Os segredos de Leão (Placar 973, 3 de fevereiro de 1989)
O ex-goleiro alviverde
assume o cargo de treinador, ganha a confiança do elenco e começa a trabalhar
duro para o fim do longo jejum
Por Mário Sérgio Venditti
No primeiro dia no Clube
de Campo Santa Rita, em São José dos Campos, o treinamento dos jogadores palmeirenses
era acompanhado, de longe, por um ou outro golfista que compartilhava o imenso
gramado. Parecia um refúgio. O local ideal para que o treinador Émerson Leão
esculpisse a nova personalidade da equipe. Forte, decidida, um reflexo de que
ele próprio representou com a camisa alviverde.
Dia a dia, porém, cresceu
o número de garotos armados de papel e caneta, seguindo os passos do time na
cidade distante 97 km de São Paulo. “O entusiasmo com o novo Palmeiras está
aumentando”, atesta Leão. Um fenômeno provocado pelos doze anos sem títulos,
mas também incentivado pela postura do clube neste início de 1989. Afinal,
ninguém investiu mais no futebol. Foram desembolsados 700.000 cruzados novos
para a contratação de sete jogadores. Alguns deles, desconhecidos da torcida,
como jovem ponteiro-direito Buião, que veio do Marília. Mas outros fadados a
assumirem a posição de ídolos. Caso dos meias Júnior (ex-São José e Coritiba) e
Neto (Guarani).
Enquanto os torcedores se
motivam com novos nomes, a equipe sofre transformações menos palpáveis e mais
profundadas. O carisma de Leão de manifesta a cada treino. Sua participação em
trabalhos físicos ou técnicos se centra na psicologia. Seu principal objetivo é
banir o estigma de time perdedor. “Procuro sempre conversar com meu grupo”,
explica. “Doutrinar, se necessário”.
Até o final da
pré-temporada, marcado para o dia 9 de fevereiro, o programa de mentalização
dos jogadores vai ser intenso quanto o físico. Todos os dias os exercícios de
velocidade e resistência começam às 8 horas. “Neto, agora aquela arrancada do
final do jogo”, grita Leão, incentivando o meia a dar o último pique de 200 m,
depois de quase duas horas de treinamento. Como ex-jogador, ele sabe que
precisa estimular o elenco com um belo cenário e competições para não tornar o
trabalho maçante. “Eles sabem que o treino é duro, mas é legal”, resume.
“É muito, muito puxado”,
desabafa Neto, que com sua cintura roliça é o alvo predileto do técnico. Com 76
kg, 3 a mais de quando disputou a final do Campeonato Paulista, no ano passado,
o meia precisa intensificar uma luta que parece eterna contra a balança. “O
principal é conscientiza-lo da necessidade”, planeja o preparador físico Inaldo
Alves, fiel escudeiro de Leão (veja o quadro na página 26). “Temos de iniciar o
Paulistão com tudo”, confirma Neto. “Daí vamos conquistar a confiança da
torcida”.
Para comprovar a mudança
total no Parque Antártica, Leão só manteve os dois roupeiros da antiga comissão
técnica. Até velhos conhecidos, como o treinador de goleiros Waldir Moraes, com
quem trabalhou na Seleção Brasileira foram trocados. No que toca aos jogadores,
o maior respaldo aparece nos pequenos detalhes. “Agora, todos treinamos com o
mesmo uniforme”, conta o centroavante Gaúcho. “Sinal que possuímos uma
retaguarda”.
Conquistando a confiança
dos atletas com pequenos gestos, Leão ganha espaço para ser cada vez mais
exigente. “Não faço força alguma para mudar a imagem de durão”, confessa.
Apesar de ter trabalhado com técnicos que preferiam conversas ao pé do ouvido,
como Oswaldo Brandão, ele gosta de decidir qualquer questão na presença de todo
o time. “Se tenho de chamar a atenção, faço bem alto para o cara ficar
envergonhado mesmo”.
Durante o primeiro treino
com bola, na quarta-feira da semana passada, Leão tratou de colocar seu método
em prática. “Borges, não é para parar metade do exercício”, fulminou.
“Justamente você que mais precisa trabalhar”. O fato é que o técnico pretende
dar uma nova oportunidade para Carlos Alberto Borges, que estava há cinco meses
parado, depois de ter sido emprestado. Desde que foi vítima de uma descarga de
um raio, em pleno Parque Antártica, seis anos atrás, o jogador interrompeu uma
carreira promissora e passou a alternar bons e maus momentos. Se conseguir
reabilitá-lo, Leão desmentirá o ditado de que um raio jamais cai duas vezes no
mesmo lugar.
Ao que parece, os
próprios jogadores já resolveram sair em defesa do treinador. “Carrasco Ele
apenas gosta de trabalhar”, surpreende-se o atacante Careca, que ao lado de
Neto compôs a maior transação do clube neste início de temporada – 350.000
cruzados novos, mais o passe do ponta Tato, capazes de dobrar a resistência dos
dirigentes do Guarani. Mas é o quarto-zagueiro Márcio quem garante que o
técnico tem a sensibilidade de perceber quando a equipe está se empenhando e
terminar um treinamento antes do previsto. Leão só não admite que os jogadores
tomem água durante os trabalhos. “É impossível não se adaptar”, revela. Com
seis anos de Palmeiras, ele viveu metade do drama alviverde e passou pelas mãos
de metade do treinador, durante o jejum de títulos. “Esta é a primeira mudança
real”, analisa. “Antes, mudavam os nomes, mas o time permanecia com a mesma
filosofia, acomodado”.
Parte deste novo
pensamento se resume à constante superação dos limites. É a grande fronteira
que o Palmeiras precisa transpor para realmente se credenciar ao título e
adquirir personalidade. “No campeonato vamos empregar o nosso ritmo”, avisa
Leão. “Não vamos estudar os adversários”. A determinação de Leão parece ser uma
marca que carrega desde o início da fulminante carreira, há dois anos, no
Sport. Quando os jogadores reclamaram certa vez do gramado da Ilha do Retiro,
ele não teve dúvidas: “Vamos aprender a jogar nele como está”. E foi assim que
a equipe pernambucana chegou ao primeiro lugar do Módulo Amarelo do Campeonato
Brasileiro. “Aqui, vamos usar as mesmas armas”, garante.
Entre os trunfos
palmeirenses está o ponta-esquerda Paulinho Carioca, trocado com o Corinthians
pelo também ponteiro Mauro. Campeão paulista do ano passado e marginalizado
pelo treinador José Carlos Fescina, ele terá uma disposição especial para
tentar desbancar o Timão e levar o “scudetto paulista” para o Parque Antártica.
Nem se preocupa com o excesso de jogadores para as posições de frente. “Time
que quer ganhar o título tem de ter mais de um jogador por posição”, ensina. E
Leão, que pretende avaliar o elenco na pré-temporada, não descarta a
possibilidade de novas contratações. Já os cartolas prometem transformar
qualquer pedido dele em realidade. Razões suficientes para que o sonho do
campeonato fique ainda mais real para os torcedores.
SEGUINDO OS PASSOS DOS
TIOS FAMOSOS
Quando Delphino Facchina
assumiu a presidência do Palmeiras em 1959, o time do Parque Antártica amargava
um jejum de títulos há nove temporadas. Devolvendo ao clube o rótulo de
vencedor, Delphino foi um de seus mais felizes presidentes – basta dizer que
durante sua gestão na década de 60, além do Santos, só o Palmeiras foi campeão
paulista.
Trinta anos depois –
desde 5 de janeiro – o novo presidente do Palmeiras é Carlos Bernardo Facchina
Nunes, sobrinho de Delphino. Como o tio, seu maior desafio será redescobrir o
caminho das conquistas. “O forte do Palmeiras sempre foi o futebol e esta será
nossa prioridade”, prometeu.
Para provar, gastou cerca
de 120.000 cruzados novos para satisfazer a uma das exigências de Leão e
contratou o volante Júnior, do São José. Dorival Silvestre Júnior, 26 anos, tem
algo em comum com seu presidente: é sobrinho de Dudu, outro personagem
importante da história de glórias do clube. Seu tio, aliás, depois de serviu o
Palmeiras com um futebol brigador, foi o técnico do último campeonato paulista,
em 1976. “Será muito difícil igualá-lo”, evita comparações. “Já me darei por
satisfeito se corresponder à confiança de todos”.
O PREPARADOR VERSÁTIL
“Nordestino prodígio”. A
definição de Leão para o preparador físico Inaldo José Alves, 44 anos, não é
exagerada: ele é advogado, professor de Educação Física, coronel reformado da
Polícia Militar, ex-comandante-geral da PM e diretor do Detran. Para completar,
está desde 1970 no futebol.
Com disciplina e
organização, Inaldo encontrou tempo para tudo isso. E foi justamente esta
filosofia, herdada da caserna, que o aproximou do treinador, em 1986, quando
Leão ainda era goleiro do Sport. No ano passado, a dupla fez sucesso no São
José e no Coritiba.
UMA HISTÓRIA DE
CONQUISTAS
Em 10 de agosto de 1978,
na primeira partida final do Campeonato Brasileiro, o goleiro Leão foi expulso
depois de ter dado um soco no centroavante Careca, do Guarani. O time de
Campinas foi campeão e Leão encerrava um período de dez anos como o titular
absoluto no gol palmeirense. No Parque Antártica, foram três títulos paulistas,
dois brasileiros e o Robertão de 1969, o Campeonato Nacional da época. No breve
retorno entre 1984 e 1986, conheceu uma fase menos áurea no clube.
Leão iniciou a carreira
de goleiro em 1965, no São José, por obra de Diede Lameiro. Passou pelo
Comercial de Ribeirão Preto, sua cidade natal, antes de chegar emprestado ao
Palmeiras, em 1969. Goleiro da Seleção em quatro Copas do Mundo (1970, 1974,
1978 e 1986), jogou também no Vasco, Grêmio, Corinthians e Sport Recife, no
qual começou a trabalhar como treinador.
NEM TUDO ESTÁ NO SEU
DEVIDO LUGAR
Apesar do espírito
renovado, o Parque Antártica ainda sofre com os resquícios de tempos recentes.
Na semana passada, enquanto a equipe rumava para São José dos Campos, dois
novos problemas atormentavam os cartolas: o meia Edu voltou a desaparecer –
como já havia acontecido em outubro – e o marcador eletrônico despendeu sobre
as arquibancadas por causa das chuvas. O jogador tentou justificar, falando de
problemas particulares, mas acabou sendo multado em 60% do salário e suspenso
por quatro dias. Esta economia, porém, não vai cobrir o prejuízo no estádio.
Publicado originalmente
na revista Placar 973, 3 de fevereiro
de 1989.
Nenhum comentário:
Postar um comentário