Entre eles, o próprio Divino: “Acredito que Edu será meu sucessor. Seu excelente desempenho me impressiona”. Outros preferem um pouco mais de cautela. “Edu tem de melhorar muito para ser comparado a Ademir”, acredita Nelson Ferraz, membro da torcida organizada Mancha Verde.

 

O próprio jogador prefere abrigar-se da avalanche de confetes e reconhece algumas de suas deficiências: “Chuto mal de direita e minhas cabeçadas saem tortas”. Aos poucos, porém, procura eliminar seus defeitos com muita dedicação aos treinos, sempre na esteira do ditado italiano segundo o qual “piano, piano si va lontano”. Ou, trocando em miúdos, “devagar, se vai ao longe”.

 

A escalada meteórica de Edu, que pode ser comparada a atual inflação, serviu para multiplicar o assédio de fãs da noite para o dia, como as taxas do overnight. O telefone de sua casa em Osasco, cidade onde nasceu, na região oeste da Grande São Paulo, toca insistentemente. Quem se desespera com isso é sua irmã, Eliana, encarregada de despachar as tietes. “Ligam até de madrugada”, queixa-se a menina. Depois de cada partida, então, uma dezena de fã costuma cercar o jogador em busca de autógrafos e beijinhos. E o que diz sua namorada Alessandra Bianca, 15 anos, diante de tanta paparicação? Bem, ela não se perturba. “Edu é muito reservado”, define. “Fica meio constrangido com todo esse tipo de coisa”.

 

Preocupada mesmo anda dona Ana Quitéria dos Santos, mãe de Edu. Ela teme que as manchetes em todos os noticiários esportivos mexam com a cabeça do filho mais novo, como já aconteceu com tantos outros garotos desta idade. “A fama não me abala”, tranquiliza Edu, afagando a mãe, sua fã desde os tempos das peladas no Atlético de Osasco. Edu, de fato, dá total atenção a todos os torcedores que o procuram e não nega favor nenhum.

 

DISCOS E ESFIHAS- Continua também visitando os mesmos lugares e os amigos de sempre, pilotando seu Escort XR-3 preto. Volta e meia, está se deliciando com as apetitosas esfihas da lanchonete do velho amigo Carlinhos que fica no bairro de Presidente Altino. Edu gosta tanto dos pequenos discos recheados de carne que não se inibe em entrar na cozinha para ajudar a prepará-las. Em seus passeios pelas ruas de Osasco, ainda desfruta de um certo anonimato. Tanto que ele mesmo é quem faz suas compras. Antes de embarcar com a Seleção, por exemplo, Edu aventurou-se num hipermercado da região. Saiu de lá, no entanto, apenas com um LP de pagode – ritmo favorito dele e da grande maioria dos boleiros – de Lecy Brandão. Abandonou, ao menos por enquanto, a ideia de rechear seu armário com novas calças brancas e camisas xadrezes. “Nossa, as roupas estão caras!”, espantou-se com os preços.

 

Edu, na verdade, evita aborrecer-se com os problemas do cotidiano. Hoje é um irrecuperável cuca-fesca. “Ele mudou bastante”, atesta seu procurador Antônio Augusto, mais conhecido por Chaleira. “Antes, Edu era um casca-grossa”. Para se ter uma ideia, na categoria júnior foi ter uma ideia, na categoria júnior foi expulso de campo cinco vezes. “Eu era mesmo enfezado”, admite.

 

ESPERTEZAS E TRAQUINAGENS- “Se levasse um pontapé, ficava logo irritado”. Num de seus atos intempestivos, Edu quase disse adeus ao Palmeiras, quando ainda atuava nos infantis. O técnico Zelão afastou-o da equipe sem maiores explicações. Deixou o menino encostado durante dois meses. Um episódio que jamais ocorrera desde que Edu havia entrado pela primeira vez o Parque Antártica durante 12 anos, levado pelo treinador Ettori Marchetti.

 

Em razão disso, Edu resolveu trocar de ares e mudou-se para a Portuguesa. Passou apenas um mês no Canindé. Foi o bastante para os dirigentes do clube, espertos como são, perceberem que se tratava de um raro talento. “Voltei ao Palmeiras só para pegar minha liberação, mas só os dirigentes se recusaram a entrega-la”, conta. Cidinho, técnico dos juvenis palmeirenses, aceitou dar-lhe uma chance. Edu arrebentou nos treinos e ganhou de cara a posição de titular.

 

Sempre seguindo os conselhos do irmão mais velho, Antônio Jorge, apelidado de Tonigatto, Edu enterrou as traquinagens no passado. “Gosto de alertá-lo sobre as falsas amizades que infestam nosso futebol”, explica Tonigatto, lateral que jogou no próprio Palmeiras em 1981 e hoje, depois de passagens pelo Blumenau, Goiás, Nacional e Novorizontino, aguarda propostas de outros clubes.

 

O novo ídolo do Palmeiras só não tem mesmo paciência para organizar seu minúsculo quarto, que divide com um primo. No chão, amontoam-se camisas, bermudas, discos e até a amarrotada fantasia que vestiu no carnaval, desfilando na escola Unidos do Peruche, ao lado de Gérson Caçapa, inseparável amigo e companheiro. “Manga é um craque fora do comum”, analisa Caçapa. Manga, aliás, é um dos apelidos de Edu, por ter, “o rosto chupado”. O outro é “Patão”, em razão dos lábios virados que mais parecem um par de bicos.

 

TRISTEZA E EMOÇÃO – Por pouco, o destino não separou os dois. Em março passado, Edu foi sondado por Jorge Vieira, ainda técnico do Corinthians. Sem contrato, Edu recebeu um grande número de telefonemas de Vieira dizendo que o recém-eleito presidente Vicente Matheus aguardava apenas a fixação do preço de seu passe. “Achei melhor renovar com o Palmeiras”, diz o atleta, que ganha agora 30 ml cruzados mensais.


Quem acabou amaldiçoado a decisão de Edu foi seu pai, Hélio Eiras, corintiano apaixonado. “Um dia, ele ainda jogará no Corinthians”, sonha, apoiado no balcão de seu pequeno bar, também localizado no bairro de Presidente Altino. “Seu” Hélio não gosta nada da forma como Edu - que na infância torcia pelo São Paulo – comemorou o segundo gol da vitória contra o Corinthians, no Pacaembu, dia 12 de abril do passado. Foi graças a sua enorme capacidade (faz 100 metros em 11 segundos) que ele deu um pique irresistível, marcou o gol com sua venenosa pé esquerda e cheio de gás, saiu correndo em direção a torcida. “Sempre jogo bem contra o Corinthians”, constatou. “Mas é só coincidência”. Trepou seu corpo de 1,85 m e 78 kg no alambrado comemorou feito um doido. “Fiquei triste pelo meu Corinthians e, ao mesmo tempo, emocionado pelo meu filhão”, jura emocionado “seu” Hélio.


A família Santos aposta mesmo na estrela ascendente de Edu, Ali, todos acreditam que ele vai confirmar duas previsões: será em pouco tempo, o herdeiro de Ademir da Guia e o novo ídolo do cinema brasileiro. Já sentem até um aroma diferente pairando sobre ele. Sem o cheiro de sucesso.

 

Publicado originalmente na revista Placar, edição 886, 25 de maio de 1987.

Nenhum comentário: