Por Luiz Carlos Ramos
O milésimo gol de Pelé ocorreu na noite de 19 de novembro
de 1969, dois meses e meio depois da minha chegada ao “Estadão” e três semanas
após a morte do meu pai, Luiz, um são-paulino que admirava o craque, apesar de
frustrado com os belos gols do “Rei” contra o nosso time no Morumbi e na Vila
Belmiro.
O primeiro gol de Pelé pelo Santos foi em sua estreia no
clube, em 7 de junho de 1956, uma goleada por 7 a 1 em amistoso contra o
Corinthians de Santo André, no ABC.
Uma vez que a contagem regressiva para o gol número 1.000
havia começado em outubro, o editor Esportes, Lundebergue Góes, soube organizar
tudo para uma excelente cobertura do “Estadão”, com ajuda de Raul Martins
Batos, responsável pela rede de sucursais e correspondentes do jornal. Além da
nossa equipe efetiva, Góes conseguiu o reforço temporário do excelente Hamilton
de Almeida Filho, aquele que, juntamente com o Sérgio Pompeu, me contratara
para o “Jornal da Tarde” em 1966. Hamiltinho assumiu a chefia de Reportagem,
com a tarefa de também ajudar no fechamento da edição histórica. Não faltou o
toque intelectual: Góes havia encomendado uma crônica ao crítico literário
Décio de Almeida Prado e um poema a outro escritor, Mário Chamie.
E quem seria o repórter enviado especial ao Rio para
cobrir, no Maracanã, Vasco x Santos pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o
Robertão, em que poderia, afinal, sair o milésimo gol?
A foto histórica da comemoração do milésimo gol, aos 34
do segundo tempo, responde à pergunta: Pelé cobra de modo preciso o pênalti
contra o goleiro Andrada, corre até a rede e beija a bola, entre dos repórteres
que chegaram primeiro até a ele. À direita, Geraldo Blota, da Rádio Gazeta, de
São Paulo. À esquerda, junto à rede, Reginaldo Leme, do “Estadão”.
Santos
2 x 1 Vasco. O jogo ficou interrompido por dez minutos. Nas arquibancadas, mais
de 60 mil pessoas aplaudindo e gritando “Pelé, Pelé, Pelé!”. O craque deu a
volta olímpica, acenando. O texto de Reginaldo sobre aqueles momentos foi
emocionante, com relato do discurso do “Rei”. Um apelo contundente de Pelé,
após buscar a bola no fundo da rede: “Minha gente, a vida é sofrida. Vamos
aproveitar o momento e que estamos unidos por um acontecimento para pensar nos
outros e não apenas em nós. Pelo amor de Deus, as crianças que sofrem, as
pessoas que sofrem e as que não têm chance de pensar numa vida melhor precisam
de nós. Também os cegos. Enfim, todas as pessoas. Pelo amor de Deus, minha
gente, escutem o que estou dizendo. É hora de o povo brasileiro não pensar
apenas em festas, mas sim no próprio sofrimento”.
Alguns
leitores deste livro podem estranhar o fato de Reginaldo Leme, jornalista de
sucesso em quatro décadas de coberturas de Fórmula 1 pela TV Globo ter sido
escalado para aquele jogo de futebol. Acontece que, então, Reginaldo Leme ainda
era um iniciante especialista em futebol, cobrindo diariamente o Palmeiras. Foi
o editor Góes quem o deslocaria para o automobilismo em 1972, enviando-o a
Monza, em setembro, para cobrir o Grande Prêmio da Itália. Reginaldo foi “pé
quente”: naquela corrida, Émerson Fittipaldi tornou-se campeão de F-1, o
primeiro grande título de um piloto brasileiro.
Sorte,
somada ao talento, sempre caracterizou Reginaldo. Sua ida ao Maracanã foi uma
demonstração disso. No início de outubro, quando Pelé já estava perto do
milésimo gol, Góes reuniu os jovens repórteres João Prado Pacheco, Éverton
Capri Freire e Reginaldo Leme e, diante da tabela de jogos do Santos pelo
Robertão, fez um sorteio: cada um faria a cobertura das três partidas seguintes.
Reginaldo havia ficado frustrado por ter sido sorteado para o fim, mas o
milésimo não saiu em jogos a cargo do Prado e do Éverton, e coube a ele viajar
para o Rio, em novembro, e ficar hospedado no Hotel Novo Mundo, o mesmo da
delegação do Santos. Astuto, o repórter permaneceu no saguão do hotel,
aguardando a hora de os jogadores saírem para o Maracanã, e tratou de seguir o
ônibus. Diante do estádio, deum um jeito de entrar com o grupo do Santos,
direto para o campo, em vez de subir até a tribuna de imprensa. Sentado ao lado
de fotógrafos, atrás do gol do Vasco, Reginaldo ficou pronto para dar o bote,
aparecer na foto histórica e dar um sabor especial ao seu texto.
O gol
de Pelé saiu pouco depois das 23 horas. O resultado do jogo, vitória do Santos
por 2 a 1, pouco importava. Naquele momento, o grito de gol ecoou por toda a
Redação do “Estadão”, seguido do barulho das máquinas de escrever. Eram mais de
15 jornalistas concentrados na edição, que só foi completada às 2 horas da
madrugada. O então austero matutino provava que já tinha condições de mostrar,
com talento e criatividade, os grandes fatos do esporte. No dia seguinte, não
cansamos de admirar as três páginas. Um maravilhoso trabalho de equipe. Para
mim, além de tudo, excelente oportunidade de integração ao novo time.
Brasil
tricampeão, na Copa de Pelé
Do
milésimo gol à aclamação como craque da Copa, foi um pulo. Pelé, acostumado a
ganhar títulos, ficou fora das finais do Robertão de 1969, no encerramento: o
Palmeiras ganhou o quadrangular decisivo contra o Corinthians, Cruzeiro e
Botafogo. E o ano terminou com o Brasil de olho da Copa do Mundo. Na Redação do
“Estadão”, mergulhamos na cobertura da seleção de João Saldanha, já em janeiro
de 1970, acompanhamos as crises e a troca de técnico, com a chegada de Zagallo
e, afinal, a definição do time e a viagem da delegação para o México. No mesmo
voo, seguiram nossos experientes repórteres Paulo de Aquino e Milton José de
Oliveira, juntamente com o fotógrafo Oswaldo Palermo, prontos para enviar
material jornalístico de grande qualidade.
Pelé,
sobre o qual Saldanha havia lançado a suspeita de que, por ter miopia,
enfrentaria problemas ao jogar, acabou enxergou tudo, na Copa e até o fim da
carreira. Além disso, o então treinador da seleção comento que o “Rei” não se
daria bem numa dupla com Tostão no ataque titular. Nas seis vitórias do Brasil,
Pelé marcou quatro gols, fez jogadas individuais incríveis, e também em
perfeito conjunto com Tostão, Rivellino, Jairzinho, Gérson, Clodoaldo. Após os
4 a 1 da final contra a Itália, no Estádio Azteca, o “Rei”, autor do primeiro
gol, saiu de campo ovacionado, carregado em triunfo como o maior craque da
Copa. Alguém colocou em sua cabeça um enorme “sombrero”, símbolo mexicano.
A
seleção brasileira campeã foi essa: Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza e
Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Rivellino; Jairzinho, Tostão e Pelé. Os gols
foram, pela ordem, de Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto. Técnico: Mário
Jorge Lobo Zagallo, aquele que conheci em 1968, numa das minhas idas ao Rio,
tema de capítulo anterior.
Em São
Paulo, fizemos a nossa festa, vendo tudo pela TV. Ao lado de Lundenbergue Góes,
participei diretamente dos trabalhos de edição, que tiveram apoio de Raul
Martin Bastos e Clóvis Rossi. O jornal continuava dando prioridade às áreas de
Política, Economia e Internacional, mas ampliava o espaço para o Esporte.
Aquela minha segunda Copa do Mundo em trabalho à distância foi bem melhor do
que a da Inglaterra, em 1966, época em que acompanhei os jogos pelo rádio da
Redação da “Última Hora” e me decepcionei com a eliminação do Brasil logo na
primeira fase. Como seria o Mundial de 1974? Já não haveria Pelé na seleção. E
eu estaria na Alemanha, coordenando a equipe do “Estadão”, tema para daqui a
alguns capítulos.
Retirado
de: RAMOS, Luiz Carlos. Vida de Jornalista. São Paulo: A4 Ideias
Editora, 2023.
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