Uma conversa franca com o
pianista, cantor e compositor sobre sucesso, Chacrinha, sexo, drogas,
gravadoras, brochadas, Elis Regina, Rita Lee e o dia em que ele levou uma
música para Roberto Carlos todo vestido de marrom
As duas mulheres vestidas de
executivas na mesa ao lado, ambas na casa dos 30 anos, dão um sorrisinho e
cochicham entre si. O homem numa mesa entre ruidosos colegas de trabalho não
para de olhar. Uma senhora levanta duas vezes e faz menção de interromper nossa
conversa, mas, por qualquer motivo, desiste. É hora do almoço numa sexta-feira
chuvosa de julho e o Twelve Bistrô, em Pinheiros, bairro boêmio na zona oeste
paulistana, está cheio. É um discreto senhor, então prestes a completar 60
anos, rouba sem fazer esforço a atenção dos presentes. A calvície que tomou o
lugar da longa cabeleira e as demais transformações por efeito do tempo não
ajudam. Mas quase todo mundo, entre uma garfada e outra, olha para a mesa com
aquele ar de “eu conheço esse sujeito de algum lugar”.
Não sem razão. Nela está um
dos artistas de maior sucesso e exposição da música brasileira. Cantor,
compositor e pianista, Guilherme Arantes, construiu hits estrondosos como Deixa
Chover, Amanhã e Cheia de Charme. Esteve em programas de
auditório, trilhas de novelas e de programas infantis. Foi gravado por Elis
Regina e Roberto Carlos. E sua música está no inconsciente coletivo de várias
gerações. Estamos na segunda conversa para esta Entrevista, que se prolongou
por três horas. Um dia antes, entre deliciosas coxinhas de rabada do chef
Gregoir Caisley e de dois Negronis, a conversa com o editor Jardel Sebba
já havia ultrapassado as quatro horas. Guilherme é eloquente, mas o ambiente e
os Negronis também ajudaram – foi a pedido dele que voltamos ao restaurante no
segundo encontro.
Paulistano, filho de uma
bibliotecária e de um cirurgião, Arantes não conhecia o Twelve porque mora
desde 2000 na Bahia. Em Camaçari, Grande Salvador, montou a ONG Instituto
Planeta Água, construiu um estúdio-pousada ao redor dela e conheceu Márcia, sua
atual esposa. Antes, passou oito anos com outra Marcia, sua colega de
faculdade, com quem teve a Marieta. Em 1981, casou-se com Luiza, então cantora
da Gang 90, com quem viveu por 13 anos e teve três filhos, Gabriel, Pedro e
Tiago. Em 1998 nasceu Paola, de um relacionamento de dois anos com Claudia. Ele
ainda é avô de Davi, de 4 anos, filho de Pedro.
Antes de aparecer na TV pela
primeira vez, ele já tinha histórias para contar. Aos 12 anos, teve uma
experiência sobrenatural: ficou tetraplégico por cerca de uma hora depois uma
queda, conversou com Jesus e a resposta veio 15 minutos mais tarde, quando
conseguiu se levantar – fato que cita como exemplo de força interior. Na
adolescência, montou o conjunto Polissonante (com o colega de colégio Kadu
Moliterno), tocou com Jorge Mautner e integrou o grupo Moto Perpétuo, cujo
disco de estreia, lançado em 1974, hoje é cultuado pelo mundo. O sucesso só
viria dois anos depois, quando uma música que ele havia escrito aos 16 anos no
silêncio do seu quarto, Meu Mundo e Nada Mais, entrou na trilha da
novela Anjo Mau, da Rede Globo. Inaugurou-se ali uma longa e
bem-sucedida relação: foram 27 canções em trilhas. E encerrou, também em 1976,
sua participação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo, depois de três anos. O pai não aceitava a carreira de cantor e “botou
para fora de casa”. O curioso é que Guilherme queria mesmo era ser
oftalmologista e o pai, desgostoso com a medicina, também foi contra.
Capaz de cativar fãs tão
diversos quanto Mano Brown e Paulo Maluf, ele lançou este ano o ótimo Condição
Humana, eleito melhor disco no Prêmio Multishow, com participação de
músicos jovens que celebram sua influência. Ele garante que não só vive o
presente como está apenas na metade do caminho.
O que você fez com seus Discos
de Ouro?
Eles enferrujaram. Quando me
mudei pra Bahia, eles ficaram encaixotados, tomando maresia em uma garagem do lado
de fora da casa. E aí eu me desfiz daquilo.
Mas você ganhou muito Disco de
Ouro e de Platina, não?
Ganhei, mas todos forçados
pela gravadora. Ela mandava prensar 100 mil cópias, distribuía, fazia
consignação nas lojas, obrigava o vendedor a engolir aquilo, e botava no
Chacrinha que vendeu 100 mil. Era como funcionava a indústria. Eu fui um mau
vendedor, um cara decepcionante para eles, paguei um alto preço por isso. Eu
tinha uma imagem muito aristocrática.
Ao longo de mais de 20 anos em
gravadoras multinacionais, você lembra de coisas que teve de engolir?
Na CBS, no final dos anos
1980, começo dos 1990, queriam que eu gravasse músicas de outros cantores. “Nós
temos um projeto.” Não tem projeto! Tive que engolir boicote, falta de
promoção, essas coisas. Aí, me perguntavam: “Mas você não quer vender 1 milhão
de discos?” Eu não queria. Eu queria exatamente o que tenho hoje: uma carreira.
Em outra entrevista, você
disse que toda música era pautada pelo dinheiro que as gravadoras investiam nas
rádios. Você não foi muito beneficiado por esse jabá?
Olha, a escola na qual se
trabalhava isso era menor do que hoje, e como eu pegava novela, quando você tem
uma música estourada na novela, aí já não existe jabá. Todo mundo toca e
acabou.
Como é que você entrava tão
fácil em novela?
Fui lançado com uma música em Anjo
Mau – Meu Mundo e Nada Mais. Deu certo. Aí lançaram a segunda, a
terceira...
Essa canção era tema da
personagem da Susana Vieira. Quem envelheceu melhor, a música ou a Susana?
Olha, acho a Susana genial, é
uma mulher que mantém a alegria apesar de todos os percalços. Acho que as duas
permanecem jovens. Não a conheço pessoalmente, mas acho que ela permanece tão
bem quanto a canção. Ela é atrapalhada na vida pessoa, é exuberante, é
engraçada, divertida. O mundo precisa de gente assim.
Você tem 27 canções em trilhas
de novelas. Alguma em particular o irritou pela maneira como foi usada?
Teve uma que me decepcionou
muito, que foi da novela Renascer (1993). A música era O Lado Prático
do Amor, feita para a personagem da Patrícia Pillar, que fazia par
romântico com o Taumaturgo Ferreira. E, no curso da novela, ela acabou se
envolvendo com o Damião, que era o capataz da novela, teve um tórrido romance
com ele, e aquele casal original não vingou. E a minha música perdeu o sentido.
Porra, ela se envolve com o peão e quem se fode sou eu? (Risos.)
Você perdeu a mão como hitmaker
num determinado momento da carreira?
Isso eu sei que perdi. Você é
considerado um Midas até errar. No meu caso, como era minha música, minha
letra, meu arranjo, meu piano, enquanto dava certo era uma maravilha. Na hora
que isso falha, você é um bosta. O público debanda. Na verdade, a regra é o
fracasso. O sucesso é a exceção.
O Globo de Ouro foi
redescoberto pelas novas gerações ao ser reprisado pelo canal Viva. Qual é a
sua lembrança das gravações do programa?
Lembro do primeiro Globo de
Ouro que fiz, em 1976. Cheguei ao Teatro Fênix às 11 da manhã, e as
gravações varavam a noite. Eu só fui gravar ás 5 da manhã do dia seguinte.
Porra, eu esperei 18 horas, e não podia sair do teatro! Se eu saísse do teatro,
estava fora. É engraçado lembrar, eu sai desesperado de fome dali.
Falando em novas gerações,
você fez uma declaração sobre a falta de criatividade dos músicos atuais. Não
parece coisa de velho saudosista?
Não, eu vejo essa turma que eu
convidei pro meu disco, eles são todos alternativos, a Tulipa Ruiz, o Marcelo
Jeneci. Eles são o lado nobre da música atual, mas eles não conseguem... Essa
vanguarda paulistana tem uma maldição de ser vanguarda. Já conversei com eles,
é preciso abolir esse negócio. Eles precisam sair do gueto do Baixo Augusta.
O que você quer dizer com
isso?
Primeiro, que não dá para ter
uma geração só de artistas de edital. O edital se tornou um vício na música
brasileira. Você vê o Otto, ele é o rei do edital. Artista de edital é um cara
que é muito falado, querido, mas que, se tirar o edital, ele não existe. Ele é
adaptado a obter resultado de uma curadoria que não é o povo. São curadores. O
Brasil virou uma república de curadores. Assim não vai. Nós somos de uma
geração muito mais aventureira. Djavan passou necessidade, litou por uma
carreira. Olha a coragem de um Zé Ramalho. Hoje é complicado eu dizer como eles
devem fazer, qual seria a estratégia.
Além de gravar com músicos
jovens, você tem uma filha adolescente. As drogas de hoje são mais acessíveis
que na sua época?
Acho que não. Os anos 1980
foram muito agressivos nesse sentido. O perigo hoje é o da droga como caminho
de destruição. Esse é um risco que a gente não teve. Nossa geração era
comportamental, era toda uma cultura. O advento do crack coloca uma perspectiva
hoje que a gente não viveu.
Seu primeiro contato com a
droga foi na faculdade?
Com a maconha foi no cursinho
a primeira vez. E aquilo, dentro do contexto, me ajudou. Porque eu estava num
meio em que a vida cultural tinha um sentido de libertação. As drogas químicas
eu não peguei, me lembro de ter tomando ácido no começo dos anos 1980, alguma
coisa que era mais no sentido de ver colorido, de despertar a parte visual.
Esse primeiro contato com a
maconha foi bacana?
Foi! Era legal porque a gente
escutava Pink Floyd, Genesis. A gente fumava pra ir ver um filme do (Jean-Luc)
Godard... Fumava pra ir ver (o filme de Pier Paolo Pasolini) Teorema.
A maconha acompanhou a sua
vida durante muito tempo, ou algo que foi e voltou?
Me acompanhou por muitos anos,
mas depois, não sei se o efeito não era mais o mesmo, a mágica se perdeu um
pouco, tornou-se uma prática, assim, um pouco depressiva. Comecei a ficar meio
para baixo. Daí eu fui parando, diminuindo, e é uma vontade que foi embora.
Mesmo o álcool eu fui diminuindo, diminuindo...
O álcool também estava fazendo
mal?
Começou a atrapalhar. Eu
tomava Jim Bean, Jack Daniels, uísque americano. O costume de não beber de dia
me ajudou muito. Não gosto. Quando bebo de dia é para liquidar o dia, entendeu?
Você bebia desde quando?
Ah, desde os 14 anos. Com 18,
eu parava num boteco e tomava dois, três conhaques. Depois teve uma fase em
que, morando com meus pais, eu escondia o conhaque no armário. Mas nunca me
destruí com isso.
Era só álcool e maconha?
E cigarro, essa porcaria do
cigarro. A cocaína teve um período, quando eu morei no Rio, que era tudo muito
fácil. Mas era aquele clima de Réveillon todo dia, e não dá para ser Réveillon
todo dia.. Eu queria o sol, queria a praia com os meninos, que eram novinhos.
Fora que cocaína era uma derrota, não ajuda a criar. Era diferente da maconha,
que ajudava nos delírios poéticos, os tornava mais eficientes. Agora, não teve
outras drogas.
Não teve ácido?
Muito pouco.
Cigarro você ainda fuma?
Parei. Para levantar esse
disco aí, eu me reviciei em tabaco, com cigarrilhas Café Creme. Eu não sei o
que é, mas acho que algo há no tabaco. Quando se fumava nos estúdios, olha a
música que se produziu. Aquela neblina de charuto e cigarro, John Coltrane,
Frank Sinatra...Acho que é um símbolo gauche, o lado gauche do pós-guerra, né?
De Simone de Beauvoir, do Jean-Paul Sartre, do Godard. Acho que todo mundo está
precisando disso. Tabaco já no mundo!
O álcool parece ter sido a sua
relação mais duradoura. Quais foram as maiores bobagens que você já fez sob
efeito do álcool?
Bater carro. Acabei com um
carro lá no Rio uma vez. Outra vez, descendo a serra de Santos, pra tocar em
Itanhaém, dormi no volante e o carro raspou no guard rail. Sou péssimo
para dirigir em estrada, durmo fácil, então dirigir alcoolizado se tornou um
trauma. Eu podia ter morrido. Eu tinha uma Land Rover, fui entrar na garagem,
ela entalou e estourou todo o teto. Fora quebrar instrumento musical, falar
bobagem, se exceder. Uma vez, fui deselegante com a Fafá de Belém num
restaurante carioca. Eu estava tomando todas ali com um amigo, a Fafá chegou e
eu gritei: “Fafá, você é um bocetão!” Pô, coisas do álcool, né?
Ela ficou ofendida?
Não, ela achou graça, deu
aquela gargalhada dela. Mas não se faz isso, eu estava achando o quê? Teve um
show uma vez em Volta Redonda que eu entrei alcoolizado, esqueci letra, e
depois daí nunca mais...
E o público percebeu?
Não, deu pra levar. Mas é
muito triste um artista alcoolizado no palco. Foi uma vez só que aconteceu,
nunca mais quis beber, pelo trauma. Hoje entro em show sem beber nada. Termina
o show eu tomo um uísque com moderação, nunca mais enxuguei garrafa. Só vinho
que eu ainda enxugo garrafa.
O álcool foi um desinibidor
sexual também, de tomar todas á noite e acordar com gente desconhecida na sua
cama?
Não, acho que o que mais me
prejudicou socialmente foi uma exuberância paquerativa, uma exuberância sexual.
De ser muito atirado. Eu não era pegador, era tímido, retraído. Mas aí eu bebia
e tomava coragem para fazer coisas que, vendo hoje, eram inconvenientes...
De pegar pelo braço?
De não resistir a uma paquera.
Não resistir a um encantamento. Uma compulsão. E acho que isso foi se
resolvendo depois dos 50 anos. Aquietou bem. Eu me sinto bem mais adequado
hoje. A minha compulsão não era sexual, era de paquera, de busca de sentimento.
A minha sexualidade era com sentimento, entendeu?
Mas não tinha vontade de
transar com gente diferente?
Não, nunca gostei disso, de
fazer da minha cama um ambiente público. Mas eu tive notoriedade muito cedo,
com 24, 25 anos, e pude conhecer muitas mulheres maravilhosas, muita gente
interessante no meio artístico. Mas eu respeitava. Eu sinto que fui muito
afoito. Quero muito dizer uma coisa: tenho muito orgulho do álbum de mulheres
que eu não peguei. Com as quais não saí. A galeria é notável. E, por força dos
casamentos, dos relacionamentos que eu tinha...A oferta era muito grande quando
eu era jovem. O número de atrizes que me abordaram foi uma coisa inacreditável,
e que eu não fui...
Tinha homem nessa lista
também?
Não, mas eu tinha ima imagem
muito andrógina, que era da minha geração, e fui a paixão de muitos
jornalistas. E às vezes, como eu não sabia lidar com isso, acabou me custando
algumas implicâncias...
Você não consumava o ato e o
pessoal se voltava contra você?
Não, era de eu não saber lidar
socialmente com essa paquera que existia, entendeu? Eu repelia. A gente
flertava com a androginia, que era típica dos anos 60, mas não com a
homossexualidade. Mais tarde é que eu soube conviver melhor. Eu vinha de uma
família em que meu pai era muito radical...
Contra os homossexuais?
É, ele era muito reacionário
nessas coisas. Dizia: “Esse Ney Matogrsso, pra mim esse rapaz tem problema”. E
eu: “Pai, ele é um símbolo homossexual”. E ele: “Como assim? Tem isso, agora?”
Meu pai tinha aversão, e eu tinha uma atração muito grande pela androginia. Eu
olho lá atrás, aquela cabelão, magrinho, acho que eu tinha uma imagem muito
atraente para o mundo homossexual. Você sabe, por exemplo, quem tinha adoração
por mim? O Caio Fernando Abreu. Ele me adorava! Mas não era uma coisa de
interesse, tinha uma aura de carinho, de amor.
Você nunca se sentiu atraído
por um homem?
Não, nem de leve. Minha coisa
era com mulher, isso sempre foi claro.
Você falou que tem orgulho de algumas das mulheres que não pegou. Mas eu queria
falar de uma que rolou, a Rita Lee. Vocês namoraram?
A Rita me ligou pedindo para
indicar um guitarrista que serviria de escada para o Roberto de Carvalho. E eu
tinha um cara ideal, que era o Ronaldo Bastos, que trabalhava comigo. Como a
Rita Lee era uma paixão antiga, e eu estava separado...
Nunca tinha rolado nada?
Nada! Eu conheço a Rita já
muito tempo, ela era uma das mulheres mais bonitas que o Brasil já viu. Além
disso, é uma letrista de mão cheia, uma cantora de enorme talento. A Rita Lee é
uma paixão fulminante! Eu indiquei o guitarrista e já mandei: “O que você está
fazendo?” “Ah, estou morando aqui perto”. “Mas você não morava no Morumbi?” “É
que estou passando uma fase separada aqui...” Acendeu a lâmpada na hora. Que
notícia boa! “Eu também estou aqui, a gente podia se ver”. Aí houve uma
identificação. A gente tinha filhos na mesma faixa de idade, ambos tinham uma
história bonita de vida. Por que não? A gente era compatível.
Foi bom pra você?
Foi maravilhoso! Foi lindo.
Mas ela estava muito atrapalhada na época, tomando muito vinho. As pessoas me
falavam que ela estava tomando calmantes também.
Só vinho e calmantes?
Acho que sim. Mas eu não via.
Era coisa escondida. Eu ia na casa dela, sempre com muito respeito, indo com
calma, porque era uma pessoa que eu respeitava e estava a fim mesmo, uma mulher
que você tem que admirar para se apaixonar. E eu estava num estado alterado de
consciência, até porque era um velho sonho sendo realizado. Lembro de ter feito
uma gravação cantando If I Fell para ela. E na época ela dizia que não
gostava dos Beatles. Eu estou contando coisas legais para você, porque é
bonito.
Sim, claro...
E teve um dia em que ela me
mandou uma música chamada O Homem Vinho, que eu achei que era pra mim.
Depois ela deu uma caetaneada na letra, provavelmente para liberar do outro
lado. Eu lembro que o Beto (Roberto de Carvalho, marido da Rita) tinha
muito ciúme, porque eu estava ocupando um espaço.
Ele sabia?
Sabia. Era aberto. Depois eu
em afastei porque percebi que eles tinham algo mais que um amor. Havia ali uma
parceria de vida. Mas ela tinha muitos problemas na química, estava tomando
muito vinho branco. Um dia ela me mandou uma carta por fax, com uma letra
trôpega, dizendo que não estava passando bem. Fui correndo para a casa dela.
Ela tinha tomado Lexotan e estava caída na sala com as caixas na mão. Eu a
levei para o hospital. Três dias depois, a gente foi pro sítio, na passagem do
ano, e ela tomou tudo de novo. Foi um episódio terrível, e eu me afastei.
Passamos essa meia-noite de Réveillon num pronto-socorro em Cotia. E não foi
possível dar sequencia a nenhum tipo de amizade.
Você ficou traumatizado?
Fiquei, foi terrível. Eu
nadava na época, tinha folego, aí fiz respiração artificial por uns 40 minutos,
uma hora sem parar, respirei por mim e por ela. A Rita é uma pessoa de um
equilíbrio delicado. E agora eu olhos com muita compaixão. Os nossos delitos já
prescreviam. Estamos todos mais coroas contando as histórias que a gente viveu.
E tem outra conclusão a que eu cheguei em relação às divas. As divas são uma
categoria de mulher à parte, né? Eu conheci uma diva, por exemplo, que tive a
oportunidade mas não fui, que foi a cantora Lisa Stansfield, em Londres.
Ela deu mole?
Abriu a porteira legal. Fui
levar uma música para ela, minha e do Nelson Motta, que chamava Ready for
Love, uma música linda. Ela teria feito o maior sucesso com ela. E, além de
ser uma música do Guilherme Arantes, era uma música do Nelson Motta! Era uma
dupla do baruilho! Era Jobim e Vinícius batendo na porta da Lisa Stansfield,
feito para ela!
Se vocês dois fizeram uma
música para a Lisa Stansfield, alguém queria comer a moça, não?
Eu fui para Londres com a
missão Lisa Stansfield. Fui visita-la em Hampstead, eu estava a fim. Só que
depois fiquei pensando que havia um risco muito grande nisso. O risco de ter
uma Ferrari, um Aston Martin: você pode não ter manutenção, não ter peça. Eu me
defini para ela como uma espécie de Tom Jobim misturado com Elton John. E ela
falou: “Dizem que os homens brasileiros são muito bons na cama”. Eu respondi:
“Olha, o problema é que eu tenho quatro filhos, uma esposa...”, e ela deu
risada. Era uma mulher muito bonita, muito charmosa.
Você ficou com medo, então?
Acho que eu não tenho essa
coisa do aventureiro. Acho que não ia desempenhar como um bom amante. Acho que
eu ia brochar. Sempre fui muito sensível. Sempre tive muita facilidade de
brochar, muita. E tenho orgulho das minhas brochadas. Como dizia meu pai, não
há termômetro mais fiel da inconveniência de uma situação do que o pênis, ele
responde em que não é pra ir, a gente é que força. Os homens têm que prestar
mais atenção na utilidade da brochada. Tem uma utilidade fodida para você não
entrar em roubada.
Você já tomou Viagra?
Já. É bom. Melhora mesmo,
ajuda. Mas não é sempre que há necessidade.
É coisa habitual ou
esporádica?
Esporádica. Tomo com
naturalidade.
Você e o Nelson Motta tiveram
outra coisa em comum, que foi a Elis Regina. Começou com um bilhete debaixo da
mesa?
Esse bilhete foi no Bar Lagoa,
no Rio. Ela estava separando do César (Camargo Mariano) e estava um
clima estranho entre os dois. Dizia: “Quero estar longe desse mundo insensato
com você”. Logo depois, viajamos e paramos num lugar chamado Praia das
Toninhas. A Elis era pudica, mas estava a fim. Sentei com ela e comecei a
sentir essa atração...
Ela estava usando cocaína essa época?
Não! Quando ela morreu,
publicaram irresponsavelmente que eu a teria visto fazer isso. Eu nunca vi isso
acontecer. O que havia dito para amigos é quer, na banda dela, todo mundo
estava usando cocaína, esse foi o meu comentário.
Ela não?
Ela nunca, jamais! Eu nunca
vi. Quando ela faleceu, foi uma surpresa. Ela gostava de tomar uma cerveja, um
vinhozinho. Depois desse encontro, rolou uma coisa quente. Era uma mulher
vulnerável, muito sozinha. Aí viemos pra São Paulo, e ela disse para ir com
calma. A Elis não era fácil, também. Tinha dia que ela dizia: “Hoje a creche
não está aberta!” Eu comecei a me magoar. E tinha outro detalhe: ela queria que
eu assumisse a banda. Que entrasse no lugar do César. Eu não tinha competência.
E me assustei.
Quanto tempo durou?
Uns seis meses. Até que um dia
ela me convidou para ir numa macarronada, e lá estava o Fábio Júnior. Aí o
leonino aqui falou: “Acabou, chega”. Comecei a ver que já tinha o Fábio Júnior
na parada. O Fábio eu conheci na Som Livre, no começo de carreira. Eles estavam
à procura de um cantor-ator. Tanto que me convidaram para fazer novela, e eu
nunca tive essa veia teatral. Coisa que o Fábio Júnior tem. Ele é um mestre, um
grande ator. As pessoas podem questionar a carreira musical dele, mas como ator
ele é fodaço!
Vocês dois já conversaram
sobre isso?
Conversamos. Ele é uma pessoa
muito querida. Nesse episódio ele também foi armadilhado na paixão pela Elis,
foi pra Nova York, acho que ele até foi mais adiante que eu. Eu fui mais
covarde, tive medo, era mais infantil do que ele. Ele era mais pegador. Ele é
um profissional, eu sou um amante apaixonado.
Mas essa história acabou com o
seu casamento?
Foi. Eu tive de abrir o jogo
com a minha mulher na época, ela era minha namorada desde a faculdade, entramos
juntos em 1973. Mas a relação já não ia bem. Ela foi muito solidária comigo no
começo da carreira, mas não gostou do sucesso. Ela me via como um Egberto
Gismonti, um intelectual. Não como um cara que ia no Chacrinha e pra quem as
mulheres gritavam “lindo, lindo!”. Isso a decepcionou.
Era ciúme?
Tinha um preconceito. Os
colegas da USP me enxergavam como um ídolo fabricado de televisão, um cantor de
auditório, não davam valor para mim.
Você se achava um cara bonito?
Eu sabia que eu era. Agora
estou com a marca da idade, acima do peso, não posso dizer que sou feio, mas
não tenho mais a vaidade que tinha aos 27 anos. Eu vejo os vídeos, eu era o
cara mais bonito do Brasil. Eu era bonito pra caralho!
Você gostava de ser um artista
de programa de auditório?
Eu queria o auditório. Eu
queria ser o Guilherme Arantes. Eu queria ser exatamente em que me transformei.
Eu descia a Rua Augusta fantasiado de Guilherme Arantes, porque aquilo era uma
fantasia, né? Isso porque eu custava a acreditar que podia dar confusão. Mas
dava! Só que passou do limite. As gravadoras não tinham noção, nem eu tinha, de
que ia me transformar num cara respeitado pelo João Gilberto. Foi num show no
Palace. Naquele silêncio do camarim do João Gilberto, ele falou: “Você, para
mim, é o máximo. Suas músicas são fantásticas. Adoro você”. Aquilo me redimiu
de toda a história de preconceito, da faculdade, sabe? A Elis também me ajudou
muito nisso, ela me tirou do auditório e me botou no ambiente da MPB.
Uma vez você foi perseguido
por mulheres na rua ao sair de uma gravação do programa Sílvio Santos. Foi a
única vez?
Não...Eu ia para as Lojas
Pernambucanas vestido de Guilherme Arantes, para dar confusão. Eu queria ver
como era isso. Eu era um infantilzão, né? Fui cantar no Sílvio Santos, que era
meu sonho, e até me lembro de ter conhecido a Myrian Rios, ela era caloura, era
linda. Mais tarde a conheci já casada com o Roberto Carlos. Mas não avancei o
sinal, graças a Deus!
Mas ela deu condição?
Deu! E mais tarde, já separada
do Rei, também, mas não fui porque sabia que o Roberto não ia gostar. O Roberto
é ciumento. Tem um monte de coisas quer não se pode fazer porque ele não gosta.
A primeira música que dei pra ele, chamada Só Deus É Quem Sabe, fui
levado vestido de marrom...
Vocês já se conheciam?
Não. Eu já era o Guilherme
Arantes. E fui oferecer essa música todo de marrom: blusão marrom...Anos depois
eu contei isso pra ele, que riu muito. Tive esse privilégio de ficar na casa do
Roberto Carlos jogando sinuca, tomando um uisquinho, conversando sobre a vida.
Ele encaçapa uma atrás da outra, você não vê a cor da bola.
Você se sentia obrigado a
fazer Chacrinha naquela época?
Mas eu adorava! Eu fui um dos
pioneiros entre os amantes do Chacrinha. Eu saí da faculdade de arquitetura
direto pro Chacrinha, não peguei esse paradigma da minha geração. Quando vieram
as bandas de rock, que tinham um pé atrás com isso, eu já estava lá, já
residente do programa.
Rolou alguma coisa com as
chacretes?
Tinha uma chacrete que era a
mais interessante. Chamava-se Daisy, era uma diretora geral lá e gostava muito
de mim. Ela era uma moça muito simples. A gente chegou a sair pra jantar,
conversar, das uns beijinhos, mas não rolou. Era linda.
Para terminar, depois de tudo
isso, do que você se arrepende?
(Silêncio.) Eu me
arrependo de te brigado no começo de carreira com gravadora para criar
confusão, quando na verdade as pessoas até gostavam de mim. Me arrependo de não
saber negociar com o mundo, com a vida. De ser, às vezes, prepotente. De me
achar o dono da verdade. Podia ter terminado a faculdade de arquitetura
também...
Pensa em escrever sua
biografia?
Penso, mas vou viver muito
mais, a biografia estaria na metade. Ainda tem muita aventura. Outro dia sonhei
que estava tocando Planeta Água na abertura da Copa de 2014, para o
mundo ouvir.
Publicado originalmente na revista “Playboy” em outubro de 2013
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