terça-feira, 31 de outubro de 2023

Playboy entrevista Guilherme Arantes (outubro de 2013)

Playboy entrevista Guilherme Arantes (outubro de 2013) 



Uma conversa franca com o pianista, cantor e compositor sobre sucesso, Chacrinha, sexo, drogas, gravadoras, brochadas, Elis Regina, Rita Lee e o dia em que ele levou uma música para Roberto Carlos todo vestido de marrom

 

As duas mulheres vestidas de executivas na mesa ao lado, ambas na casa dos 30 anos, dão um sorrisinho e cochicham entre si. O homem numa mesa entre ruidosos colegas de trabalho não para de olhar. Uma senhora levanta duas vezes e faz menção de interromper nossa conversa, mas, por qualquer motivo, desiste. É hora do almoço numa sexta-feira chuvosa de julho e o Twelve Bistrô, em Pinheiros, bairro boêmio na zona oeste paulistana, está cheio. É um discreto senhor, então prestes a completar 60 anos, rouba sem fazer esforço a atenção dos presentes. A calvície que tomou o lugar da longa cabeleira e as demais transformações por efeito do tempo não ajudam. Mas quase todo mundo, entre uma garfada e outra, olha para a mesa com aquele ar de “eu conheço esse sujeito de algum lugar”.

 

Não sem razão. Nela está um dos artistas de maior sucesso e exposição da música brasileira. Cantor, compositor e pianista, Guilherme Arantes, construiu hits estrondosos como Deixa Chover, Amanhã e Cheia de Charme. Esteve em programas de auditório, trilhas de novelas e de programas infantis. Foi gravado por Elis Regina e Roberto Carlos. E sua música está no inconsciente coletivo de várias gerações. Estamos na segunda conversa para esta Entrevista, que se prolongou por três horas. Um dia antes, entre deliciosas coxinhas de rabada do chef Gregoir Caisley e de dois Negronis, a conversa com o editor Jardel Sebba já havia ultrapassado as quatro horas. Guilherme é eloquente, mas o ambiente e os Negronis também ajudaram – foi a pedido dele que voltamos ao restaurante no segundo encontro.

 

Paulistano, filho de uma bibliotecária e de um cirurgião, Arantes não conhecia o Twelve porque mora desde 2000 na Bahia. Em Camaçari, Grande Salvador, montou a ONG Instituto Planeta Água, construiu um estúdio-pousada ao redor dela e conheceu Márcia, sua atual esposa. Antes, passou oito anos com outra Marcia, sua colega de faculdade, com quem teve a Marieta. Em 1981, casou-se com Luiza, então cantora da Gang 90, com quem viveu por 13 anos e teve três filhos, Gabriel, Pedro e Tiago. Em 1998 nasceu Paola, de um relacionamento de dois anos com Claudia. Ele ainda é avô de Davi, de 4 anos, filho de Pedro.

 

Antes de aparecer na TV pela primeira vez, ele já tinha histórias para contar. Aos 12 anos, teve uma experiência sobrenatural: ficou tetraplégico por cerca de uma hora depois uma queda, conversou com Jesus e a resposta veio 15 minutos mais tarde, quando conseguiu se levantar – fato que cita como exemplo de força interior. Na adolescência, montou o conjunto Polissonante (com o colega de colégio Kadu Moliterno), tocou com Jorge Mautner e integrou o grupo Moto Perpétuo, cujo disco de estreia, lançado em 1974, hoje é cultuado pelo mundo. O sucesso só viria dois anos depois, quando uma música que ele havia escrito aos 16 anos no silêncio do seu quarto, Meu Mundo e Nada Mais, entrou na trilha da novela Anjo Mau, da Rede Globo. Inaugurou-se ali uma longa e bem-sucedida relação: foram 27 canções em trilhas. E encerrou, também em 1976, sua participação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, depois de três anos. O pai não aceitava a carreira de cantor e “botou para fora de casa”. O curioso é que Guilherme queria mesmo era ser oftalmologista e o pai, desgostoso com a medicina, também foi contra.

 

Capaz de cativar fãs tão diversos quanto Mano Brown e Paulo Maluf, ele lançou este ano o ótimo Condição Humana, eleito melhor disco no Prêmio Multishow, com participação de músicos jovens que celebram sua influência. Ele garante que não só vive o presente como está apenas na metade do caminho.

 

O que você fez com seus Discos de Ouro?

Eles enferrujaram. Quando me mudei pra Bahia, eles ficaram encaixotados, tomando maresia em uma garagem do lado de fora da casa. E aí eu me desfiz daquilo.

 

Mas você ganhou muito Disco de Ouro e de Platina, não?

Ganhei, mas todos forçados pela gravadora. Ela mandava prensar 100 mil cópias, distribuía, fazia consignação nas lojas, obrigava o vendedor a engolir aquilo, e botava no Chacrinha que vendeu 100 mil. Era como funcionava a indústria. Eu fui um mau vendedor, um cara decepcionante para eles, paguei um alto preço por isso. Eu tinha uma imagem muito aristocrática.

 

Ao longo de mais de 20 anos em gravadoras multinacionais, você lembra de coisas que teve de engolir?

Na CBS, no final dos anos 1980, começo dos 1990, queriam que eu gravasse músicas de outros cantores. “Nós temos um projeto.” Não tem projeto! Tive que engolir boicote, falta de promoção, essas coisas. Aí, me perguntavam: “Mas você não quer vender 1 milhão de discos?” Eu não queria. Eu queria exatamente o que tenho hoje: uma carreira.

 

Em outra entrevista, você disse que toda música era pautada pelo dinheiro que as gravadoras investiam nas rádios. Você não foi muito beneficiado por esse jabá?

Olha, a escola na qual se trabalhava isso era menor do que hoje, e como eu pegava novela, quando você tem uma música estourada na novela, aí já não existe jabá. Todo mundo toca e acabou.

 

Como é que você entrava tão fácil em novela?

Fui lançado com uma música em Anjo MauMeu Mundo e Nada Mais. Deu certo. Aí lançaram a segunda, a terceira...

 

Essa canção era tema da personagem da Susana Vieira. Quem envelheceu melhor, a música ou a Susana?

Olha, acho a Susana genial, é uma mulher que mantém a alegria apesar de todos os percalços. Acho que as duas permanecem jovens. Não a conheço pessoalmente, mas acho que ela permanece tão bem quanto a canção. Ela é atrapalhada na vida pessoa, é exuberante, é engraçada, divertida. O mundo precisa de gente assim.

 

Você tem 27 canções em trilhas de novelas. Alguma em particular o irritou pela maneira como foi usada?

Teve uma que me decepcionou muito, que foi da novela Renascer (1993). A música era O Lado Prático do Amor, feita para a personagem da Patrícia Pillar, que fazia par romântico com o Taumaturgo Ferreira. E, no curso da novela, ela acabou se envolvendo com o Damião, que era o capataz da novela, teve um tórrido romance com ele, e aquele casal original não vingou. E a minha música perdeu o sentido. Porra, ela se envolve com o peão e quem se fode sou eu? (Risos.)

 

Você perdeu a mão como hitmaker num determinado momento da carreira?

Isso eu sei que perdi. Você é considerado um Midas até errar. No meu caso, como era minha música, minha letra, meu arranjo, meu piano, enquanto dava certo era uma maravilha. Na hora que isso falha, você é um bosta. O público debanda. Na verdade, a regra é o fracasso. O sucesso é a exceção.

 

O Globo de Ouro foi redescoberto pelas novas gerações ao ser reprisado pelo canal Viva. Qual é a sua lembrança das gravações do programa?

Lembro do primeiro Globo de Ouro que fiz, em 1976. Cheguei ao Teatro Fênix às 11 da manhã, e as gravações varavam a noite. Eu só fui gravar ás 5 da manhã do dia seguinte. Porra, eu esperei 18 horas, e não podia sair do teatro! Se eu saísse do teatro, estava fora. É engraçado lembrar, eu sai desesperado de fome dali.

 

Falando em novas gerações, você fez uma declaração sobre a falta de criatividade dos músicos atuais. Não parece coisa de velho saudosista?

Não, eu vejo essa turma que eu convidei pro meu disco, eles são todos alternativos, a Tulipa Ruiz, o Marcelo Jeneci. Eles são o lado nobre da música atual, mas eles não conseguem... Essa vanguarda paulistana tem uma maldição de ser vanguarda. Já conversei com eles, é preciso abolir esse negócio. Eles precisam sair do gueto do Baixo Augusta.

 

O que você quer dizer com isso?

Primeiro, que não dá para ter uma geração só de artistas de edital. O edital se tornou um vício na música brasileira. Você vê o Otto, ele é o rei do edital. Artista de edital é um cara que é muito falado, querido, mas que, se tirar o edital, ele não existe. Ele é adaptado a obter resultado de uma curadoria que não é o povo. São curadores. O Brasil virou uma república de curadores. Assim não vai. Nós somos de uma geração muito mais aventureira. Djavan passou necessidade, litou por uma carreira. Olha a coragem de um Zé Ramalho. Hoje é complicado eu dizer como eles devem fazer, qual seria a estratégia.

 

Além de gravar com músicos jovens, você tem uma filha adolescente. As drogas de hoje são mais acessíveis que na sua época?

Acho que não. Os anos 1980 foram muito agressivos nesse sentido. O perigo hoje é o da droga como caminho de destruição. Esse é um risco que a gente não teve. Nossa geração era comportamental, era toda uma cultura. O advento do crack coloca uma perspectiva hoje que a gente não viveu.

 

Seu primeiro contato com a droga foi na faculdade?

Com a maconha foi no cursinho a primeira vez. E aquilo, dentro do contexto, me ajudou. Porque eu estava num meio em que a vida cultural tinha um sentido de libertação. As drogas químicas eu não peguei, me lembro de ter tomando ácido no começo dos anos 1980, alguma coisa que era mais no sentido de ver colorido, de despertar a parte visual.

 

Esse primeiro contato com a maconha foi bacana?

Foi! Era legal porque a gente escutava Pink Floyd, Genesis. A gente fumava pra ir ver um filme do (Jean-Luc) Godard... Fumava pra ir ver (o filme de Pier Paolo Pasolini) Teorema.

 

A maconha acompanhou a sua vida durante muito tempo, ou algo que foi e voltou?

Me acompanhou por muitos anos, mas depois, não sei se o efeito não era mais o mesmo, a mágica se perdeu um pouco, tornou-se uma prática, assim, um pouco depressiva. Comecei a ficar meio para baixo. Daí eu fui parando, diminuindo, e é uma vontade que foi embora. Mesmo o álcool eu fui diminuindo, diminuindo...

 

O álcool também estava fazendo mal?

Começou a atrapalhar. Eu tomava Jim Bean, Jack Daniels, uísque americano. O costume de não beber de dia me ajudou muito. Não gosto. Quando bebo de dia é para liquidar o dia, entendeu?

 

Você bebia desde quando?

Ah, desde os 14 anos. Com 18, eu parava num boteco e tomava dois, três conhaques. Depois teve uma fase em que, morando com meus pais, eu escondia o conhaque no armário. Mas nunca me destruí com isso.

 

Era só álcool e maconha?

E cigarro, essa porcaria do cigarro. A cocaína teve um período, quando eu morei no Rio, que era tudo muito fácil. Mas era aquele clima de Réveillon todo dia, e não dá para ser Réveillon todo dia.. Eu queria o sol, queria a praia com os meninos, que eram novinhos. Fora que cocaína era uma derrota, não ajuda a criar. Era diferente da maconha, que ajudava nos delírios poéticos, os tornava mais eficientes. Agora, não teve outras drogas.

 

Não teve ácido?

Muito pouco.

 

Cigarro você ainda fuma?

Parei. Para levantar esse disco aí, eu me reviciei em tabaco, com cigarrilhas Café Creme. Eu não sei o que é, mas acho que algo há no tabaco. Quando se fumava nos estúdios, olha a música que se produziu. Aquela neblina de charuto e cigarro, John Coltrane, Frank Sinatra...Acho que é um símbolo gauche, o lado gauche do pós-guerra, né? De Simone de Beauvoir, do Jean-Paul Sartre, do Godard. Acho que todo mundo está precisando disso. Tabaco já no mundo!

 

O álcool parece ter sido a sua relação mais duradoura. Quais foram as maiores bobagens que você já fez sob efeito do álcool?

Bater carro. Acabei com um carro lá no Rio uma vez. Outra vez, descendo a serra de Santos, pra tocar em Itanhaém, dormi no volante e o carro raspou no guard rail. Sou péssimo para dirigir em estrada, durmo fácil, então dirigir alcoolizado se tornou um trauma. Eu podia ter morrido. Eu tinha uma Land Rover, fui entrar na garagem, ela entalou e estourou todo o teto. Fora quebrar instrumento musical, falar bobagem, se exceder. Uma vez, fui deselegante com a Fafá de Belém num restaurante carioca. Eu estava tomando todas ali com um amigo, a Fafá chegou e eu gritei: “Fafá, você é um bocetão!” Pô, coisas do álcool, né?

 

Ela ficou ofendida?

Não, ela achou graça, deu aquela gargalhada dela. Mas não se faz isso, eu estava achando o quê? Teve um show uma vez em Volta Redonda que eu entrei alcoolizado, esqueci letra, e depois daí nunca mais...

 

E o público percebeu?

Não, deu pra levar. Mas é muito triste um artista alcoolizado no palco. Foi uma vez só que aconteceu, nunca mais quis beber, pelo trauma. Hoje entro em show sem beber nada. Termina o show eu tomo um uísque com moderação, nunca mais enxuguei garrafa. Só vinho que eu ainda enxugo garrafa.

 

O álcool foi um desinibidor sexual também, de tomar todas á noite e acordar com gente desconhecida na sua cama?

Não, acho que o que mais me prejudicou socialmente foi uma exuberância paquerativa, uma exuberância sexual. De ser muito atirado. Eu não era pegador, era tímido, retraído. Mas aí eu bebia e tomava coragem para fazer coisas que, vendo hoje, eram inconvenientes...

 

De pegar pelo braço?

De não resistir a uma paquera. Não resistir a um encantamento. Uma compulsão. E acho que isso foi se resolvendo depois dos 50 anos. Aquietou bem. Eu me sinto bem mais adequado hoje. A minha compulsão não era sexual, era de paquera, de busca de sentimento. A minha sexualidade era com sentimento, entendeu?

 

Mas não tinha vontade de transar com gente diferente?

Não, nunca gostei disso, de fazer da minha cama um ambiente público. Mas eu tive notoriedade muito cedo, com 24, 25 anos, e pude conhecer muitas mulheres maravilhosas, muita gente interessante no meio artístico. Mas eu respeitava. Eu sinto que fui muito afoito. Quero muito dizer uma coisa: tenho muito orgulho do álbum de mulheres que eu não peguei. Com as quais não saí. A galeria é notável. E, por força dos casamentos, dos relacionamentos que eu tinha...A oferta era muito grande quando eu era jovem. O número de atrizes que me abordaram foi uma coisa inacreditável, e que eu não fui...

 

Tinha homem nessa lista também?

Não, mas eu tinha ima imagem muito andrógina, que era da minha geração, e fui a paixão de muitos jornalistas. E às vezes, como eu não sabia lidar com isso, acabou me custando algumas implicâncias...

 

Você não consumava o ato e o pessoal se voltava contra você?

Não, era de eu não saber lidar socialmente com essa paquera que existia, entendeu? Eu repelia. A gente flertava com a androginia, que era típica dos anos 60, mas não com a homossexualidade. Mais tarde é que eu soube conviver melhor. Eu vinha de uma família em que meu pai era muito radical...


Contra os homossexuais?

É, ele era muito reacionário nessas coisas. Dizia: “Esse Ney Matogrsso, pra mim esse rapaz tem problema”. E eu: “Pai, ele é um símbolo homossexual”. E ele: “Como assim? Tem isso, agora?” Meu pai tinha aversão, e eu tinha uma atração muito grande pela androginia. Eu olho lá atrás, aquela cabelão, magrinho, acho que eu tinha uma imagem muito atraente para o mundo homossexual. Você sabe, por exemplo, quem tinha adoração por mim? O Caio Fernando Abreu. Ele me adorava! Mas não era uma coisa de interesse, tinha uma aura de carinho, de amor.

 

Você nunca se sentiu atraído por um homem?

Não, nem de leve. Minha coisa era com mulher, isso sempre foi claro.


Você falou que tem orgulho de algumas das mulheres que não pegou. Mas eu queria falar de uma que rolou, a Rita Lee. Vocês namoraram?

A Rita me ligou pedindo para indicar um guitarrista que serviria de escada para o Roberto de Carvalho. E eu tinha um cara ideal, que era o Ronaldo Bastos, que trabalhava comigo. Como a Rita Lee era uma paixão antiga, e eu estava separado...

 

Nunca tinha rolado nada?

Nada! Eu conheço a Rita já muito tempo, ela era uma das mulheres mais bonitas que o Brasil já viu. Além disso, é uma letrista de mão cheia, uma cantora de enorme talento. A Rita Lee é uma paixão fulminante! Eu indiquei o guitarrista e já mandei: “O que você está fazendo?” “Ah, estou morando aqui perto”. “Mas você não morava no Morumbi?” “É que estou passando uma fase separada aqui...” Acendeu a lâmpada na hora. Que notícia boa! “Eu também estou aqui, a gente podia se ver”. Aí houve uma identificação. A gente tinha filhos na mesma faixa de idade, ambos tinham uma história bonita de vida. Por que não? A gente era compatível.

 

Foi bom pra você?

Foi maravilhoso! Foi lindo. Mas ela estava muito atrapalhada na época, tomando muito vinho. As pessoas me falavam que ela estava tomando calmantes também.

 

Só vinho e calmantes?

Acho que sim. Mas eu não via. Era coisa escondida. Eu ia na casa dela, sempre com muito respeito, indo com calma, porque era uma pessoa que eu respeitava e estava a fim mesmo, uma mulher que você tem que admirar para se apaixonar. E eu estava num estado alterado de consciência, até porque era um velho sonho sendo realizado. Lembro de ter feito uma gravação cantando If I Fell para ela. E na época ela dizia que não gostava dos Beatles. Eu estou contando coisas legais para você, porque é bonito.

 

Sim, claro...

E teve um dia em que ela me mandou uma música chamada O Homem Vinho, que eu achei que era pra mim. Depois ela deu uma caetaneada na letra, provavelmente para liberar do outro lado. Eu lembro que o Beto (Roberto de Carvalho, marido da Rita) tinha muito ciúme, porque eu estava ocupando um espaço.

 

Ele sabia?

Sabia. Era aberto. Depois eu em afastei porque percebi que eles tinham algo mais que um amor. Havia ali uma parceria de vida. Mas ela tinha muitos problemas na química, estava tomando muito vinho branco. Um dia ela me mandou uma carta por fax, com uma letra trôpega, dizendo que não estava passando bem. Fui correndo para a casa dela. Ela tinha tomado Lexotan e estava caída na sala com as caixas na mão. Eu a levei para o hospital. Três dias depois, a gente foi pro sítio, na passagem do ano, e ela tomou tudo de novo. Foi um episódio terrível, e eu me afastei. Passamos essa meia-noite de Réveillon num pronto-socorro em Cotia. E não foi possível dar sequencia a nenhum tipo de amizade.

 

Você ficou traumatizado?

Fiquei, foi terrível. Eu nadava na época, tinha folego, aí fiz respiração artificial por uns 40 minutos, uma hora sem parar, respirei por mim e por ela. A Rita é uma pessoa de um equilíbrio delicado. E agora eu olhos com muita compaixão. Os nossos delitos já prescreviam. Estamos todos mais coroas contando as histórias que a gente viveu. E tem outra conclusão a que eu cheguei em relação às divas. As divas são uma categoria de mulher à parte, né? Eu conheci uma diva, por exemplo, que tive a oportunidade mas não fui, que foi a cantora Lisa Stansfield, em Londres.

 

Ela deu mole?

Abriu a porteira legal. Fui levar uma música para ela, minha e do Nelson Motta, que chamava Ready for Love, uma música linda. Ela teria feito o maior sucesso com ela. E, além de ser uma música do Guilherme Arantes, era uma música do Nelson Motta! Era uma dupla do baruilho! Era Jobim e Vinícius batendo na porta da Lisa Stansfield, feito para ela!

 

Se vocês dois fizeram uma música para a Lisa Stansfield, alguém queria comer a moça, não?

Eu fui para Londres com a missão Lisa Stansfield. Fui visita-la em Hampstead, eu estava a fim. Só que depois fiquei pensando que havia um risco muito grande nisso. O risco de ter uma Ferrari, um Aston Martin: você pode não ter manutenção, não ter peça. Eu me defini para ela como uma espécie de Tom Jobim misturado com Elton John. E ela falou: “Dizem que os homens brasileiros são muito bons na cama”. Eu respondi: “Olha, o problema é que eu tenho quatro filhos, uma esposa...”, e ela deu risada. Era uma mulher muito bonita, muito charmosa.

 

Você ficou com medo, então?

Acho que eu não tenho essa coisa do aventureiro. Acho que não ia desempenhar como um bom amante. Acho que eu ia brochar. Sempre fui muito sensível. Sempre tive muita facilidade de brochar, muita. E tenho orgulho das minhas brochadas. Como dizia meu pai, não há termômetro mais fiel da inconveniência de uma situação do que o pênis, ele responde em que não é pra ir, a gente é que força. Os homens têm que prestar mais atenção na utilidade da brochada. Tem uma utilidade fodida para você não entrar em roubada.


Você já tomou Viagra?

Já. É bom. Melhora mesmo, ajuda. Mas não é sempre que há necessidade.

 

É coisa habitual ou esporádica?

Esporádica. Tomo com naturalidade.

 

Você e o Nelson Motta tiveram outra coisa em comum, que foi a Elis Regina. Começou com um bilhete debaixo da mesa?

Esse bilhete foi no Bar Lagoa, no Rio. Ela estava separando do César (Camargo Mariano) e estava um clima estranho entre os dois. Dizia: “Quero estar longe desse mundo insensato com você”. Logo depois, viajamos e paramos num lugar chamado Praia das Toninhas. A Elis era pudica, mas estava a fim. Sentei com ela e comecei a sentir essa atração...


Ela estava usando cocaína essa época?

Não! Quando ela morreu, publicaram irresponsavelmente que eu a teria visto fazer isso. Eu nunca vi isso acontecer. O que havia dito para amigos é quer, na banda dela, todo mundo estava usando cocaína, esse foi o meu comentário.

 

Ela não?

Ela nunca, jamais! Eu nunca vi. Quando ela faleceu, foi uma surpresa. Ela gostava de tomar uma cerveja, um vinhozinho. Depois desse encontro, rolou uma coisa quente. Era uma mulher vulnerável, muito sozinha. Aí viemos pra São Paulo, e ela disse para ir com calma. A Elis não era fácil, também. Tinha dia que ela dizia: “Hoje a creche não está aberta!” Eu comecei a me magoar. E tinha outro detalhe: ela queria que eu assumisse a banda. Que entrasse no lugar do César. Eu não tinha competência. E me assustei.

 

Quanto tempo durou?

Uns seis meses. Até que um dia ela me convidou para ir numa macarronada, e lá estava o Fábio Júnior. Aí o leonino aqui falou: “Acabou, chega”. Comecei a ver que já tinha o Fábio Júnior na parada. O Fábio eu conheci na Som Livre, no começo de carreira. Eles estavam à procura de um cantor-ator. Tanto que me convidaram para fazer novela, e eu nunca tive essa veia teatral. Coisa que o Fábio Júnior tem. Ele é um mestre, um grande ator. As pessoas podem questionar a carreira musical dele, mas como ator ele é fodaço!

 

Vocês dois já conversaram sobre isso?

Conversamos. Ele é uma pessoa muito querida. Nesse episódio ele também foi armadilhado na paixão pela Elis, foi pra Nova York, acho que ele até foi mais adiante que eu. Eu fui mais covarde, tive medo, era mais infantil do que ele. Ele era mais pegador. Ele é um profissional, eu sou um amante apaixonado.

 

Mas essa história acabou com o seu casamento?

Foi. Eu tive de abrir o jogo com a minha mulher na época, ela era minha namorada desde a faculdade, entramos juntos em 1973. Mas a relação já não ia bem. Ela foi muito solidária comigo no começo da carreira, mas não gostou do sucesso. Ela me via como um Egberto Gismonti, um intelectual. Não como um cara que ia no Chacrinha e pra quem as mulheres gritavam “lindo, lindo!”. Isso a decepcionou.

 

Era ciúme?

Tinha um preconceito. Os colegas da USP me enxergavam como um ídolo fabricado de televisão, um cantor de auditório, não davam valor para mim.

 

Você se achava um cara bonito?

Eu sabia que eu era. Agora estou com a marca da idade, acima do peso, não posso dizer que sou feio, mas não tenho mais a vaidade que tinha aos 27 anos. Eu vejo os vídeos, eu era o cara mais bonito do Brasil. Eu era bonito pra caralho!

 

Você gostava de ser um artista de programa de auditório?

Eu queria o auditório. Eu queria ser o Guilherme Arantes. Eu queria ser exatamente em que me transformei. Eu descia a Rua Augusta fantasiado de Guilherme Arantes, porque aquilo era uma fantasia, né? Isso porque eu custava a acreditar que podia dar confusão. Mas dava! Só que passou do limite. As gravadoras não tinham noção, nem eu tinha, de que ia me transformar num cara respeitado pelo João Gilberto. Foi num show no Palace. Naquele silêncio do camarim do João Gilberto, ele falou: “Você, para mim, é o máximo. Suas músicas são fantásticas. Adoro você”. Aquilo me redimiu de toda a história de preconceito, da faculdade, sabe? A Elis também me ajudou muito nisso, ela me tirou do auditório e me botou no ambiente da MPB.

 

Uma vez você foi perseguido por mulheres na rua ao sair de uma gravação do programa Sílvio Santos. Foi a única vez?

Não...Eu ia para as Lojas Pernambucanas vestido de Guilherme Arantes, para dar confusão. Eu queria ver como era isso. Eu era um infantilzão, né? Fui cantar no Sílvio Santos, que era meu sonho, e até me lembro de ter conhecido a Myrian Rios, ela era caloura, era linda. Mais tarde a conheci já casada com o Roberto Carlos. Mas não avancei o sinal, graças a Deus!

 

Mas ela deu condição?

Deu! E mais tarde, já separada do Rei, também, mas não fui porque sabia que o Roberto não ia gostar. O Roberto é ciumento. Tem um monte de coisas quer não se pode fazer porque ele não gosta. A primeira música que dei pra ele, chamada Só Deus É Quem Sabe, fui levado vestido de marrom...

 

Vocês já se conheciam?

Não. Eu já era o Guilherme Arantes. E fui oferecer essa música todo de marrom: blusão marrom...Anos depois eu contei isso pra ele, que riu muito. Tive esse privilégio de ficar na casa do Roberto Carlos jogando sinuca, tomando um uisquinho, conversando sobre a vida. Ele encaçapa uma atrás da outra, você não vê a cor da bola.

 

Você se sentia obrigado a fazer Chacrinha naquela época?

Mas eu adorava! Eu fui um dos pioneiros entre os amantes do Chacrinha. Eu saí da faculdade de arquitetura direto pro Chacrinha, não peguei esse paradigma da minha geração. Quando vieram as bandas de rock, que tinham um pé atrás com isso, eu já estava lá, já residente do programa.

 

Rolou alguma coisa com as chacretes?

Tinha uma chacrete que era a mais interessante. Chamava-se Daisy, era uma diretora geral lá e gostava muito de mim. Ela era uma moça muito simples. A gente chegou a sair pra jantar, conversar, das uns beijinhos, mas não rolou. Era linda.

 

Para terminar, depois de tudo isso, do que você se arrepende?

(Silêncio.) Eu me arrependo de te brigado no começo de carreira com gravadora para criar confusão, quando na verdade as pessoas até gostavam de mim. Me arrependo de não saber negociar com o mundo, com a vida. De ser, às vezes, prepotente. De me achar o dono da verdade. Podia ter terminado a faculdade de arquitetura também...

 

Pensa em escrever sua biografia?

Penso, mas vou viver muito mais, a biografia estaria na metade. Ainda tem muita aventura. Outro dia sonhei que estava tocando Planeta Água na abertura da Copa de 2014, para o mundo ouvir.

 

Publicado originalmente na revista “Playboy” em outubro de 2013

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