terça-feira, 8 de agosto de 2023

OS SEGREDOS DE LEÃO (Placar 973, 3 de fevereiro de 1989)

Os segredos de Leão (Placar 973, 3 de fevereiro de 1989)



O ex-goleiro alviverde assume o cargo de treinador, ganha a confiança do elenco e começa a trabalhar duro para o fim do longo jejum

 

Por Mário Sérgio Venditti

 

No primeiro dia no Clube de Campo Santa Rita, em São José dos Campos, o treinamento dos jogadores palmeirenses era acompanhado, de longe, por um ou outro golfista que compartilhava o imenso gramado. Parecia um refúgio. O local ideal para que o treinador Émerson Leão esculpisse a nova personalidade da equipe. Forte, decidida, um reflexo de que ele próprio representou com a camisa alviverde.

Dia a dia, porém, cresceu o número de garotos armados de papel e caneta, seguindo os passos do time na cidade distante 97 km de São Paulo. “O entusiasmo com o novo Palmeiras está aumentando”, atesta Leão. Um fenômeno provocado pelos doze anos sem títulos, mas também incentivado pela postura do clube neste início de 1989. Afinal, ninguém investiu mais no futebol. Foram desembolsados 700.000 cruzados novos para a contratação de sete jogadores. Alguns deles, desconhecidos da torcida, como jovem ponteiro-direito Buião, que veio do Marília. Mas outros fadados a assumirem a posição de ídolos. Caso dos meias Júnior (ex-São José e Coritiba) e Neto (Guarani).

Enquanto os torcedores se motivam com novos nomes, a equipe sofre transformações menos palpáveis e mais profundadas. O carisma de Leão de manifesta a cada treino. Sua participação em trabalhos físicos ou técnicos se centra na psicologia. Seu principal objetivo é banir o estigma de time perdedor. “Procuro sempre conversar com meu grupo”, explica. “Doutrinar, se necessário”.

Até o final da pré-temporada, marcado para o dia 9 de fevereiro, o programa de mentalização dos jogadores vai ser intenso quanto o físico. Todos os dias os exercícios de velocidade e resistência começam às 8 horas. “Neto, agora aquela arrancada do final do jogo”, grita Leão, incentivando o meia a dar o último pique de 200 m, depois de quase duas horas de treinamento. Como ex-jogador, ele sabe que precisa estimular o elenco com um belo cenário e competições para não tornar o trabalho maçante. “Eles sabem que o treino é duro, mas é legal”, resume.




“É muito, muito puxado”, desabafa Neto, que com sua cintura roliça é o alvo predileto do técnico. Com 76 kg, 3 a mais de quando disputou a final do Campeonato Paulista, no ano passado, o meia precisa intensificar uma luta que parece eterna contra a balança. “O principal é conscientiza-lo da necessidade”, planeja o preparador físico Inaldo Alves, fiel escudeiro de Leão (veja o quadro na página 26). “Temos de iniciar o Paulistão com tudo”, confirma Neto. “Daí vamos conquistar a confiança da torcida”.

Para comprovar a mudança total no Parque Antártica, Leão só manteve os dois roupeiros da antiga comissão técnica. Até velhos conhecidos, como o treinador de goleiros Waldir Moraes, com quem trabalhou na Seleção Brasileira foram trocados. No que toca aos jogadores, o maior respaldo aparece nos pequenos detalhes. “Agora, todos treinamos com o mesmo uniforme”, conta o centroavante Gaúcho. “Sinal que possuímos uma retaguarda”.

Conquistando a confiança dos atletas com pequenos gestos, Leão ganha espaço para ser cada vez mais exigente. “Não faço força alguma para mudar a imagem de durão”, confessa. Apesar de ter trabalhado com técnicos que preferiam conversas ao pé do ouvido, como Oswaldo Brandão, ele gosta de decidir qualquer questão na presença de todo o time. “Se tenho de chamar a atenção, faço bem alto para o cara ficar envergonhado mesmo”.

Durante o primeiro treino com bola, na quarta-feira da semana passada, Leão tratou de colocar seu método em prática. “Borges, não é para parar metade do exercício”, fulminou. “Justamente você que mais precisa trabalhar”. O fato é que o técnico pretende dar uma nova oportunidade para Carlos Alberto Borges, que estava há cinco meses parado, depois de ter sido emprestado. Desde que foi vítima de uma descarga de um raio, em pleno Parque Antártica, seis anos atrás, o jogador interrompeu uma carreira promissora e passou a alternar bons e maus momentos. Se conseguir reabilitá-lo, Leão desmentirá o ditado de que um raio jamais cai duas vezes no mesmo lugar.




Ao que parece, os próprios jogadores já resolveram sair em defesa do treinador. “Carrasco Ele apenas gosta de trabalhar”, surpreende-se o atacante Careca, que ao lado de Neto compôs a maior transação do clube neste início de temporada – 350.000 cruzados novos, mais o passe do ponta Tato, capazes de dobrar a resistência dos dirigentes do Guarani. Mas é o quarto-zagueiro Márcio quem garante que o técnico tem a sensibilidade de perceber quando a equipe está se empenhando e terminar um treinamento antes do previsto. Leão só não admite que os jogadores tomem água durante os trabalhos. “É impossível não se adaptar”, revela. Com seis anos de Palmeiras, ele viveu metade do drama alviverde e passou pelas mãos de metade do treinador, durante o jejum de títulos. “Esta é a primeira mudança real”, analisa. “Antes, mudavam os nomes, mas o time permanecia com a mesma filosofia, acomodado”.

Parte deste novo pensamento se resume à constante superação dos limites. É a grande fronteira que o Palmeiras precisa transpor para realmente se credenciar ao título e adquirir personalidade. “No campeonato vamos empregar o nosso ritmo”, avisa Leão. “Não vamos estudar os adversários”. A determinação de Leão parece ser uma marca que carrega desde o início da fulminante carreira, há dois anos, no Sport. Quando os jogadores reclamaram certa vez do gramado da Ilha do Retiro, ele não teve dúvidas: “Vamos aprender a jogar nele como está”. E foi assim que a equipe pernambucana chegou ao primeiro lugar do Módulo Amarelo do Campeonato Brasileiro. “Aqui, vamos usar as mesmas armas”, garante.

Entre os trunfos palmeirenses está o ponta-esquerda Paulinho Carioca, trocado com o Corinthians pelo também ponteiro Mauro. Campeão paulista do ano passado e marginalizado pelo treinador José Carlos Fescina, ele terá uma disposição especial para tentar desbancar o Timão e levar o “scudetto paulista” para o Parque Antártica. Nem se preocupa com o excesso de jogadores para as posições de frente. “Time que quer ganhar o título tem de ter mais de um jogador por posição”, ensina. E Leão, que pretende avaliar o elenco na pré-temporada, não descarta a possibilidade de novas contratações. Já os cartolas prometem transformar qualquer pedido dele em realidade. Razões suficientes para que o sonho do campeonato fique ainda mais real para os torcedores.

 

SEGUINDO OS PASSOS DOS TIOS FAMOSOS

Quando Delphino Facchina assumiu a presidência do Palmeiras em 1959, o time do Parque Antártica amargava um jejum de títulos há nove temporadas. Devolvendo ao clube o rótulo de vencedor, Delphino foi um de seus mais felizes presidentes – basta dizer que durante sua gestão na década de 60, além do Santos, só o Palmeiras foi campeão paulista.

Trinta anos depois – desde 5 de janeiro – o novo presidente do Palmeiras é Carlos Bernardo Facchina Nunes, sobrinho de Delphino. Como o tio, seu maior desafio será redescobrir o caminho das conquistas. “O forte do Palmeiras sempre foi o futebol e esta será nossa prioridade”, prometeu.

Para provar, gastou cerca de 120.000 cruzados novos para satisfazer a uma das exigências de Leão e contratou o volante Júnior, do São José. Dorival Silvestre Júnior, 26 anos, tem algo em comum com seu presidente: é sobrinho de Dudu, outro personagem importante da história de glórias do clube. Seu tio, aliás, depois de serviu o Palmeiras com um futebol brigador, foi o técnico do último campeonato paulista, em 1976. “Será muito difícil igualá-lo”, evita comparações. “Já me darei por satisfeito se corresponder à confiança de todos”.

 

O PREPARADOR VERSÁTIL

“Nordestino prodígio”. A definição de Leão para o preparador físico Inaldo José Alves, 44 anos, não é exagerada: ele é advogado, professor de Educação Física, coronel reformado da Polícia Militar, ex-comandante-geral da PM e diretor do Detran. Para completar, está desde 1970 no futebol.

Com disciplina e organização, Inaldo encontrou tempo para tudo isso. E foi justamente esta filosofia, herdada da caserna, que o aproximou do treinador, em 1986, quando Leão ainda era goleiro do Sport. No ano passado, a dupla fez sucesso no São José e no Coritiba.

 

UMA HISTÓRIA DE CONQUISTAS

Em 10 de agosto de 1978, na primeira partida final do Campeonato Brasileiro, o goleiro Leão foi expulso depois de ter dado um soco no centroavante Careca, do Guarani. O time de Campinas foi campeão e Leão encerrava um período de dez anos como o titular absoluto no gol palmeirense. No Parque Antártica, foram três títulos paulistas, dois brasileiros e o Robertão de 1969, o Campeonato Nacional da época. No breve retorno entre 1984 e 1986, conheceu uma fase menos áurea no clube.

Leão iniciou a carreira de goleiro em 1965, no São José, por obra de Diede Lameiro. Passou pelo Comercial de Ribeirão Preto, sua cidade natal, antes de chegar emprestado ao Palmeiras, em 1969. Goleiro da Seleção em quatro Copas do Mundo (1970, 1974, 1978 e 1986), jogou também no Vasco, Grêmio, Corinthians e Sport Recife, no qual começou a trabalhar como treinador.

 

NEM TUDO ESTÁ NO SEU DEVIDO LUGAR

Apesar do espírito renovado, o Parque Antártica ainda sofre com os resquícios de tempos recentes. Na semana passada, enquanto a equipe rumava para São José dos Campos, dois novos problemas atormentavam os cartolas: o meia Edu voltou a desaparecer – como já havia acontecido em outubro – e o marcador eletrônico despendeu sobre as arquibancadas por causa das chuvas. O jogador tentou justificar, falando de problemas particulares, mas acabou sendo multado em 60% do salário e suspenso por quatro dias. Esta economia, porém, não vai cobrir o prejuízo no estádio.

 


Publicado originalmente na revista Placar 973, 3 de fevereiro de 1989.

 

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