sexta-feira, 28 de junho de 2024

Playboy entrevista Ratinho (julho de 2001)

Playboy entrevista Ratinho (julho de 2001)

 


Campeão de baixaria na TV, ele fala sobre bizarrices, exames de DNA, injustiças e o curioso hábito de ser rico e pensar como pobre

 

Gordo, narigudo e dono de um bigode que já dura 29 anos, Carlos Roberto Massa, o Ratinho, usa camisas de seda de cores fortes e gravatas lisas, sempre combinadas com calça de pregas, sem paletó. Ele foi palhaço de circo, deu banho em cadáver e vendeu churrasquinho na feira. Hoje só viaja em avião próprio e dirige um Lincoln “mais bonito” que o do patrão, Sílvio Santos. É dono de fazendas, fábricas, emissoras de rádio, imóveis. Juntando tudo, é coisas para mais de 230 milhões de reais. A dinheirama, no entanto, parece ter mudado pouco o estilo de vida de Ratinho. Ele sai com os mesmos amigos, enxuga a mesma cachaça, continua roendo osso de pé de galinha. Embora seja um ricaço do ponto de vista, digamos “orçamentário”, sabe que jamais se tornará um rico “autêntico”. E fala disso às vezes como uma referência de caráter, às vezes com uma pontinha de mágoa. Ele, por exemplo, recusa-se a frequentar restaurantes badalados para não ser “objeto de diversão de alta sociedade”. Ao mesmo tempo, fica triste por não ser convidado para os grandes eventos, como outros artistas da televisão: “Sou um rejeitado das festas”. É um rico que pensa e se diverte como pobre, mas fecha negócios com a habilidade dos grandes empreendedores.

 

Ratinho faz escolhas impensáveis para um profissional bem-sucedido. Como vive na ponte aérea entre São Paulo onde trabalha, e Curitiba, onde vive a família, nunca se preocupou em montar um bom apartamento na capital paulista. Acredite: ele mora numa república! Vive com sete amigos, todos empregados seus. Numa bela casa, é verdade, mas sem a privacidade que se imagina almejada por qualquer pessoa que tenha juntado algum dinheiro.

 

Ratinho surgiu na TV empunhando um cassetete e brandindo, num português indigente, que “bandido bom é bandido morto”. No Paraná, em seu programa policial, entrevistava assassinos, mostrava cadáveres e berrava palavrões, travestido de justiceiro dos pobres. Sua câmera sensacionalista transformou-se na tribuna do horror, com fortes doses de assistencialismo. A audiência explodiu. Na Record, em 1998, ele conseguiu vencer a Globo pela primeira vez e, como não se cansa de lembrar, mudou para sempre o horário da novela das 8. Mostrou de tudo: pessoas com defeitos físicos e mentais, criança comendo as próprias fezes, tumores e todo tipo de doença, famílias trocando sopapos. Na estreia no SBT, há três anos, bateu nos 38 pontos de audiência, um marco para a emissora de Sílvio Santos.

 

Se preserva muitos dos antigos hábitos, Ratinho reviu algumas ideias. Aos 45 anos, não defende mais a pena de morte. Agora quer prisão perpétua para os bandidos. “A vida é um aprendizado, né?” Deixou de apresentar deformidades, criou um quadro para realizar o sonho de telespectadores e oferecer exames de DNA para casais. Solucionar casos de paternidade fez tanto sucesso que até Faustão já copiou. Continua fazendo assistencialismo, mas se esforça para afastar a imagem de “campeão da baixaria”. A audiência até aumentou: pulou de 15 para 17,7 pontos na média mensal do Ibope. Ratinho pôs seus assistentes de palco – um gordo, dois anões, dois magrelas, dois bonecos e dois gêmeos – para interferir nas brigas de casal. “Assim vira palhaçada”, diz. Ele quer ser visto como um novo Chacrinha. Conta que Sílvio Santos lhe ofereceu um programa aos domingos. “Eu me encontrei com ele por acaso num hotel em Buenos Aires, e ele me sondou. Não falou qual seria o horário”, diz.

 

O sucesso na TV é reproduzida nos outros negócios. Sua holding, a M&M, com sede em Curitiba, reúne quinze empresas, entre os quais nove fazendas, uma fábrica de móveis, indústrias de alimentos, cosméticos e ração para animais.

 

Para entrevistar Ratinho, PLAYBOY destacou a editora especial Andréa Barros:

 

“Ratinho é carismático, veemente, cheio de gestos largos. Em nossos quatro encontros, respondeu às perguntas como se fosse um réu em seu julgamento, ao mesmo tempo, em que fazia piadas de si mesmo. Às vezes me deixava em dúvida se estava sendo honesto demais ou cínico ao extremo, tal era a facilidade com que discorria sobre os mais variados assuntos. Quando conta duas vezes a mesma história, usa as mesmas palavras. Perguntei se isso era uma estratégia para controlar a própria língua, sempre solta, ou um marketing pessoal. ‘Acabo decorando a maneira de falar’, disse. No fim, bem a seu modo, concluiu: ‘Talvez porque o meu vocabulário seja limitado’. Ratinho fala de suas limitações com uma espontaneidade sem limites, como se vê a seguir”.

 

PLAYBOY – Você é realmente acha que seu programa é bom?

RATINHO – O meu programa é o pior de todos, é ruim mesmo. Já veio aqui gente do Canadá, da Alemanha, de Portugal, da Bélgica, do Chile. Todo mundo querendo copiar. Eles assistem uma semana e desistem porque o programa não tem lógica. Na mesma hora em que o cara está rindo, tem outro chorando, entra mais um e cai no palco, é tudo desorganizado. (Risos.) É que nem frango caipira: não é bonito de ver, fica meio roxo, mas é bom de comer. Por que não tem chamada? Porque nós não sabemos o que vamos pôr no ar. Não é aquele negócio preparado. Vai na hora. “O que é que têm hoje? Pô, mas tá ruim, hein? Ah, vai assim mesmo”. É um programa que pode tudo, o cara quer cantar, canta. Quer assobiar, assobia. Quer brigar, briga. Quer xingar o apresentador, xinga. É mistura de nada com coisa nenhuma. E acho que o segredo é esse: eles pegaram um programa que não é nada e deram para um apresentador que não sabe fazer porra nenhuma. (Sorri.) Nosso diretor é engenheiro, nunca tenha feito televisão na vida, só assistia. (Risos.) Mas é meu amigo, tava desempregado, fudido. Então, trouxe para trabalhar comigo. Não sabe nada de televisão.

 

PLAYBOY – E qual a contribuição dele?

RATINHO – (Enfático.) Nenhuma. Mas é meu amigo.

 

PLAYBOY - Você faz isso com todos os seus amigos?

RATINHO – (Responde rápido, fingindo seriedade.) Faço com todos. Nenhum entende de televisão, mas tá todo mundo empregado aqui. Não quero nem saber. É a minha condição.

 

PLAYBOY – Por que você mudou o programa?

RATINHO – Fiz uma pesquisa. E as brigas chocavam as pessoas. Aqueles confrontos assustavam. Eu tenho público infantil por causa do (os personagens) Xaropinho e Tonico. Eles também se assustavam. Coloquei meu time no meio e a briga virou palhaçada, circo.

 

PLAYBOY – E os casos de gente doente?

RATINHO – As pessoas vinham do Maranhão, do Amazonas, sem passagem, sem nada. (O programa) Tinha de dar passagem, hotel, e a maioria das doenças não tinha cura. A pessoa tinha o pai com câncer e a solução era mandar o pai para Ratinho. Assim ficava livre do pai. Eu era a acomodação de todo mundo. O programa também tem uma verba (de 300 000 reais por mês) e nós estávamos gastando muito. Hoje a pessoa liga, a gente pergunta qual é o problema e tenta acertar um esquema na cidade onde a pessoa mora.

 

PLAYBOY – Você se arrependeu de expor as pessoas?

RATINHO – Não. Aquilo tinha um objetivo na época, que era tentar achar o tratamento, a cura para a doença. Na verdade, quando a pessoa chega num programa de televisão, está apelando para o último recurso. Se você foi até a portaria da emissora agora, vai ver uma faixa: “Ratinho, minha mulher está doente. Preciso de sua ajuda”. Quando o cara chega até a gente é porque ele já passou por tudo. Se eu não tivesse mostrado casos de pessoas doentes, talvez não estivesse na televisão. Não mostraria que meu programa veio melhorar o Brasil.

 

PLAYBOY – Que conversa é essa de melhorar o Brasil?

RATINHO – Melhora o país, sim, porque explica as coisas. Programas que nem o meu fazem com que o povo entenda um pouco mais da politicagem, ou da política. Por exemplo: consegui explicar da minha forma entendível o que era a história dos precatórios. O povo não sabia o que era. O povo não sabe como funciona a barganha no Congresso Nacional. No meu programa, eu conto. Tudo numa linguagem popular.

 

PLAYBOY – Que coisas você fez das que se envergonha?

RATINHO – Não me envergonho de nada. Me arrependo de ter proposto aquela campanha para arrecadar dinheiro e pagar aos sequestradores do Wellington de Camargo. (Em março de 1999, depois de três meses de sequestro, Ratinho propôs criar um disque 0900 para arrecadar o dinheiro pedido pelos sequestradores de Wellington, irmão da dupla sertaneja Zezé e Luciano. Os sequestradores cortaram um pedaço da orelha de Wellington e mandaram para a retransmissora do SBT em Goiânia, a TV Serra Dourada, comum bilhete endereçado ao Ratinho, pedindo mais dinheiro).

 

PLAYBOY – Você se sentiu responsável pela mutilação?

RATINHO – Não. A única coisa que em arrependo é ter sugerido o 0900, uma coisa ilegal. Mas o sequestro estava demorando. Hoje, diria outra vez: “Zezé, paga essa porra aí, cacete!”.

 

PLAYBOY – Depois de ter anunciado a mudança no programa, você ainda apresentou aquela menina de 3 anos que foi torturada. Atitude de uma crueldade desnecessária.

RATINHO – Não, aquilo é uma coisa que foi necessária. O choque às vezes é necessário.

 

PLAYBOY – E precisava exibir as coisas?

RATINHO – Se não exibisse não chamava a atenção. Você não estaria perguntando. Nesses barracos tem um monte de gente passando por isso. Isso tem uma função denunciativa. A nossa obrigação é denunciar. São as autoridades que têm de tomar providências. Cumpri meu papel, não me arrependo e vou fazer de novo se for preciso.

 

PLAYBOY – Talvez por atitudes como essa, houve uma época em que você não conseguia anunciante.

RATINHO – (Irritado.) Isso é conversa fiada...Nunca tive problema de publicidade. Você deve ter lido isso, mas não é verdade.

 

PLAYBOY – Mas as pessoas não queriam associar produtos aos seu nome.

RATINHO – Ainda tem isso. Como tem no programa do Faustão. Em programa popular existe o que nós chamamos de mídia. Como funciona nos Estados Unidos? O cara que quer anunciar vê quantos pontos de audiência o programa faz. Vale por aquilo. Aqui no Brasil, não. A mulher do cara gosta da novela, ele anuncia na novela. Você é dono de uma fábrica de água mineral, procura uma agência de publicidade para fazer propaganda de água mineral. A agência pega. O que o publicitário faz? Ele aplica o dinheiro na Globo porque se não der resultado ele fala: “O seu produto é que é ruim”. Ele não estuda, e não se arrisca.

 

PLAYBOY – Você atende todo mundo que escreve para o programa?

RATINHO – A maioria, 90%, a gente nem mostra na televisão. Algumas vezes eles brigam por causa de uma geladeira. O programa tem verba para comprar uma geladeira. É pra isso. A gente compra. Para você ter uma ideia, tenho mais de 2000 DNAs (resultados de exames de comprovação de paternidade) para abrir. Se quisesse fazer programa só de DNA daria. Porque a nossa justiça é muito lenta, leva dois anos para sair o resultado de um DNA.

 

PLAYBOY – Você assiste às sessões de pesquisa qualitativa?

RATINHO – Não gosto. Porque eles (os telespectadores convocados pelas agências de pesquisa) começam a achar muito defeito. Às vezes falam mal de uma coisa que gosto, aí já acho ruim. Espero os resultados. A pesquisa serve para ver o que está enjoando o povo. Só.

 

PLAYBOY – As últimas pesquisas mostraram que o público se cansou do DNA. O que você acha?

RATINHO – O DNA sempre dá audiência. É lógico, não pode ser toda hora. A gente tem procurado mais variedade: tem DNA, o sonho, o paredão, a denúncia, a briga.

 

PLAYBOY – A pressão por audiência ainda é muito grande?

RATINHO – Não tenho mais essa preocupação porque já passaram quatro, cinco novelas grandes. Depois de Terra Nostra, enfrento qualquer coisa. Aquilo foi difícil. Eram aqueles italianos metendo. Depois veio Vera Fischer dando. Agora pode vir qualquer coisa.

 

PLAYBOY – Você tem vontade de fazer algum outro programa?

RATINHO - Ser ator em algum programa como o dos Trapalhões, trabalhar numa comédia tipo Sai de Baixo. Um sitcom, é assim que chama?

 

PLAYBOY – Por que você diz que ir para a Globo é fim de carreira? Você não tem vontade de trabalhar lá?

RATINHO - Não tenho. A Globo é uma televisão tão forte que, em primeiro lugar, você tem que estar preparado psicologicamente. Na Globo, se você não for o primeiro, é frustrante. É frustrante a Ana Maria Braga, que dava 6 pontos à tarde, fazer 6 pontos de manhã na Globo. Seis, 7 pontos a Globo faz sem ter ninguém, parada, desligada. É muito mais fácil para mim, ir para uma TV Bandeirantes, pegar um horário ruim e transformar o horário. Isso é um grande desafio. Agora, ir para a Globo, que tá fazendo 20, e fazer 20 também?

 

PLAYBOY – Como foi o Carnaval na Sapucaí, sendo filmado pela Globo?

RATINHO – Durante o percurso na avenida, louco para aparecer na Globo eu pulava para ver se eles (os câmeras) me filmavam. Depois do desfile, notei que deram só uma lambida. Fiquei puto. Queria ser tratado como os outros foram. A minha audiência é parecida com a do Gugu e do Sílvio Santos. Pensei: “Poxa vida, por que o Gugu apareceu tanto, a Hebe apareceu tanto e eu não?” Me achei meio cortado. Já não gostava, agora gosto menos da Rede Globo. Estou falando da direção da Globo, Marluce e outros bichos.

 

PLAYBOY – O que você não faria?

RATINHO - Acho que não voltaria mais a fazer programa policial. Muitas vezes o policial cria o bandido. O cara é apenas um suspeito e você põe ele na televisão, arrebenta com a vida do cara e depois descobre que o cara era inocente. Posso ter cometido erros assim. A Rede Globo colocou dois meninos no Linha Direta como se fossem assassinos. Era mentira, coloquei os meninos no ar. Eram inocentes. Hoje, penso dez vezes antes de colocar uma história policial no ar. Vejo se tem inquérito policial, se está tudo certo, não faço mais besteira. Estou preocupado com a minha consciência.

 

PLAYBOY – O que fez você repensar esse comportamento?

RATINHO – Várias coisas. Mas teve um fato sim.  O Bar Bodega. (Em agosto de 1996, a estudante Adriana Ciola e o dentista José Roberto Pousada Tahan foram mortos quando saíam do Bar Bodega, no bairro de Moema, em São Paulo. Nove inocentes foram acusados pelo crime e torturados em delegacias. Cinco foram indiciados. Quando a divisão de homicídios da polícia paulista entrou no caso chegou aos verdadeiros autores do crime, que não tinha nenhuma relação com os primeiros acusados.) Eu coloquei os meninos no ar como culpados. Depois que vi que era uma invenção da polícia, fiquei pensando: “Quanta coisa a polícia inventou?” Por isso deixei de ser a favor da pena de morte.

 

PLAYBOY – Além de programa policial, o que mais você não faria na TV?

RATINHO – Fazer entrevista é complicado. Tem que ter estado de espírito. Acho que, no Brasil, só a Hebe e o Jô Soares. O resto faz 2 pontos no Ibope.

 

PLAYBOY – Quem são seus ídolos?

RATINHO – Na televisão, o Flávio Cavalcanti fez grandes programas. Não copio, por exemplo, o Sílvio Santos porque não seu. Mas eu queria ser o Sílvio.

 

PLAYBOY – Por quê?

RATINHO – Queria ter aquela facilidade com que ele se comunica.

 

PLAYBOY – Você não tem facilidade?

RATINHO – Consigo falar para 90% da população. As pessoas assistem ao Jornal Nacional e não entendem nem 30%. Mas o Sílvio faz programa popular com mais classe. Sou mais escrachado, mais engraçado, caio no chão, dou pés-de-ouvido naquele pessoal que trabalha comigo. O Sílvio já tem um pouco de dificuldade para isso. (Risos.) É lógico que é de brincadeira, mas o Sílvio não teria coragem de fazer isso.

 

PLAYBOY – Como são suas conversas com Silvio Santos?

RATINHO – Nenhum funcionário do SBT conversa muito com o Sílvio. Estive com ele umas 20 vezes. Mas não sou muito de ficar lá puxando o saco. Nem eu, nem o Gugu, nem ninguém. O Sílvio é um cara que não cobra. Ele vê os números. Fala sim ou não. Não fica falando: “Põe isso no programa, não deixa aquele aparecer”...

 

PLAYBOY – Você se acha injustiçado pela mídia?

RATINHO – (Exaltado e enfático.) Me acho totalmente injustiçado pela mídia. Desciam o pau em mim por causa dos casos de gente doente. Agora o Gugu faz, o Faustão faz e ninguém critica. O problema é que eu não faço parte do time, do cast da sociedade paulistana. Se eu fosse um filho de um Matarazzo, a história seria diferente, eu seria um herói. Mas como sou filho de pedreiro, aí tenho que brigar com a revista Veja, com a Folha de S. Paulo. O que eles tinham de falar de mim já falaram. Tudo é repeteco. Até porque, enquanto eles falam para um milhão, eu fala para 20 milhões. Tô sempre em vantagem.

 

PLAYBOY – Mas isso incomoda.

RATINHO – Já incomodou. A ponto de eu chorar sozinho. A notícia que me deixou puto mesmo foi quando a Folha de S. Paulo publicou que eu estava fazendo campanha para o Maluf. Isso me magoou. E ainda me preocupou o emprego porque eu não posso fazer campanha aqui no SBT. E eu não fiz campanha. Vou dar um exemplo do que é a mídia brasileira: a Marisa Monte gravou aquela música brega que diz (cantarola fazendo pouco caso, propositalmente fanho) Amor I love you, amor I love you e vendeu 1 milhão de cópias. Se fosse o Amado Batista, todo mundo ia dizer: “Deus o livre, essa música é brega!” (Irritado.) O Reginaldo Rossi canta Meu amor, meu bem, ma femme é baixaria. Agora, a Marisa Monte cantando Amor, I love you é bom? O Reginaldo Rossi vem no meu programa, é brega. Vai no Luciano Huck é cult. Brega é o que media dúzia de safados que estão na imprensa querem que seja brega. O Jô Soares pode levar o político que quiser, pode falar que a Marta usa calcinha vermelha que ninguém se incomoda. Agora, pô, eu não posso trazer ninguém que dizem que estou puxando o saco! O Maluf pediu uma cópia de um dos meus programas e usou na campanha. Qualquer candidato poderia ter usado. Aí disseram que fiz campanha para ele. Isso é uma baita sacanagem. Quem fez campanha aí foi o Gugu, que saiu em desfile na rua para o (atual governador Geraldo) Alckmin. E não vi ninguém criticar.

 

PLAYBOY – E por que você acha que isso acontece?

RATINHO – Primeiro por causa da origem social. A nossa discriminação é social. O cara pobre tá fudido. E pobre não quer dizer o cara que não tem dinheiro. Eu, por exemplo, continuo pobre, porque para ser rico tem que fazer curso. Tem gente que tem muito dinheiro e não sabe ser rico, não gosta de coisas de rico. Sou um exemplo disso. Tenho um dinheiro razoável, mas não gosto de coisas de rico. Não gosto de ir a uma festa à luz de velas, onde tem garfinho para lá e para cá, aquela frescura. Não gosto. Gosto de andar de iate, tomar cerveja e pescar. (Ratinho acaba de comprar um iate de 38 pés que vai ficar ancorado na praia de Itapema, em Santa Catarina, onde tem uma casa de veraneio). Andar no iate e ficar olhando para o céu, não é comigo.

 

PLAYBOY – Você não tem mesmo vontade de conhecer coisas novas, falar português melhor, viajar?

RATINHO – (Pensativo) Tenho. Nããão. Tenho. Não tenho a vontade de virar apreciador de vinhos. Gosto da minha vida como ela é. Se puder ampliar meus conhecimentos, vou ampliando. Mas não vou me dedicar a isso.

 

PLAYBOY – Por que não?

RATINHO – Porque não quero. Não me faz bem. Tenho vergonha de estar andando num carro zero e ver tanta gente passado dificuldade. Agora mesmo fui ver minha mãe que está internada no hospital Alberto (Albert) Einstein, e vi todo o cuidado que estão tendo com ela. Sabe, gostaria que todos os hospitais públicos do Brasil tivessem o que ele está tendo. Me sinto mal em querer não me mostrar. Depois os caras vão falar: “Ih, tá querendo aparecer!” Não gosto desse título de novo-rico. “Fico andando com Jaguar porque quero aparecer”. O Ratinho foi no restaurante Fasano, pagou 150 conto (sic) numa refeição’. Não gosto de aparecer desse jeito, não faz bem para mim. Em respeito à minha origem. Acho uma puta sacanagem! E também já sei o que esses caras estão nesses lugares pensam de mim. Eu vou lá para ser o objeto de diversão deles.

 

PLAYBOY – Por quê acha isso?

RATINHO – Eu noto. Não estou generalizando. É uma minoria, lógico. Tem gente muito rica, do tipo (empresário) Antônio Ermírio de Moraes, que, quando me encontrou, me abraçou com carinho, com respeito. O Roberto Carlos gosta de mim, o Geraldo Alckmin assiste meu programa.

 

PLAYBOY – Mas você, rico, é mais bem aceito, não?

RATINHO – Ah, não tenha dúvida. Mas você vê: não sou convidado para festa nenhuma, para o camarote da Brahma e acho que isso é uma discriminação. Sou um cara extremamente popular. Se eu falar que tomo Brahma, aumento a venda da Brahma. Tenho certeza. Tudo bem, compro o meu camarote e assisto com a minha família. Mas é evidente que me sinto discriminado. Não sou convidado para ir em baile nenhum, sou rejeitado das festas. A Coca-Cola fez uma puta festa no Rio, convidou todos os artistas do SBT. Todos. Menos eu. O Gugu e a Hebe são convidados para tudo quanto é festa. Eu não. É que eu sou meio bregão, né? Ah, é também sei lá se eu ia me sentir bem, né?

 

PLAYBOY – Por quê?

RATINHO – Ah, prefiro não ir. Talvez seja medo. Daí eles já batem fotografia “Ah, o Ratinho com a fulana de tarrr”. Já começam a inventar namorada para mim, é complicado isso.

 

PLAYBOY – Mas você tem que admitir que a imprensa deu uma trégua...

RATINHO – Deu, acho que em função da mudança do meu programa. A imprensa entendeu que eu mudei. E acho que o programa mudou para melhor. A audiência continuou a mesma, melhorou até. E também o público se acostumou. Sou uma realidade na televisão brasileira. Boa ou ruim, sou uma realidade. O que a imprensa esquece é que o único programa que disputa om o melhor produto da Globo, a novela, é o meu. Gostaria de ver o programa do Gugu disputando com a novela às 8h da noite, o Show do Milhão disputando com a novela. É a coisa mais difícil do mundo. Olha que a Record, depois que eu saí de lá, já colocou 14 atrações e não faz ponto no ibope. Porque aquele horário é difícil. O mesmo público que vê a novela vê o meu programa. Tanto que, no fim da novela, meu programa está com 16, 17 pontos. Depois que ela termina, depois de cinco minutos, minha audiência vai imediatamente para 25, 26. Então, não tem diferença do meu público para o público da Globo.

 

PLAYBOY – Você brigou com as gravadoras?

RATINHO – Eles fazem um monte de exigências. Gravadora não manda aqui, não paga meu salário, não faço “jabá”. O padre Marcelo vai lançar disco e vai em tooooodos os programas. Primeiro no Faustão, depois no Gugu. Ah, agora mudou porque o Faustão está perdendo. Então vai no Gugu e depois no Faustão. Depois vai na Hebe... O último programa que ele vem é o meu. O povo já está até enjoado do disco. Então, cortei. Se for pra vir só para lançar o disco, é melhor que não venha. Ele entrou na mesma linha dos cantores. Já o padre Antônio Maria vem á hora que quiser porque está sempre à nossa disposição. O Ciro Gomes não quis vir. Pô, acho uma chateação. Esse cara já foi em tudo que é programa! E não veio no meu por quê? Acho difícil vir mesmo. Até reconheço. Peguei o Lula e esmaguei o Lula. Só que o Lula é inteligente e se saiu bem pra cacete.

 

PLAYBOY – Um instante. Não venha dar uma de durão. Com o governador do Rio, Anthony Garotinho, e com o ex-senador Antônio Carlos Magalhães, você foi um doce. Não pressionou.

RATINHO – Não e explico por quê. Para começar, tenho uma enorme dificuldade de trazer políticos no meu programa porque todos eles têm receio de que eu faça justamente essas perguntas. De que me adianta trazer um político só? Não é um programa de debates para apertar ninguém. O ACM para vir no meu programa fez uma porrada de exigências. Queria saber o que eu ia perguntar, quem ia colocar no painel. Até entendo. O cara vem para ser constrangido? Eu também não iria. Se apertasse o ACM aqui com o tema do Nordeste, deixava ele no chão. Não é esse o objetivo. Apesar de que a gente ia apertar mais, mas começou a cair muito a audiência. A gente saiu de 15, esperava passar dos 20 e ficou nos 19. (Ratinho para falar “meio em off”. “Mas falar em off numa entrevista dessa é besteira, mesmo!, conclui. O apresentador diz que ACM havia chorado no programa do Raul Gil, e por isso não quis apertá-lo muito. Parece sensibilizado.) Aqui entre nós, eu nunca quis falar para ninguém, mas é o que penso: acho que o ACM tinha de perder, já perdeu. Como tenho filho de 20 anos, eu sei. A vida para ele não tem mais importância. Perdeu uma filha que se suicidou, um trauma e depois esse filho (o ex-deputado Luiz Eduardo Magalhães, morto aos 43 anos, de infarto, em abril de 1998). Era o xodó, estava sendo preparado para ser presidente da República e de repente acontece a fatalidade.

 

PLAYBOY – Os artistas também fazem exigências?

RATINHO – Dos artistas, não reclamo. Encontro aí alguns que não querem, como o Martinho da Vila, mas a maioria quer vir. Para ir na Globo, no Luciano Huck, que dá 11 no Ibope, eles deitam no chão, se sujam de barro. O meu dá 23, 25 pontos. A última vez que o Leonardo esteve aqui, deu 33 pontos. O cara não vem só cantar no programa. Ele toca bateria, brinca, participa do DNA. Ajuda a audiência.

 

PLAYBOY – E as histórias inventadas que pôs no ar como se fossem reais?

RATINHO – Quando nós começamos aqui no SBT, naquela ansiedade, tínhamos pouca gente trabalhando. Pedi para o pessoal das caravanas nos avisar dos casos que encontrassem. E avisei que a gente ganha cachê. Eram produtores avulsos. No começo foi bem. Depois eles começaram a inventar os casos. E nós não sabíamos se era verdade ou não. Tem gente que é ator, né?

 

PLAYBOY – E vocês não verificavam?

RATINHO – Não, e essa era a nossa falha. Começamos a checar depois que a Folha de S. Paulo denunciou. E para nós foi ótimo. Foi terrível para o programa. Mas tenho uma clareza muito grande, eu expliquei no ar. Falei: “Esse caso foi inventado, não pela produção, mas pelas pessoas que vieram aqui”. Hoje, se percebe que o caso é inventado, mando todo mundo embora. No ar. Já fiz isso umas dez vezes. Porque eu noto: “O cara tá brigando com outro e dando risada?” Não pode!

 

PLAYBOY – Você é assediado na rua?

RATINHO – Ah, o povo vem me abraçar. Não me vê como Xuxa, nem como o Gugu. Me vê como um igual, e ao mesmo tempo como herói.

 

PLAYBOY – Muito diferente de alguns anos atrás, de sua infância pobre no interior do Paraná. Você passou fome?

RATINHO – Não. Meu pai sempre foi trabalhar. Se não tinha carne, a gente comia ovo. Minha mãe tinha cabrita, então nunca faltou leite. Passei um período difícil quando saí da casa do meu pai, aos 14 anos. Ele achava que eu tinha de trabalhar de pedreiro, como ele, mas eu gostava de ser palhaço. Então todo circo que ia na cidade queria me levar embora. Um dia fui. Circo não dá dinheiro. Nem o dono ganha dinheiro. É uma fome desgraçada.

 

PLAYBOY – E quando é que você lavou cadáver?

RATINHO – Voltei para a minha cidade e comecei a vender produto em feira. Sempre fui bom de venda, de prosa. Os donos da funerária eram meus amigos. Pediam ajuda e me davam um dinheirinho. Eu era corajoso. Nunca fui funcionário. Tinha dez empregos de cada vez. Sempre fui picareta, no bom sentido. Trabalhava no açougue do seu Reciarte, descarregava caminhão de açúcar para o armazém, entregava carne para outro açougue, ajudava a matar boi no matadouro, no domingo trabalhava na feira, no sábado fazia teatro. Nunca tive carteira de trabalho, gosto de trabalhar por comissão.

 

PLAYBOY – Como você começou a ganhar dinheiro?

RATINHO – Quando comecei a fazer televisão lá no Paraná estava muito difícil de vender comercial. Um dia fui numa imobiliária vender alguma coisa e o dono abriu o jogo: “Seu programa não está bom ainda”. O cara foi sincero. Aí propus um acordo: “Posso vender seus lotes no meu programa e você me paga uma comissão”. Ele me deu uma comissão de 5%. Juntei dois amigos que estavam fudidos, desempregados e chamei para trabalhar. Fui lá, filmei os lotes, e comecei a falar. No primeiro dia vendi cem lotes. O dono da imobiliária quase caiu do burro. Quis me pagar em cheque. Não deixe. Disse: “Você não confiou em mim, também não vou confiar em você. E tem mais, vou parar de vender seus lotes! Quero 10% da comissão”. Foi assim que levantei. Fui arrumando produtos. Eu mesmo comprava o produto, eu mesmo entregava.

 

PLAYBOY – É por isso que você tem uma fábrica de tintura para cabelos?

RATINHO – É. Esse produto, conforme você vai passando, deixa o cabelo com a cor natural. E realmente é bom. Tanto que eu quis pegar a representação para o Paraná. Depois de muita insistência, o dono do produto acabou me dando a representação. Mas começou a vender por fora do nosso acordo. Fui numa fábrica e mandei fazer um produto igual ao dele e pus o meu nome. Fiz o mesmo produto com outro nome. A fórmula é a mesma, né? Hoje tenho essa fábrica de cosméticos.

 

PLAYBOY – Você quer um canal de TV?

RATINHO – Quero ser empregado do Sílvio Santos o resto da minha vida. É o melhor patrão que existe no mundo: paga bem e não cobra nada. (Espanta-se.) Pelo menos de mim nunca cobrou. Nem fala comigo. Quando comenta, me chama lá para me ajudar, para me orientar. E não tô fazendo média porque meu contrato vai até 2004 e ele não pode me mandar embora. A multa é muito alta. Tudo o que passo com a mídia ele também já passou. Falavam que ele era careca, depois que ele comia a Sula Miranda... Ele sabe que isso passa. Por isso não dá entrevista.

 

PLAYBOY – Quantos processos você tem?

RATINHO – Uma porrada. De difamação, injúria, devo ter uns 70, 80. (Hoje há nove processos em andamento, um deles movido por Jorgina de Freitas Fernandes, a maior fraudadora do INSS, a quem Ratinho chamou de “biscate”.) Processo-crime não tenho e até agora não fui condenado. Às vezes as pessoas se sentem ofendidas. Mas esses processos são de dois, três anos atrás.

 

PLAYBOY – Por quê? Você agora não fala mais mal de ninguém?

RATINHO – Diminuí muito o ritmo. Tomo cuidado para não ser processado. Não quero levar uma condenação.

 

PLAYBOY – Você anda contido?

RATINHO – Acho que sim. Não preciso mais fazer o que fazia antes para ter audiência.

 

PLAYBOY – E o que você fazia?

RATINHO – Era mais brabo. Falava mais palavrão. Com o tempo, fui vendo que aquilo estava caindo de moda e que brincadeira dá mais audiência.

 

PLAYBOY – Mas amanhã você volta a ficar bravo se der mais audiência?

RATINHO – Não, aprendi bastante. Mas também não acho que meu programa tenha que educar ninguém. Quem tem que educar é o pai, a escola.

 

PLAYBOY – Você sempre pede ajuda de políticos no seu programa?

RATINHO – Peço muito pouco, sabe? Porque toda vez que você pede, fica com um compromisso.

 

PLAYBOY – Mas teve o episódio com o ex-ministro Íris Rezende. (Em março de 1998, Ratinho prometeu fazer campanha para Rezende se ele capturasse o militar aposentado Francisco Costa Carvalho, acusado de ter estuprado, torturado e mutilado – furando os olhos, cortando a ponta das orelhas e da língua – a dona de casa Adileuza Ramos Ponte).

RATINHO – Falei no ar que se ele ajudasse, eu o ajudaria na campanha. E ajudei. Fui lá e fia a campanha pra ele.

 

PLAYBOY – E você acha certo esse toma-lá-dá-cá?

RATINHO – O negócio é o seguinte: se dei a palavra, tenho que cumprir. Fui já como artista, não como político. Posso fazer show, levo meu Timor Leste (é como Ratinho se refere aos seus “ajudantes de palco”: Azeitona e Caroço, Marquito, Xaropinho e Tonico, os anões Tatu e Joaquim, o bailarino e o Bola 7) e faço. Como Chitãozinho e Xororó. Mas quando tenho um amigo na política e sei que é bom, ajudo sim. Ajudei mais de 20 prefeitos, amigos meus.

 

PLAYBOY – Ajudou como?

RATINHO – Lá em Jandaia do Sul (no Paraná) paguei a campanha do meu bolso. O candidato se elegeu com 85% dos votos. Na Lapa (também no Paraná), onde o prefeito é irmão do nosso diretor, o Furiatti, esse que eu falei que não sabe fazer porra nenhuma, eu fui, fiz comício, pus dinheiro.

 

PLAYBOY – Mas o que você ganha?

RATINHO – Nada. A satisfação pessoal. São cidades pequenas. Gosto de participar, de ver pesquisa, dos conchavos políticos, gosto desse jogo de poder. Mas não indico secretário.

 

PLAYBOY – Então você continua participando da política?

RATINHO – Não quero ser candidato. Não sei ser político, mas adoro política. Meu filho (Juninho, 20 anos, o mais velho. Os outros filhos são gêmeos Gabriel e Rafael, 16 anos), por exemplo, diz que vai ser candidato a deputado estadual. É evidente que serei o primeiro a ir no palanque. No meio de tanto vagabundo? Meu filho tá com a situação financeira resolvida. Tem a rádio Eldorado (em Curitiba), um televendas e não depende de mim. Não precisa ser corrupto, ladrão. Sei que é um menino bom, religioso, obediente, sério, por que vou falar que não? Ou você vai para a democracia e participa, ou entrega para o general. Não tem um terceiro caminho. Eu tenho lado.

 

PLAYBOY – Que lado é esse?

RATINHO – Eu, por exemplo, sou contra a Marta (Suplicy, prefeita de São Paulo, do PT). Até agora fez tudo que os outros já faziam: deu aumento para os cargos que já ganhavam bem, deixou a massa de funcionários ganhando mal. Igual aos outros.

 

PLAYBOY – De onde vem essa antipatia?

RATINHO – (Enigmático.) De posições.

 

PLAYBOY – É ideológico?

RATINHO – Não é tão ideológico. Você conhece as pessoas quando se encontra com elas. A Marta participou de um debate na MTV com meu filho (Juninho). Na época, ele tinha 16 anos, tão logo que eu vim para São Paulo, quando começaram a dar pau no meu programa. Em vez da Marta falar mal dos programas que queria criticar, não. Pegou meu filho para Cristo. “O programa do seu pai é uma baixaria, o seu pai é isso, aquilo”. O moleque ficou acuado. Quem não conhece e acha que a Marta é poderosa (Exalta-se). Essa mulher não é democrática. Batesse em mim! Aquilo me magoou muito.

 

PLAYBOY – Mas a Marta é do mesmo partido do seu amigo Lula (Luiz Ignácio Lula da Silva, presidente de honra do PT). Aliás, de onde vem essa amizade?

RATINHO – Eu liguei para ele. Queria saber sobre a caravana da cidadania, quais eram os Estados para onde poderia mandar minha equipe para fazer trabalhos sociais e tal. Ele veio almoçar em casa. Foi quando conheci um Lula diferente do político. Já tinha admiração por ele desde 1980, pela coragem que ele teve de juntar todo mundo e dizer: “Vamos para o pau”. O Lula gosta do Brasil, gosta do povo. Não estou fazendo campanha e nem disse que vou votar nele. Estou dizendo que o Lula gosta do Brasil. Se vai ser um bom presidente, não sei. Ficamos amigos. Tomamos cachaça juntos. Ele tem umas cachaças de Cuba que não dá para ninguém. Eu vou na casa dele e tomo.

 

PLAYBOY – E quando vocês se encontram, falam só de política?

RATINHO – De política, contamos “causos”, eu meto o pai na Marta, no Pedro Caroço (o presidente do PT, José Dirceu. Uma vez, Dirceu arrumou uma namorada em Cruzeiro D´Oeste, no Paraná, que era dona de uma butique. O apelido vem da música de Genival Lacerda: Pedro Caroço está de olho na butique dela). Ele defende, e assim vai.

 

PLAYBOY – O merchandising ainda é sua maior fonte de renda?

RATINHO – É.

 

PLAYBOY – E quanto você ganha?

RATINHO – Ah, tudo dá aí um total em torno de 2 milhões e meio, 3 milhões de reais por mês. Sou um palhaço que deu sorte. Talento, um monte de gente tem, mas não chega lá. Agora vou tirar toda a modéstia que tenho. Acho que fiz tanto bem para as outras pessoas sem esperar nada em troca. Se você for em Marumbi, em Jandaia do Sul, vai ver a quantidade de gente que internei no hospital. “Ô Ratinho, vou consertar minha casa, me ajuda?” “Claro”. De graça. E acho que Deus compensando a gente. Nunca pensei muito em dinheiro, não.

 

PLAYBOY – Bom, eu também não seria louca por dinheiro se ganhasse 2 milhões de reais por mês...

RATINHO – Mas, veja bem. Tem gente que ganha 2 e quer 5. Tem gente que ganha 5 e quer 20. O Onassis (Aristóteles Onassis, armador grego que acumulou a fortuna de 1,5 bilhão de dólares), por exemplo. Eu não. (Irônico). Ganho bem para trabalhar aqui, mas se o Sílvio disser que não pode me pagar nada, continuo trabalhando. Bem, se chegar outra televisão e me pagar, vou para outra emissora. (Risos).

 

PLAYBOY – Qual seu sonho de consumo?

RATINHO – Não tenho. Meu avião (bimotor Turboélice King Air, avaliado em 2,3 milhões de dólares), por exemplo, é um instrumento para a minha fazenda no Mato Grosso do Sul. De carro, poderia ir uma vez a cada seis meses. De avião, levo 1 hora e 40 minutos. Mas viveria sem ele. Traria a mulher para morar aqui e ainda dava uns pés-de-ouvidos nela, de vez em quando. (Risos.)

 

PLAYBOY – Qual é seu patrimônio?

RATINHO – Não sei. Tem uma empresa que cuida. Toda segunda-feira de manhã cuido disso. Tenho um patrimônio de perto de 100 milhões, por aí.

 

PLAYBOY – De reais?

RATINHO – De dólares.

 

PLAYBOY – E a BMW igual à do James Bond, Não foi um sonho de consumo?

RATINHO – A Z3? Essa eu ganhei numa aposta. Apostei com os promotores do 0900. Eu era só o apresentador. Eles falaram: “Nós vamos dar uma BMW para os participantes, mas você precisa receber pelo menos 400 000 ligações no programa para compensar”. Eu disse: “Se 500 000 pessoas ligarem, eu ganho mais uma?” Foi assim que ganhei.

 

PLAYBOY – E você dirige o carro?

RATINHO – Ando com ele. Tenho uma BMW e um Lincoln.

 

PLAYBOY – Igual ao do patrão?

RATINHO – O meu é mais bonito. O dele é velho. Gosto do Lincoln, Meus filhos ficam de olho na BMW, mas não deixo pegar.

 

PLAYBOY – Você é bom de briga?

RATINHO – Ah, faz tempo que não sou provocado. Tem uma briga inesquecível. Foi na inauguração da igreja de Marumbi que meu pai, como pedreiro, ajudou a construir. Eu tinha 9 anos e era coroinha. Como não tinha sapato preto, pintei um Sete Vidas, de lona. Eram 46 coroinhas e assim que cheguei eles já começaram a tirar arro. Aí tinham muitas andorinhas voando dentro da igreja. Uma filha da puta cagou na minha batina. Claro, um coroinha começou a contar para o outro. Eu era quase o último da fila. O povo da igreja começou a notar e todo mundo riu. Não aguentei. Arranquei o sapato e comecei a quebrar o pai dentro da igreja, na hora da missa. Era murro, pontapé e soco. Meu pai, um homem forte, me pegou pelo braço e me levou embora. Me deixou no quarto e falou: “Fica aí que eu já venho te bater”. Fiquei esperando. Depois ele desistiu: “Foi muito certo o que você fez, só que fez no lugar errado. Igreja não é lugar de brigar. Esperasse terminar a missa e depois quebrava o pau com quem começou a gozação”.

 

PLAYBOY – Você apanhava muito?

RATINHO – Não. Acho que apanhei uma vez porque não sabia nadar e fui num lugar que era muito fundo. Ele me deu um tapa na bunda muito fraquinho. Meu pai era muito parecido comigo, era mais de beijar e abraçar.

 

PLAYBOY – Você gosta de viajar?

RATINHO – Não muito. Fui, por exemplo, às ilhas do Caribe. É bom de ver uma vez. Mas se me convidarem de novo, não vou. Fui para os Estados Unidos umas duas vezes e para Paris na época da Copa. Achei uma merda. Prefiro ir lá no Bar do Padre (no bairro do Cajuru, em Curitiba) onde só tem bêbado e corno e faço parte da turma dos cornos. Prefiro tomar cachaça com meus amigos do que ir para Nova York. Queria conhecer a Holanda, Portugal. Mas depois de três, quatro dias já quero ir embora.

 

PLAYBOY – Tem algum hobby?

RATINHO – Gosto de pescar. Duas vezes por ano a gente contrata um barca, sobre o Rio Corumbá. Gosto de ir na minha fazenda, matar carneiro, fazer churrasco com os amigos.

 

PLAYBOY – O que você lê?

RATINHO – Não tenho paciência. Mas quando um nego fala de um livro e eu pego para ler, não paro. Agora estou terminando Operação Cavalo de Troia, de J.J. Benitez. Gostei, o cara volta e vê Jesus. Eu leio muito jornal. Estadão, Folha, Agora, Diário Popular, Jornal do Brasil, O Globo, Gazeta do Povo, Estado do Paraná, Folha do Paraná, A Crítica, de Manaus. Gosto de Jornal.

 

PLAYBOY – Você vai ao cinema?

RATINHO – Vou. Gosto de comédia, de ação. De terror não assisto de jeito nenhum. Assisti a uma cena só daquele O Exorcista e nunca mais. Odeio.

 

PLAYBOY – Ficou com medo?

RATINHO – (Enfático.) Tenho medo de assombração, do sobrenatural. Durmo com luz acesa, televisão ligada. Não suporto escuro. Tenho medo que um cara que já morreu apareça para mim. Meu pai contava aqueles “causos” na roça. A gente sentava na beira do terreirão de café e ele dizia: “O fulano de tal apareceu para o outro fulano depois que morreu e falou tal coisa”. Essas coisas dão uma... (Pausa.) Não tenho medo de macumba, não. Mas se vou entrar no primeiro, primeiro acendo a luz, daí eu entro.

 

PLAYBOY – Como você conheceu a Solange (esposa do Ratinho há 23 anos) ?

RATINHO – Ah, foi coisa de interior. A gente morava em Jandaia do Sul (PR). Na Praça do Café tinha uma fonte luminosa, tocava música no alto-falante e as pessoas ficavam passeando.

 

PLAYBOY – Era o footing.

RATINHO – Que que é footing?

 

PLAYBOY – A caminhada, a paquera.

RATINHO – É, a paquera. De noite, a música tocando, aquela coisa antiga, mas muito saudável. Ela era muito bonita. Eu falava: “Mas que crentinha gostosa!” Ela ficava braba. Ela é testemunha de Jeová. E tinha raiva, me xingava. Um dia parei de brincar. Ela estranhou e acabou gostando de mim.

 

PLAYBOY – E os pais dela permitiram?

RATINHO – Ela já tinha mais de 20 anos quando a gente começou a namorar. Evidentemente que algumas pessoas da religião dela reagiram, achavam que eu era mulherengo. Mas isso era uma mentira deslavada porque eu era tão feio que não conseguiria namorar. Os irmãos também não queriam. Com o tempo, as coisas mudaram. Hoje, a relação é maravilhosa.

 

PLAYBOY – Você se converteu?

RATINHO – Não, porque eu gosto de política e os testemunhas de Jeová não.

 

PLAYBOY – E como é a convivência?

RATINHO – Nós não se (sic) metemos na religião um do outro.

 

PLAYBOY – Você vai às festas da igreja?

RATINHO – Ah, sim, sempre que posso. Meus filhos também são testemunhas de Jeová. Eles vão à igreja desde pequenos e gostaram.

 

PLAYBOY – Você é bravo com eles?

RATINHO – Nunca encostei num filho. Gosto tanto dos meus filhos que acho que eles têm vergonha de cometer um ato que eu não aprove. Tenho filhos maravilhosos. Gosto de beijar, de abraçar. É o melhor caminho para educar.

 

PLAYBOY – Quantas namoradas teve?

RATINHO – Umas cinquenta. Naquele tempo não namorava muito. Nunca larguei namorada minha, é bom deixar claro. Sempre elas que me largaram. Elas largavam porque eu era meio feinho. Feinho e pobre é uma bosta, viu? (Risos.)

 

PLAYBOY – Como foi sua primeira vez?

RATINHO – Me lembro vagamente. Foi com aquelas mulheres, biscates de rua. A molecada se juntava para trepar. Pagava. Como fui na sopa, o último, pagava mais barato. Tinha uns 16 anos.

 

PLAYBOY – Você já broxou?

RATINHO – Não que eu me lembre. Até porque nunca fui assim, muito metelão. Naquele tempo, namorada não dava não, comadre. É louco? Dá agora. Tinha que comer biscate, ir na zona.

 

PLAYBOY – Outro dia duas meninas chegaram para assistir o seu programa e comentaram: “Como o Ratinho é bonito”. Você é assediado?

RATINHO – Não, não sou. Elas gostam do programa, do apresentador, não da pessoa. Trato todo mundo igual. Por isso, acho que dificilmente uma pessoa chegaria com outras intenções. Tenho um medo desgraçado da minha mulher. Outro dia saiu uma fotografia minha na revista Caras. Fui num festival folclórico, a convite do Dante (de Oliveira, colega de Ratinho na Câmara Federal e atual governador do Mato Grosso do Sul) e ele pediu que eu dançasse com uma menina de 14 anos para aprender o tal do rasqueado. O filho da puta do fotógrafo, lazarento, corno, colocou a fotografia na revista Caras, depois na Contigo, depois na Tititi. Minha mulher quase largou de mim. (imita, enfático.) “Você está me enganando, me largou em casa e foi para a festa!” Até explicar foi uma semana de briga.

 

PLAYBOY – Você é do tipo que dá presentes, manda flores?

RATINHO – Nunca fui. Se um dia me dá vontade de fazer um carinho na minha mulher dou um beijo, um abraço, um dinheiro para ela comprar alguma coisa. Não sei ser romântico. Nunca fui. Tanto que se começar a ser romântico agora, ela larga de mim. Vai falar: “Esse filho da puta tem outra! Tá com dor na consciência”.

 

Publicado originalmente na revista “Playboy” em julho de 2001

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