quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Vida de Jornalista I de IV: Um novo emprego, após 9 vezes “não”

 


Por Luiz Carlos Ramos     

           

Em 8 de março de 1966, uma terça-feira de sol, de acordo com o combinado, encontrei o amigo Roberto Avallone, saímos caminhando pelo Centro de São Paulo, movidos pela ambição de conseguir espaço num jornal diário. Em princípio, as possibilidades eram boas, pois os jornais impressos ainda estavam longe de enfrentar o atual estágio de decadência. Mas de dez deles tinham redação e oficina na região central da cidade. A maioria deixou de existir.

Por onde começar? Uma vez que uma das minhas primeiras funções no “Mundo Esportivo” era fazer enquetes nos estádios, após aos jogos, ouvindo opiniões de jornalistas sobre os destaques em campo, este tipo de trabalho favoreceu nossos contatos ao visitar os jornais. Nada de agendar encontro. Saímos da Praça da Sé em direção ao primeiro alvo: o “Diário Popular”, situado ali perto, junto à vizinha Praça Clóvis Bevilácqua, e que circulou de 1884 a 2018 – a partir de 2011, com o nome de “Diário de S. Paulo”. O chefe de Esportes era o Sebastião Barbosa, pai de um colega nosso no Colégio Estadual Presidente Roosevelt, Fernando Chalet Barbosa, hoje arquiteto. Isso nos ajudou na apresentação.

Fomos bem recebidos pelo Sebastião, e também ficamos conhecendo dois outros jornalistas, e também ficamos conhecendo dois outros jornalistas da equipe, Sérgio Barbalho, que se tornaria meu amigo, e Valle Júnior. Eles nos ofereceram café, enquanto eu explicava a vontade de sermos colega deles. A resposta, porém, foi um educado “não”: o time estava completo e não havia planos para expansão.

Sem problema. Saímos do “Popular”, seguimos pela Rua Direita, percorremos o Viaduto do Chá e chegamos ao moderno prédio de “O Estado de S. Paulo”, o “Estadão”. Dois meses antes, o grupo havia lançado um segundo jornal, o moderno “Jornal da Tarde”. Como chegar á redação do “Estadão”, no quinto andar, para conversar com o único jornalista que conhecia, o Paulo de Aquino, e também visitar o “JT”? Acreditamos que bastaria informar nossos nomes ao recepcionista e pegar o elevador...Nada disso! Fomos barrados.

O funcionário da recepção nos disse que, sem um aviso prévio, não poderia autorizar a “entrada de estranhos”. E éramos mesmo “estranhos”. Pelo menos naquela ocasião. Abaixamos a cabeça e seguimos nossa cruzada pelo Centro, acumulando mais dois “não” à agenda de visitas: o do “Estadão” e o do “JT”. Por ironia do destino, eu voltaria àquele prédio em condições bem mais favoráveis, oito meses depois, e lá trabalharia por um bom tempo – tema do quarto capítulo deste livro.

Do prédio do “Estadão”, junto a Rua da Consolação e à Avenida São Luiz, foi apenas um pulo até a Rua 7 de Abril, a mesma do “Mundo Esportivo”. No prédio dos Diários associados, funcionavam dois jornais. Em ambos, a gente tinha a quem se apresentar. Sem sermos barrados, subimos até o “Diário da Noite”, no terceiro andar, onde trabalhava o Antonio Guzman, famoso por sua coluna diária “20 Notícias”, e que era colunista também no “Mundo Esportivo”. Sorridente, Guzman logo nos serviu café, e abriu o jogo: “Já conheço o trabalho de vocês, e vejo que têm futuro no jornalismo, mas não temos vaga”. Nos despedimos dele e fomos até o “Diário de S; Paulo”, no mesmo andar e encontramos o Ary Silva, colunista do jornal, comentarista da TV Tupi e vereador em São Paulo. Ele sorriu, parou de um texto, e nos serviu café, e foi direto ao assunto: “Não temos vaga, e tão cedo não teremos. A empresa está em crise”.

Ary Silva pegou o paletó de linho branco, pendurado na cadeira diante de sua máquina de escrever, e descemos no mesmo elevador. Ele, rumo à Câmara Municipal, perto do Viaduto do Chá. Nós, em direção a outro viaduto sobre o Anhangabaú, o Santa Ifigênia, ao lado do qual havia o antigo prédio da Fundação Cásper Líbero, em que funcionavam os jornais “A Gazeta” e “A Gazeta Esportiva”. Já estava 5 a 0 para o “não”, mas havia esperança.

Entrar no prédio da Cásper Líbero era uma emoção especial para os dois jovens, que haviam se acostumado a ler diariamente a “Esportiva” e admirar jornalistas como Paulo Planet Buarque, Orlando Duarte, Solange Bibas, Tomaz Mazzoni e Milton Peruzzi. Nosso contato seria o Delmo Borges, da equipe de diagramadores da “Gazeta Esportiva”, e que tinha se tornado meu amigo no segundo emprego dele, o “Mundo Esportivo”. Foi Delmo quem nos apresentou ao secretário de Redação, Aurélio Bellotti. Mostramos ao Aurélio alguns recortes de nossos trabalhos no “Mundo Esportivo”. Mas um café, enquanto ele dava uma espiada nos recortes, e mais um “não”, pronunciado com a máxima cordialidade: “Vejo que vocês têm qualidades, mas trabalhos só com jornalistas com mais experiência. Quem sabe, um dia...” Nos despedimos, e ainda passamos pela Redação de “A Gazeta”, onde era pequena a seção de Esportes. O único redator não quis conversa. Alegou que o jornal não tinha dinheiro para novas contratações.

E, com sete “não” debaixo do braço, seguimos pelas Avenidas Ipiranga, Rio Branco e Duque de Caxias até a Alameda Barão de Limeira, sede do Grupo Folhas. O contato na “Folha de S. Paulo” seria o Aroldo Chiorino, editor chefe da seção de Esportes, um dos meus frequentes entrevistados nas enquetes do “Mundo Esportivo”. Ele já me conhecia pelo nome. Ao nos receber, naquela redação ampla, no terceiro andar, foi bastante cordial. Aroldo nos serviu café e também deu uma espiada nos nossos textos. Em seguida, explicou: “Não dá para contratar ninguém nesta época. Os donos compraram mais dois jornais e estão em contenção de despesas”. Descendo para o saguão do prédio, paramos no segundo andar, na redação da “Folha da Tarde”, então quase vazia. Fomos à seção de Esportes. Um repórter mal levantou a cabeça inclinada sobre a máquina de escrever, e nos respondeu: “Lamento, mas não temos vaga”. Desta vez, sem café.

Meu amigo estava aborrecido, após os nove “não”. Nós, sem rumo, na calçada, junto ao prédio das Folhas. Melhor comer uma pizza na Avenida São João? Não. De repente, tive uma ideia e contei ao Avallone: “Ouvi falar que os dois jornais comprados pelo Grupo Folhas estão nesse prédio azul, aqui do lado. Pode ser nossa chance”. Me lembrei de que, além do sensacionalista “Notícias Populares”, o grupo havia comprado a “Última Hora”, jornal de sucesso nos tempos de Samuel Wainer, de competentes seções de Polícia e de Esportes. A redação da “UH”, instalada por 15 anos no Anhangabaú, havia sido transferida para o prédio azul, dos novos donos. Propus ao amigo: “Vamos lá?”; A resposta: “Ah, não. Estou de saco cheio. Vou ficar fumando. Vai você”.

Sem vacilar, entrei no prédio e descobri, num painel que a “Última Hora” ficava no segundo andar. A quem me apresentar? Ao experiente chefe da seção de Esportes, Álvaro Paes Leme, famoso por participar de debates esportivos na televisão, e que sempre me atendia bem, no Pacaembu, quando eu buscava a opinião dele para as enquetes do tipo “quem foi o melhor em campo?” ou “o juiz influiu no resultado?” Com fé, apertei o número 2 do elevador.

No segundo andar, a porta do elevador se abriu...E quem foi a primeira pessoa que vi, ali do lado? O próprio Álvaro Paes Leme! Ele se dirigiu a mim, sorrindo: “Luizinho, o que você estava fazendo aqui” Respondi: “Procurando emprego. Quero trabalhar num jornal diário”. E ele: “Mas o Bretas não vai ficar aborrecido?” Contestei: “Não. Não vai ser problema. Posso trabalhar nos dois”. Paes Leme ajeitou o charuto na boca e foi dizendo: “Puxa, Luizinho... Você veio na hora certa. Quero demitir um repórter, que é irresponsável. Você pode começar no lugar dele, amanhã mesmo. Só não posso te pagar muito. É salário de estagiário, a metade do piso salarial de jornalista”. Entusiasmado, aceitei na hora.

Me despedi do Paes Leme e desci até a calçada. Encontrei um amigo, que já havia fumado o cigarro, e contei a novidade. Não revelou a alegria que eu esperava. Não sei por quê.

O fato é que comecei a trabalhar na “UH” em 9 de março, sob a orientação do Paes Leme, na seção que também tinha Amauri Medeiros, José Roberto Malia e José Paulo Godói. Minhas tarefas: fazer a cobertura diária do São Paulo e do Corinthians. Fiquei feliz, por poder escrever sobre o meu time e sobre o clube mais popular do futebol aulista. Mantive o ânimo, mesmo depois de ter ficado sabendo, diante das limitações financeiras do jornal, a busca de informações seria geralmente pelo telefone, e não presencial. Mas, uma vez por semana, eu poderia entrar no jipe azul da “UH”, dirigido pelo Araújo, e cobrir treinos no Morumbi e no Parque São Jorge. Ótimas oportunidades para fazer entrevistas exclusivas e produzir reportagens especiais.

Dois meses depois de minha admissão, Paes Leme me pediu para indicar algum jovem jornalista para reforçar a equipe e que deveria cobrir o Palmeiras. Indiquei o palmeirense Roberto Avallone, que ficou duplamente alegre: com o novo emprego e com o tema diário de seu trabalho.

Nesses textos na “Última Hora” não eram assinados. Mas as reportagens especiais de página inteira, sim. Tive a oportunidade de botar meu nome nas entrevistas com quatro grandes jogadores – Dino Sani, Roberto Dias, Djalma Santos e Julinho – em torno da Copa do Mundo de 1966, que começaria em julho.

Tudo isso, sem descuidar das edições do “Mundo Esportivo”, honrando o compromisso com o dono, a quem sou eternamente grato pelas primeiras chances de minha carreira. Me despedi do pequeno semanário só no fim de 1966, quatro meses depois de o Bretas ter voltado da Inglaterra, onde havia comentado os jogos da Copa para a Rádio Tupi.

Mesmo após meu adeus à Rua 7 de Abril, mantive amizade com Bretas. Jornalisticamente, agimos juntos, por meio de artigos, para tentar evitar que políticos oportunistas tomassem conta da Federação Paulista de Futebol. Em 1976, conseguimos. Em 1979, não teve jeito: Nabi Abi Chedid, deputado, insistiu nas barganhas com clubes, e chegou à presidência da entidade. Só não foi reeleito, três anos depois, porque teve pela frente um rival do mesmo tipo, José Maria Marin. Vice-governador de São Paulo, Marin governou por dez meses após a saída de Paulo Maluf, em 1982, e usou seu peso político para derrotar Nabi. Denúncias de corrupção contra Marin no governo do Estado, na Federação Paulista e na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) caíram no vazio. Mas, nos anos 2000, foi diferente, com a Justiça dos Estados Unidos funcionando. Pouco tempo depois de comandar a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, como presidente da CBF, o dirigente foi preso por policiais americanos na Suíça e, levado para os Estados Unidos, cumpriu pena numa cadeia de Nova York, por conta dos escândalos da Fifa e das entidades nacionais.

Uma pena o Geraldo Bretas não ter acompanhado esses lances finais, do castigo a alguns bandidos do futebol: em janeiro de 1981, aos 66 anos, o aguerrido comentarista teve problemas de saúde e faleceu, em São Paulo.

Quanto à “Última Hora”, sou grato ao Paes Leme. Mas a gratidão se estende ao colega José Roberto Malia e a um jornalista com quem pouco me relacionava, Pedro Cavalcanti, responsável pela coluna de reclamações de leitores contra problemas em seus bairros. Em 15 de outubro, uma sexta-feira, Cavalcanti se aproximou de minha mesa, tendo às mãos uma folha de papel, e foi econômico nas palavras: “Tenho visto você trabalhar, e gostei de suas matérias com grandes jogadores. Este é o telefone dos chefes de Esportes de um grande jornal. Ligue para eles hoje à noite, pois estão precisando de reforço”.

Á noite, após o fechamento da edição, aproveitei que a Redação estava quase fazia e telefonei para o tal número passado pelo Cavalcanti. Só então fiquei sabendo... Era o telefone do “Jornal da Tarde”, o jornal moderno da empresa do “Estadão”! Na conversa, combinei com ele, em seguida, dar um pulo ate lá, a 20 minutos de caminhada da “Última Hora”. Finalmente, eu entraria naquele prédio mítico, sete meses depois de ter sido barrado pelo porteiro! Seria a oportunidade real de ir para um emprego melhor? Tema para o próximo capítulo.

 

Moral da história: Não há respostas negativas em número suficiente para afastar a possibilidade de um “sim”. É só unir garra, sorte e esperança.

 

Retirado de: RAMOS, Luiz Carlos. Vida de Jornalista. São Paulo: A4 Ideias Editora, 2023.

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