Por
Luiz Carlos Ramos
Em 8
de março de 1966, uma terça-feira de sol, de acordo com o combinado, encontrei
o amigo Roberto Avallone, saímos caminhando pelo Centro de São Paulo, movidos
pela ambição de conseguir espaço num jornal diário. Em princípio, as
possibilidades eram boas, pois os jornais impressos ainda estavam longe de
enfrentar o atual estágio de decadência. Mas de dez deles tinham redação e
oficina na região central da cidade. A maioria deixou de existir.
Por
onde começar? Uma vez que uma das minhas primeiras funções no “Mundo Esportivo”
era fazer enquetes nos estádios, após aos jogos, ouvindo opiniões de
jornalistas sobre os destaques em campo, este tipo de trabalho favoreceu nossos
contatos ao visitar os jornais. Nada de agendar encontro. Saímos da Praça da Sé
em direção ao primeiro alvo: o “Diário Popular”, situado ali perto, junto à
vizinha Praça Clóvis Bevilácqua, e que circulou de 1884 a 2018 – a partir de
2011, com o nome de “Diário de S. Paulo”. O chefe de Esportes era o Sebastião
Barbosa, pai de um colega nosso no Colégio Estadual Presidente Roosevelt,
Fernando Chalet Barbosa, hoje arquiteto. Isso nos ajudou na apresentação.
Fomos
bem recebidos pelo Sebastião, e também ficamos conhecendo dois outros
jornalistas, e também ficamos conhecendo dois outros jornalistas da equipe,
Sérgio Barbalho, que se tornaria meu amigo, e Valle Júnior. Eles nos ofereceram
café, enquanto eu explicava a vontade de sermos colega deles. A resposta,
porém, foi um educado “não”: o time estava completo e não havia planos para
expansão.
Sem
problema. Saímos do “Popular”, seguimos pela Rua Direita, percorremos o Viaduto
do Chá e chegamos ao moderno prédio de “O Estado de S. Paulo”, o “Estadão”.
Dois meses antes, o grupo havia lançado um segundo jornal, o moderno “Jornal da
Tarde”. Como chegar á redação do “Estadão”, no quinto andar, para conversar com
o único jornalista que conhecia, o Paulo de Aquino, e também visitar o “JT”?
Acreditamos que bastaria informar nossos nomes ao recepcionista e pegar o
elevador...Nada disso! Fomos barrados.
O
funcionário da recepção nos disse que, sem um aviso prévio, não poderia
autorizar a “entrada de estranhos”. E éramos mesmo “estranhos”. Pelo menos
naquela ocasião. Abaixamos a cabeça e seguimos nossa cruzada pelo Centro,
acumulando mais dois “não” à agenda de visitas: o do “Estadão” e o do “JT”. Por
ironia do destino, eu voltaria àquele prédio em condições bem mais favoráveis,
oito meses depois, e lá trabalharia por um bom tempo – tema do quarto capítulo
deste livro.
Do
prédio do “Estadão”, junto a Rua da Consolação e à Avenida São Luiz, foi apenas
um pulo até a Rua 7 de Abril, a mesma do “Mundo Esportivo”. No prédio dos
Diários associados, funcionavam dois jornais. Em ambos, a gente tinha a quem se
apresentar. Sem sermos barrados, subimos até o “Diário da Noite”, no terceiro
andar, onde trabalhava o Antonio Guzman, famoso por sua coluna diária “20
Notícias”, e que era colunista também no “Mundo Esportivo”. Sorridente, Guzman
logo nos serviu café, e abriu o jogo: “Já conheço o trabalho de vocês, e vejo
que têm futuro no jornalismo, mas não temos vaga”. Nos despedimos dele e fomos
até o “Diário de S; Paulo”, no mesmo andar e encontramos o Ary Silva, colunista
do jornal, comentarista da TV Tupi e vereador em São Paulo. Ele sorriu, parou
de um texto, e nos serviu café, e foi direto ao assunto: “Não temos vaga, e tão
cedo não teremos. A empresa está em crise”.
Ary
Silva pegou o paletó de linho branco, pendurado na cadeira diante de sua
máquina de escrever, e descemos no mesmo elevador. Ele, rumo à Câmara
Municipal, perto do Viaduto do Chá. Nós, em direção a outro viaduto sobre o
Anhangabaú, o Santa Ifigênia, ao lado do qual havia o antigo prédio da Fundação
Cásper Líbero, em que funcionavam os jornais “A Gazeta” e “A Gazeta Esportiva”.
Já estava 5 a 0 para o “não”, mas havia esperança.
Entrar
no prédio da Cásper Líbero era uma emoção especial para os dois jovens, que
haviam se acostumado a ler diariamente a “Esportiva” e admirar jornalistas como
Paulo Planet Buarque, Orlando Duarte, Solange Bibas, Tomaz Mazzoni e Milton
Peruzzi. Nosso contato seria o Delmo Borges, da equipe de diagramadores da
“Gazeta Esportiva”, e que tinha se tornado meu amigo no segundo emprego dele, o
“Mundo Esportivo”. Foi Delmo quem nos apresentou ao secretário de Redação,
Aurélio Bellotti. Mostramos ao Aurélio alguns recortes de nossos trabalhos no
“Mundo Esportivo”. Mas um café, enquanto ele dava uma espiada nos recortes, e
mais um “não”, pronunciado com a máxima cordialidade: “Vejo que vocês têm
qualidades, mas trabalhos só com jornalistas com mais experiência. Quem sabe,
um dia...” Nos despedimos, e ainda passamos pela Redação de “A Gazeta”, onde
era pequena a seção de Esportes. O único redator não quis conversa. Alegou que
o jornal não tinha dinheiro para novas contratações.
E, com
sete “não” debaixo do braço, seguimos pelas Avenidas Ipiranga, Rio Branco e
Duque de Caxias até a Alameda Barão de Limeira, sede do Grupo Folhas. O contato
na “Folha de S. Paulo” seria o Aroldo Chiorino, editor chefe da seção de
Esportes, um dos meus frequentes entrevistados nas enquetes do “Mundo
Esportivo”. Ele já me conhecia pelo nome. Ao nos receber, naquela redação
ampla, no terceiro andar, foi bastante cordial. Aroldo nos serviu café e também
deu uma espiada nos nossos textos. Em seguida, explicou: “Não dá para contratar
ninguém nesta época. Os donos compraram mais dois jornais e estão em contenção
de despesas”. Descendo para o saguão do prédio, paramos no segundo andar, na
redação da “Folha da Tarde”, então quase vazia. Fomos à seção de Esportes. Um
repórter mal levantou a cabeça inclinada sobre a máquina de escrever, e nos
respondeu: “Lamento, mas não temos vaga”. Desta vez, sem café.
Meu
amigo estava aborrecido, após os nove “não”. Nós, sem rumo, na calçada, junto
ao prédio das Folhas. Melhor comer uma pizza na Avenida São João? Não. De
repente, tive uma ideia e contei ao Avallone: “Ouvi falar que os dois jornais
comprados pelo Grupo Folhas estão nesse prédio azul, aqui do lado. Pode ser
nossa chance”. Me lembrei de que, além do sensacionalista “Notícias Populares”,
o grupo havia comprado a “Última Hora”, jornal de sucesso nos tempos de Samuel
Wainer, de competentes seções de Polícia e de Esportes. A redação da “UH”,
instalada por 15 anos no Anhangabaú, havia sido transferida para o prédio azul,
dos novos donos. Propus ao amigo: “Vamos lá?”; A resposta: “Ah, não. Estou de
saco cheio. Vou ficar fumando. Vai você”.
Sem
vacilar, entrei no prédio e descobri, num painel que a “Última Hora” ficava no
segundo andar. A quem me apresentar? Ao experiente chefe da seção de Esportes,
Álvaro Paes Leme, famoso por participar de debates esportivos na televisão, e
que sempre me atendia bem, no Pacaembu, quando eu buscava a opinião dele para
as enquetes do tipo “quem foi o melhor em campo?” ou “o juiz influiu no
resultado?” Com fé, apertei o número 2 do elevador.
No
segundo andar, a porta do elevador se abriu...E quem foi a primeira pessoa que
vi, ali do lado? O próprio Álvaro Paes Leme! Ele se dirigiu a mim, sorrindo:
“Luizinho, o que você estava fazendo aqui” Respondi: “Procurando emprego. Quero
trabalhar num jornal diário”. E ele: “Mas o Bretas não vai ficar aborrecido?”
Contestei: “Não. Não vai ser problema. Posso trabalhar nos dois”. Paes Leme ajeitou
o charuto na boca e foi dizendo: “Puxa, Luizinho... Você veio na hora certa.
Quero demitir um repórter, que é irresponsável. Você pode começar no lugar
dele, amanhã mesmo. Só não posso te pagar muito. É salário de estagiário, a
metade do piso salarial de jornalista”. Entusiasmado, aceitei na hora.
Me
despedi do Paes Leme e desci até a calçada. Encontrei um amigo, que já havia
fumado o cigarro, e contei a novidade. Não revelou a alegria que eu esperava.
Não sei por quê.
O fato
é que comecei a trabalhar na “UH” em 9 de março, sob a orientação do Paes Leme,
na seção que também tinha Amauri Medeiros, José Roberto Malia e José Paulo
Godói. Minhas tarefas: fazer a cobertura diária do São Paulo e do Corinthians.
Fiquei feliz, por poder escrever sobre o meu time e sobre o clube mais popular
do futebol aulista. Mantive o ânimo, mesmo depois de ter ficado sabendo, diante
das limitações financeiras do jornal, a busca de informações seria geralmente
pelo telefone, e não presencial. Mas, uma vez por semana, eu poderia entrar no
jipe azul da “UH”, dirigido pelo Araújo, e cobrir treinos no Morumbi e no
Parque São Jorge. Ótimas oportunidades para fazer entrevistas exclusivas e
produzir reportagens especiais.
Dois
meses depois de minha admissão, Paes Leme me pediu para indicar algum jovem
jornalista para reforçar a equipe e que deveria cobrir o Palmeiras. Indiquei o
palmeirense Roberto Avallone, que ficou duplamente alegre: com o novo emprego e
com o tema diário de seu trabalho.
Nesses
textos na “Última Hora” não eram assinados. Mas as reportagens especiais de
página inteira, sim. Tive a oportunidade de botar meu nome nas entrevistas com
quatro grandes jogadores – Dino Sani, Roberto Dias, Djalma Santos e Julinho –
em torno da Copa do Mundo de 1966, que começaria em julho.
Tudo
isso, sem descuidar das edições do “Mundo Esportivo”, honrando o compromisso
com o dono, a quem sou eternamente grato pelas primeiras chances de minha
carreira. Me despedi do pequeno semanário só no fim de 1966, quatro meses
depois de o Bretas ter voltado da Inglaterra, onde havia comentado os jogos da
Copa para a Rádio Tupi.
Mesmo
após meu adeus à Rua 7 de Abril, mantive amizade com Bretas. Jornalisticamente,
agimos juntos, por meio de artigos, para tentar evitar que políticos
oportunistas tomassem conta da Federação Paulista de Futebol. Em 1976,
conseguimos. Em 1979, não teve jeito: Nabi Abi Chedid, deputado, insistiu nas
barganhas com clubes, e chegou à presidência da entidade. Só não foi reeleito,
três anos depois, porque teve pela frente um rival do mesmo tipo, José Maria
Marin. Vice-governador de São Paulo, Marin governou por dez meses após a saída
de Paulo Maluf, em 1982, e usou seu peso político para derrotar Nabi. Denúncias
de corrupção contra Marin no governo do Estado, na Federação Paulista e na
Confederação Brasileira de Futebol (CBF) caíram no vazio. Mas, nos anos 2000,
foi diferente, com a Justiça dos Estados Unidos funcionando. Pouco tempo depois
de comandar a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, como presidente da CBF, o
dirigente foi preso por policiais americanos na Suíça e, levado para os Estados
Unidos, cumpriu pena numa cadeia de Nova York, por conta dos escândalos da Fifa
e das entidades nacionais.
Uma
pena o Geraldo Bretas não ter acompanhado esses lances finais, do castigo a
alguns bandidos do futebol: em janeiro de 1981, aos 66 anos, o aguerrido
comentarista teve problemas de saúde e faleceu, em São Paulo.
Quanto
à “Última Hora”, sou grato ao Paes Leme. Mas a gratidão se estende ao colega
José Roberto Malia e a um jornalista com quem pouco me relacionava, Pedro
Cavalcanti, responsável pela coluna de reclamações de leitores contra problemas
em seus bairros. Em 15 de outubro, uma sexta-feira, Cavalcanti se aproximou de
minha mesa, tendo às mãos uma folha de papel, e foi econômico nas palavras:
“Tenho visto você trabalhar, e gostei de suas matérias com grandes jogadores.
Este é o telefone dos chefes de Esportes de um grande jornal. Ligue para eles
hoje à noite, pois estão precisando de reforço”.
Á
noite, após o fechamento da edição, aproveitei que a Redação estava quase fazia
e telefonei para o tal número passado pelo Cavalcanti. Só então fiquei
sabendo... Era o telefone do “Jornal da Tarde”, o jornal moderno da empresa do
“Estadão”! Na conversa, combinei com ele, em seguida, dar um pulo ate lá, a 20
minutos de caminhada da “Última Hora”. Finalmente, eu entraria naquele prédio
mítico, sete meses depois de ter sido barrado pelo porteiro! Seria a
oportunidade real de ir para um emprego melhor? Tema para o próximo capítulo.
Moral
da história: Não há respostas negativas em número suficiente para afastar a
possibilidade de um “sim”. É só unir garra, sorte e esperança.
Retirado
de: RAMOS, Luiz Carlos. Vida de Jornalista. São Paulo: A4 Ideias
Editora, 2023.
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