Playboy entrevista Ratinho (julho de 2001)
Campeão de baixaria na TV, ele
fala sobre bizarrices, exames de DNA, injustiças e o curioso hábito de ser rico
e pensar como pobre
Gordo, narigudo e dono de um bigode
que já dura 29 anos, Carlos Roberto Massa, o Ratinho, usa camisas de seda de
cores fortes e gravatas lisas, sempre combinadas com calça de pregas, sem
paletó. Ele foi palhaço de circo, deu banho em cadáver e vendeu churrasquinho
na feira. Hoje só viaja em avião próprio e dirige um Lincoln “mais bonito” que
o do patrão, Sílvio Santos. É dono de fazendas, fábricas, emissoras de rádio,
imóveis. Juntando tudo, é coisas para mais de 230 milhões de reais. A
dinheirama, no entanto, parece ter mudado pouco o estilo de vida de Ratinho.
Ele sai com os mesmos amigos, enxuga a mesma cachaça, continua roendo osso de
pé de galinha. Embora seja um ricaço do ponto de vista, digamos “orçamentário”,
sabe que jamais se tornará um rico “autêntico”. E fala disso às vezes como uma
referência de caráter, às vezes com uma pontinha de mágoa. Ele, por exemplo,
recusa-se a frequentar restaurantes badalados para não ser “objeto de diversão
de alta sociedade”. Ao mesmo tempo, fica triste por não ser convidado para os
grandes eventos, como outros artistas da televisão: “Sou um rejeitado das
festas”. É um rico que pensa e se diverte como pobre, mas fecha negócios com a
habilidade dos grandes empreendedores.
Ratinho faz escolhas
impensáveis para um profissional bem-sucedido. Como vive na ponte aérea entre
São Paulo onde trabalha, e Curitiba, onde vive a família, nunca se preocupou em
montar um bom apartamento na capital paulista. Acredite: ele mora numa república!
Vive com sete amigos, todos empregados seus. Numa bela casa, é verdade, mas sem
a privacidade que se imagina almejada por qualquer pessoa que tenha juntado
algum dinheiro.
Ratinho surgiu na TV
empunhando um cassetete e brandindo, num português indigente, que “bandido bom
é bandido morto”. No Paraná, em seu programa policial, entrevistava assassinos,
mostrava cadáveres e berrava palavrões, travestido de justiceiro dos pobres.
Sua câmera sensacionalista transformou-se na tribuna do horror, com fortes
doses de assistencialismo. A audiência explodiu. Na Record, em 1998, ele
conseguiu vencer a Globo pela primeira vez e, como não se cansa de lembrar,
mudou para sempre o horário da novela das 8. Mostrou de tudo: pessoas com
defeitos físicos e mentais, criança comendo as próprias fezes, tumores e todo
tipo de doença, famílias trocando sopapos. Na estreia no SBT, há três anos,
bateu nos 38 pontos de audiência, um marco para a emissora de Sílvio Santos.
Se preserva muitos dos antigos
hábitos, Ratinho reviu algumas ideias. Aos 45 anos, não defende mais a pena de
morte. Agora quer prisão perpétua para os bandidos. “A vida é um aprendizado,
né?” Deixou de apresentar deformidades, criou um quadro para realizar o sonho
de telespectadores e oferecer exames de DNA para casais. Solucionar casos de
paternidade fez tanto sucesso que até Faustão já copiou. Continua fazendo
assistencialismo, mas se esforça para afastar a imagem de “campeão da
baixaria”. A audiência até aumentou: pulou de 15 para 17,7 pontos na média
mensal do Ibope. Ratinho pôs seus assistentes de palco – um gordo, dois anões,
dois magrelas, dois bonecos e dois gêmeos – para interferir nas brigas de
casal. “Assim vira palhaçada”, diz. Ele quer ser visto como um novo Chacrinha.
Conta que Sílvio Santos lhe ofereceu um programa aos domingos. “Eu me encontrei
com ele por acaso num hotel em Buenos Aires, e ele me sondou. Não falou qual
seria o horário”, diz.
O sucesso na TV é reproduzida
nos outros negócios. Sua holding, a M&M, com sede em Curitiba, reúne quinze
empresas, entre os quais nove fazendas, uma fábrica de móveis, indústrias de
alimentos, cosméticos e ração para animais.
Para entrevistar Ratinho,
PLAYBOY destacou a editora especial Andréa Barros:
“Ratinho é carismático,
veemente, cheio de gestos largos. Em nossos quatro encontros, respondeu às
perguntas como se fosse um réu em seu julgamento, ao mesmo tempo, em que fazia
piadas de si mesmo. Às vezes me deixava em dúvida se estava sendo honesto
demais ou cínico ao extremo, tal era a facilidade com que discorria sobre os
mais variados assuntos. Quando conta duas vezes a mesma história, usa as mesmas
palavras. Perguntei se isso era uma estratégia para controlar a própria língua,
sempre solta, ou um marketing pessoal. ‘Acabo decorando a maneira de falar’,
disse. No fim, bem a seu modo, concluiu: ‘Talvez porque o meu vocabulário seja
limitado’. Ratinho fala de suas limitações com uma espontaneidade sem limites,
como se vê a seguir”.
PLAYBOY – Você é realmente
acha que seu programa é bom?
RATINHO – O meu
programa é o pior de todos, é ruim mesmo. Já veio aqui gente do Canadá, da
Alemanha, de Portugal, da Bélgica, do Chile. Todo mundo querendo copiar. Eles
assistem uma semana e desistem porque o programa não tem lógica. Na mesma hora
em que o cara está rindo, tem outro chorando, entra mais um e cai no palco, é
tudo desorganizado. (Risos.) É que nem frango caipira: não é bonito de
ver, fica meio roxo, mas é bom de comer. Por que não tem chamada? Porque nós
não sabemos o que vamos pôr no ar. Não é aquele negócio preparado. Vai na hora.
“O que é que têm hoje? Pô, mas tá ruim, hein? Ah, vai assim mesmo”. É um
programa que pode tudo, o cara quer cantar, canta. Quer assobiar, assobia. Quer
brigar, briga. Quer xingar o apresentador, xinga. É mistura de nada com coisa
nenhuma. E acho que o segredo é esse: eles pegaram um programa que não é nada e
deram para um apresentador que não sabe fazer porra nenhuma. (Sorri.) Nosso
diretor é engenheiro, nunca tenha feito televisão na vida, só assistia. (Risos.)
Mas é meu amigo, tava desempregado, fudido. Então, trouxe para trabalhar
comigo. Não sabe nada de televisão.
PLAYBOY – E qual a
contribuição dele?
RATINHO – (Enfático.)
Nenhuma. Mas é meu amigo.
PLAYBOY - Você faz isso com
todos os seus amigos?
RATINHO – (Responde
rápido, fingindo seriedade.) Faço com todos. Nenhum entende de televisão,
mas tá todo mundo empregado aqui. Não quero nem saber. É a minha condição.
PLAYBOY – Por que você mudou o
programa?
RATINHO – Fiz
uma pesquisa. E as brigas chocavam as pessoas. Aqueles confrontos assustavam.
Eu tenho público infantil por causa do (os personagens) Xaropinho e
Tonico. Eles também se assustavam. Coloquei meu time no meio e a briga virou
palhaçada, circo.
PLAYBOY
– E os casos de gente doente?
RATINHO
– As pessoas vinham do Maranhão, do Amazonas, sem passagem, sem
nada. (O programa) Tinha de dar passagem, hotel, e a maioria das doenças
não tinha cura. A pessoa tinha o pai com câncer e a solução era mandar o pai para
Ratinho. Assim ficava livre do pai. Eu era a acomodação de todo mundo. O
programa também tem uma verba (de 300 000 reais por mês) e nós estávamos
gastando muito. Hoje a pessoa liga, a gente pergunta qual é o problema e tenta
acertar um esquema na cidade onde a pessoa mora.
PLAYBOY
– Você se arrependeu de expor as pessoas?
RATINHO
– Não. Aquilo tinha um objetivo na época, que era
tentar achar o tratamento, a cura para a doença. Na verdade, quando a pessoa
chega num programa de televisão, está apelando para o último recurso. Se você
foi até a portaria da emissora agora, vai ver uma faixa: “Ratinho, minha mulher
está doente. Preciso de sua ajuda”. Quando o cara chega até a gente é porque
ele já passou por tudo. Se eu não tivesse mostrado casos de pessoas doentes,
talvez não estivesse na televisão. Não mostraria que meu programa veio melhorar
o Brasil.
PLAYBOY
– Que conversa é essa de melhorar o Brasil?
RATINHO
– Melhora o país, sim, porque explica as coisas.
Programas que nem o meu fazem com que o povo entenda um pouco mais da
politicagem, ou da política. Por exemplo: consegui explicar da minha forma
entendível o que era a história dos precatórios. O povo não sabia o que era. O
povo não sabe como funciona a barganha no Congresso Nacional. No meu programa,
eu conto. Tudo numa linguagem popular.
PLAYBOY
– Que coisas você fez das que se envergonha?
RATINHO
– Não me envergonho de nada. Me arrependo de ter
proposto aquela campanha para arrecadar dinheiro e pagar aos sequestradores do
Wellington de Camargo. (Em março de 1999, depois de três meses de sequestro,
Ratinho propôs criar um disque 0900 para arrecadar o dinheiro pedido pelos
sequestradores de Wellington, irmão da dupla sertaneja Zezé e Luciano. Os
sequestradores cortaram um pedaço da orelha de Wellington e mandaram para a
retransmissora do SBT em Goiânia, a TV Serra Dourada, comum bilhete endereçado
ao Ratinho, pedindo mais dinheiro).
PLAYBOY
– Você se sentiu responsável pela mutilação?
RATINHO
– Não. A única coisa que em arrependo é ter sugerido o
0900, uma coisa ilegal. Mas o sequestro estava demorando. Hoje, diria outra
vez: “Zezé, paga essa porra aí, cacete!”.
PLAYBOY
– Depois de ter anunciado a mudança no programa, você ainda apresentou aquela
menina de 3 anos que foi torturada. Atitude de uma crueldade desnecessária.
RATINHO
– Não, aquilo é uma coisa que foi necessária. O choque às vezes é
necessário.
PLAYBOY
– E precisava exibir as coisas?
RATINHO
– Se não exibisse não chamava a atenção. Você não
estaria perguntando. Nesses barracos tem um monte de gente passando por isso.
Isso tem uma função denunciativa. A nossa obrigação é denunciar. São as
autoridades que têm de tomar providências. Cumpri meu papel, não me arrependo e
vou fazer de novo se for preciso.
PLAYBOY
– Talvez por atitudes como essa, houve uma época em que você não conseguia
anunciante.
RATINHO
– (Irritado.) Isso é conversa fiada...Nunca tive
problema de publicidade. Você deve ter lido isso, mas não é verdade.
PLAYBOY
– Mas as pessoas não queriam associar produtos aos seu nome.
RATINHO
– Ainda tem isso. Como tem no programa do Faustão. Em
programa popular existe o que nós chamamos de mídia. Como funciona nos Estados
Unidos? O cara que quer anunciar vê quantos pontos de audiência o programa faz.
Vale por aquilo. Aqui no Brasil, não. A mulher do cara gosta da novela, ele
anuncia na novela. Você é dono de uma fábrica de água mineral, procura uma
agência de publicidade para fazer propaganda de água mineral. A agência pega. O
que o publicitário faz? Ele aplica o dinheiro na Globo porque se não der
resultado ele fala: “O seu produto é que é ruim”. Ele não estuda, e não se
arrisca.
PLAYBOY
– Você atende todo mundo que escreve para o programa?
RATINHO
– A maioria, 90%, a gente nem mostra na televisão. Algumas vezes
eles brigam por causa de uma geladeira. O programa tem verba para comprar uma
geladeira. É pra isso. A gente compra. Para você ter uma ideia, tenho mais de
2000 DNAs (resultados de exames de comprovação de paternidade) para
abrir. Se quisesse fazer programa só de DNA daria. Porque a nossa justiça é
muito lenta, leva dois anos para sair o resultado de um DNA.
PLAYBOY
– Você assiste às sessões de pesquisa qualitativa?
RATINHO
– Não gosto. Porque eles (os telespectadores convocados pelas
agências de pesquisa) começam a achar muito defeito. Às vezes falam mal de
uma coisa que gosto, aí já acho ruim. Espero os resultados. A pesquisa serve
para ver o que está enjoando o povo. Só.
PLAYBOY
– As últimas pesquisas mostraram que o público se cansou do DNA. O que você
acha?
RATINHO
– O DNA sempre dá audiência. É lógico, não pode ser toda hora. A
gente tem procurado mais variedade: tem DNA, o sonho, o paredão, a denúncia, a
briga.
PLAYBOY
– A pressão por audiência ainda é muito grande?
RATINHO
– Não tenho mais essa preocupação porque já passaram
quatro, cinco novelas grandes. Depois de Terra Nostra, enfrento qualquer
coisa. Aquilo foi difícil. Eram aqueles italianos metendo. Depois veio Vera
Fischer dando. Agora pode vir qualquer coisa.
PLAYBOY
– Você tem vontade de fazer algum outro programa?
RATINHO
- Ser ator em algum programa como o dos Trapalhões,
trabalhar numa comédia tipo Sai de Baixo. Um sitcom, é assim que chama?
PLAYBOY
– Por que você diz que ir para a Globo é fim de carreira? Você não tem vontade
de trabalhar lá?
RATINHO
- Não tenho. A Globo é uma televisão tão forte que, em
primeiro lugar, você tem que estar preparado psicologicamente. Na Globo, se
você não for o primeiro, é frustrante. É frustrante a Ana Maria Braga, que dava
6 pontos à tarde, fazer 6 pontos de manhã na Globo. Seis, 7 pontos a Globo faz
sem ter ninguém, parada, desligada. É muito mais fácil para mim, ir para uma TV
Bandeirantes, pegar um horário ruim e transformar o horário. Isso é um grande
desafio. Agora, ir para a Globo, que tá fazendo 20, e fazer 20 também?
PLAYBOY
– Como foi o Carnaval na Sapucaí, sendo filmado pela Globo?
RATINHO
– Durante o percurso na avenida, louco para aparecer na
Globo eu pulava para ver se eles (os câmeras) me filmavam. Depois do
desfile, notei que deram só uma lambida. Fiquei puto. Queria ser tratado como
os outros foram. A minha audiência é parecida com a do Gugu e do Sílvio Santos.
Pensei: “Poxa vida, por que o Gugu apareceu tanto, a Hebe apareceu tanto e eu
não?” Me achei meio cortado. Já não gostava, agora gosto menos da Rede Globo.
Estou falando da direção da Globo, Marluce e outros bichos.
PLAYBOY
– O que você não faria?
RATINHO
- Acho que não voltaria mais a fazer programa policial. Muitas vezes
o policial cria o bandido. O cara é apenas um suspeito e você põe ele na
televisão, arrebenta com a vida do cara e depois descobre que o cara era
inocente. Posso ter cometido erros assim. A Rede Globo colocou dois meninos no Linha
Direta como se fossem assassinos. Era mentira, coloquei os meninos no ar.
Eram inocentes. Hoje, penso dez vezes antes de colocar uma história policial no
ar. Vejo se tem inquérito policial, se está tudo certo, não faço mais besteira.
Estou preocupado com a minha consciência.
PLAYBOY
– O que fez você repensar esse comportamento?
RATINHO
– Várias coisas. Mas teve um fato sim. O Bar Bodega. (Em agosto de 1996, a
estudante Adriana Ciola e o dentista José Roberto Pousada Tahan foram mortos
quando saíam do Bar Bodega, no bairro de Moema, em São Paulo. Nove inocentes
foram acusados pelo crime e torturados em delegacias. Cinco foram indiciados. Quando
a divisão de homicídios da polícia paulista entrou no caso chegou aos
verdadeiros autores do crime, que não tinha nenhuma relação com os primeiros
acusados.) Eu coloquei os meninos no ar como culpados. Depois que vi que
era uma invenção da polícia, fiquei pensando: “Quanta coisa a polícia inventou?”
Por isso deixei de ser a favor da pena de morte.
PLAYBOY
– Além de programa policial, o que mais você não faria na TV?
RATINHO
– Fazer entrevista é complicado. Tem que ter estado de
espírito. Acho que, no Brasil, só a Hebe e o Jô Soares. O resto faz 2 pontos no
Ibope.
PLAYBOY
– Quem são seus ídolos?
RATINHO
– Na televisão, o Flávio Cavalcanti fez grandes programas. Não
copio, por exemplo, o Sílvio Santos porque não seu. Mas eu queria ser o Sílvio.
PLAYBOY
– Por quê?
RATINHO
– Queria ter aquela facilidade com que ele se comunica.
PLAYBOY
– Você não tem facilidade?
RATINHO
– Consigo falar para 90% da população. As pessoas
assistem ao Jornal Nacional e não entendem nem 30%. Mas o Sílvio faz
programa popular com mais classe. Sou mais escrachado, mais engraçado, caio no
chão, dou pés-de-ouvido naquele pessoal que trabalha comigo. O Sílvio já tem um
pouco de dificuldade para isso. (Risos.) É lógico que é de brincadeira,
mas o Sílvio não teria coragem de fazer isso.
PLAYBOY
– Como são suas conversas com Silvio Santos?
RATINHO
– Nenhum funcionário do SBT conversa muito com o
Sílvio. Estive com ele umas 20 vezes. Mas não sou muito de ficar lá puxando o
saco. Nem eu, nem o Gugu, nem ninguém. O Sílvio é um cara que não cobra. Ele vê
os números. Fala sim ou não. Não fica falando: “Põe isso no programa, não deixa
aquele aparecer”...
PLAYBOY
– Você se acha injustiçado pela mídia?
RATINHO
– (Exaltado e enfático.) Me acho totalmente
injustiçado pela mídia. Desciam o pau em mim por causa dos casos de gente
doente. Agora o Gugu faz, o Faustão faz e ninguém critica. O problema é que eu
não faço parte do time, do cast da sociedade paulistana. Se eu fosse um
filho de um Matarazzo, a história seria diferente, eu seria um herói. Mas como
sou filho de pedreiro, aí tenho que brigar com a revista Veja, com a Folha
de S. Paulo. O que eles tinham de falar de mim já falaram. Tudo é repeteco.
Até porque, enquanto eles falam para um milhão, eu fala para 20 milhões. Tô
sempre em vantagem.
PLAYBOY
– Mas isso incomoda.
RATINHO
– Já incomodou. A ponto de eu chorar sozinho. A notícia que me
deixou puto mesmo foi quando a Folha de S. Paulo publicou que eu estava
fazendo campanha para o Maluf. Isso me magoou. E ainda me preocupou o emprego
porque eu não posso fazer campanha aqui no SBT. E eu não fiz campanha. Vou dar
um exemplo do que é a mídia brasileira: a Marisa Monte gravou aquela música
brega que diz (cantarola fazendo pouco caso, propositalmente fanho) Amor
I love you, amor I love you e vendeu 1 milhão de cópias. Se fosse o
Amado Batista, todo mundo ia dizer: “Deus o livre, essa música é brega!” (Irritado.)
O Reginaldo Rossi canta Meu amor, meu bem, ma femme é baixaria. Agora, a
Marisa Monte cantando Amor, I love you é bom? O Reginaldo Rossi vem no
meu programa, é brega. Vai no Luciano Huck é cult. Brega é o que media dúzia de
safados que estão na imprensa querem que seja brega. O Jô Soares pode levar o
político que quiser, pode falar que a Marta usa calcinha vermelha que ninguém
se incomoda. Agora, pô, eu não posso trazer ninguém que dizem que estou puxando
o saco! O Maluf pediu uma cópia de um dos meus programas e usou na campanha.
Qualquer candidato poderia ter usado. Aí disseram que fiz campanha para ele.
Isso é uma baita sacanagem. Quem fez campanha aí foi o Gugu, que saiu em
desfile na rua para o (atual governador Geraldo) Alckmin. E não vi
ninguém criticar.
PLAYBOY
– E por que você acha que isso acontece?
RATINHO
– Primeiro por causa da origem social. A nossa discriminação é
social. O cara pobre tá fudido. E pobre não quer dizer o cara que não tem
dinheiro. Eu, por exemplo, continuo pobre, porque para ser rico tem que fazer
curso. Tem gente que tem muito dinheiro e não sabe ser rico, não gosta de
coisas de rico. Sou um exemplo disso. Tenho um dinheiro razoável, mas não gosto
de coisas de rico. Não gosto de ir a uma festa à luz de velas, onde tem
garfinho para lá e para cá, aquela frescura. Não gosto. Gosto de andar de iate,
tomar cerveja e pescar. (Ratinho acaba de comprar um iate de 38 pés que vai
ficar ancorado na praia de Itapema, em Santa Catarina, onde tem uma casa de
veraneio). Andar no iate e ficar olhando para o céu, não é comigo.
PLAYBOY
– Você não tem mesmo vontade de conhecer coisas novas, falar português melhor,
viajar?
RATINHO
– (Pensativo) Tenho. Nããão. Tenho. Não tenho a
vontade de virar apreciador de vinhos. Gosto da minha vida como ela é. Se puder
ampliar meus conhecimentos, vou ampliando. Mas não vou me dedicar a isso.
PLAYBOY
– Por que não?
RATINHO
– Porque não quero. Não me faz bem. Tenho vergonha de
estar andando num carro zero e ver tanta gente passado dificuldade. Agora mesmo
fui ver minha mãe que está internada no hospital Alberto (Albert)
Einstein, e vi todo o cuidado que estão tendo com ela. Sabe, gostaria que todos
os hospitais públicos do Brasil tivessem o que ele está tendo. Me sinto mal em
querer não me mostrar. Depois os caras vão falar: “Ih, tá querendo aparecer!”
Não gosto desse título de novo-rico. “Fico andando com Jaguar porque quero
aparecer”. O Ratinho foi no restaurante Fasano, pagou 150 conto (sic) numa
refeição’. Não gosto de aparecer desse jeito, não faz bem para mim. Em respeito
à minha origem. Acho uma puta sacanagem! E também já sei o que esses caras
estão nesses lugares pensam de mim. Eu vou lá para ser o objeto de diversão
deles.
PLAYBOY
– Por quê acha isso?
RATINHO
– Eu noto. Não estou generalizando. É uma minoria, lógico. Tem gente
muito rica, do tipo (empresário) Antônio Ermírio de Moraes, que, quando
me encontrou, me abraçou com carinho, com respeito. O Roberto Carlos gosta de
mim, o Geraldo Alckmin assiste meu programa.
PLAYBOY
– Mas você, rico, é mais bem aceito, não?
RATINHO
– Ah, não tenha dúvida. Mas você vê: não sou convidado para festa
nenhuma, para o camarote da Brahma e acho que isso é uma discriminação. Sou um
cara extremamente popular. Se eu falar que tomo Brahma, aumento a venda da
Brahma. Tenho certeza. Tudo bem, compro o meu camarote e assisto com a minha
família. Mas é evidente que me sinto discriminado. Não sou convidado para ir em
baile nenhum, sou rejeitado das festas. A Coca-Cola fez uma puta festa no Rio,
convidou todos os artistas do SBT. Todos. Menos eu. O Gugu e a Hebe são
convidados para tudo quanto é festa. Eu não. É que eu sou meio bregão, né? Ah,
é também sei lá se eu ia me sentir bem, né?
PLAYBOY
– Por quê?
RATINHO
– Ah, prefiro não ir. Talvez seja medo. Daí eles já
batem fotografia “Ah, o Ratinho com a fulana de tarrr”. Já começam a inventar
namorada para mim, é complicado isso.
PLAYBOY
– Mas você tem que admitir que a imprensa deu uma trégua...
RATINHO
– Deu, acho que em função da mudança do meu programa. A imprensa
entendeu que eu mudei. E acho que o programa mudou para melhor. A audiência
continuou a mesma, melhorou até. E também o público se acostumou. Sou uma
realidade na televisão brasileira. Boa ou ruim, sou uma realidade. O que a
imprensa esquece é que o único programa que disputa om o melhor produto da
Globo, a novela, é o meu. Gostaria de ver o programa do Gugu disputando com a
novela às 8h da noite, o Show do Milhão disputando com a novela. É a
coisa mais difícil do mundo. Olha que a Record, depois que eu saí de lá, já
colocou 14 atrações e não faz ponto no ibope. Porque aquele horário é difícil.
O mesmo público que vê a novela vê o meu programa. Tanto que, no fim da novela,
meu programa está com 16, 17 pontos. Depois que ela termina, depois de cinco
minutos, minha audiência vai imediatamente para 25, 26. Então, não tem
diferença do meu público para o público da Globo.
PLAYBOY
– Você brigou com as gravadoras?
RATINHO
– Eles fazem um monte de exigências. Gravadora não manda aqui, não
paga meu salário, não faço “jabá”. O padre Marcelo vai lançar disco e vai em
tooooodos os programas. Primeiro no Faustão, depois no Gugu. Ah, agora mudou
porque o Faustão está perdendo. Então vai no Gugu e depois no Faustão. Depois
vai na Hebe... O último programa que ele vem é o meu. O povo já está até
enjoado do disco. Então, cortei. Se for pra vir só para lançar o disco, é
melhor que não venha. Ele entrou na mesma linha dos cantores. Já o padre
Antônio Maria vem á hora que quiser porque está sempre à nossa disposição. O
Ciro Gomes não quis vir. Pô, acho uma chateação. Esse cara já foi em tudo que é
programa! E não veio no meu por quê? Acho difícil vir mesmo. Até reconheço.
Peguei o Lula e esmaguei o Lula. Só que o Lula é inteligente e se saiu bem pra
cacete.
PLAYBOY
– Um instante. Não venha dar uma de durão. Com o governador do Rio, Anthony
Garotinho, e com o ex-senador Antônio Carlos Magalhães, você foi um doce. Não
pressionou.
RATINHO
– Não e explico por quê. Para começar, tenho uma enorme dificuldade
de trazer políticos no meu programa porque todos eles têm receio de que eu faça
justamente essas perguntas. De que me adianta trazer um político só? Não é um
programa de debates para apertar ninguém. O ACM para vir no meu programa fez
uma porrada de exigências. Queria saber o que eu ia perguntar, quem ia colocar
no painel. Até entendo. O cara vem para ser constrangido? Eu também não iria.
Se apertasse o ACM aqui com o tema do Nordeste, deixava ele no chão. Não é esse
o objetivo. Apesar de que a gente ia apertar mais, mas começou a cair muito a
audiência. A gente saiu de 15, esperava passar dos 20 e ficou nos 19. (Ratinho
para falar “meio em off”. “Mas falar em off numa entrevista dessa é besteira,
mesmo!, conclui. O apresentador diz que ACM havia chorado no programa do Raul
Gil, e por isso não quis apertá-lo muito. Parece sensibilizado.) Aqui entre
nós, eu nunca quis falar para ninguém, mas é o que penso: acho que o ACM tinha
de perder, já perdeu. Como tenho filho de 20 anos, eu sei. A vida para ele não
tem mais importância. Perdeu uma filha que se suicidou, um trauma e depois esse
filho (o ex-deputado Luiz Eduardo Magalhães, morto aos 43 anos, de infarto,
em abril de 1998). Era o xodó, estava sendo preparado para ser presidente
da República e de repente acontece a fatalidade.
PLAYBOY
– Os artistas também fazem exigências?
RATINHO
– Dos artistas, não reclamo. Encontro aí alguns que não querem, como
o Martinho da Vila, mas a maioria quer vir. Para ir na Globo, no Luciano Huck,
que dá 11 no Ibope, eles deitam no chão, se sujam de barro. O meu dá 23, 25
pontos. A última vez que o Leonardo esteve aqui, deu 33 pontos. O cara não vem
só cantar no programa. Ele toca bateria, brinca, participa do DNA. Ajuda a
audiência.
PLAYBOY
– E as histórias inventadas que pôs no ar como se fossem reais?
RATINHO
– Quando nós começamos aqui no SBT, naquela ansiedade,
tínhamos pouca gente trabalhando. Pedi para o pessoal das caravanas nos avisar
dos casos que encontrassem. E avisei que a gente ganha cachê. Eram produtores
avulsos. No começo foi bem. Depois eles começaram a inventar os casos. E nós
não sabíamos se era verdade ou não. Tem gente que é ator, né?
PLAYBOY – E vocês não verificavam?
RATINHO
– Não, e essa era a nossa falha. Começamos a checar depois que a Folha
de S. Paulo denunciou. E para nós foi ótimo. Foi terrível para o programa.
Mas tenho uma clareza muito grande, eu expliquei no ar. Falei: “Esse caso foi
inventado, não pela produção, mas pelas pessoas que vieram aqui”. Hoje, se
percebe que o caso é inventado, mando todo mundo embora. No ar. Já fiz isso
umas dez vezes. Porque eu noto: “O cara tá brigando com outro e dando risada?”
Não pode!
PLAYBOY
– Você é assediado na rua?
RATINHO
– Ah, o povo vem me abraçar. Não me vê como Xuxa, nem como o Gugu.
Me vê como um igual, e ao mesmo tempo como herói.
PLAYBOY
– Muito diferente de alguns anos atrás, de sua infância pobre no interior do
Paraná. Você passou fome?
RATINHO
– Não. Meu pai sempre foi trabalhar. Se não tinha carne, a gente
comia ovo. Minha mãe tinha cabrita, então nunca faltou leite. Passei um período
difícil quando saí da casa do meu pai, aos 14 anos. Ele achava que eu tinha de
trabalhar de pedreiro, como ele, mas eu gostava de ser palhaço. Então todo
circo que ia na cidade queria me levar embora. Um dia fui. Circo não dá
dinheiro. Nem o dono ganha dinheiro. É uma fome desgraçada.
PLAYBOY
– E quando é que você lavou cadáver?
RATINHO
– Voltei para a minha cidade e comecei a vender produto
em feira. Sempre fui bom de venda, de prosa. Os donos da funerária eram meus
amigos. Pediam ajuda e me davam um dinheirinho. Eu era corajoso. Nunca fui
funcionário. Tinha dez empregos de cada vez. Sempre fui picareta, no bom
sentido. Trabalhava no açougue do seu Reciarte, descarregava caminhão de açúcar
para o armazém, entregava carne para outro açougue, ajudava a matar boi no
matadouro, no domingo trabalhava na feira, no sábado fazia teatro. Nunca tive carteira
de trabalho, gosto de trabalhar por comissão.
PLAYBOY
– Como você começou a ganhar dinheiro?
RATINHO
– Quando comecei a fazer televisão lá no Paraná estava
muito difícil de vender comercial. Um dia fui numa imobiliária vender alguma
coisa e o dono abriu o jogo: “Seu programa não está bom ainda”. O cara foi
sincero. Aí propus um acordo: “Posso vender seus lotes no meu programa e você
me paga uma comissão”. Ele me deu uma comissão de 5%. Juntei dois amigos que
estavam fudidos, desempregados e chamei para trabalhar. Fui lá, filmei os
lotes, e comecei a falar. No primeiro dia vendi cem lotes. O dono da
imobiliária quase caiu do burro. Quis me pagar em cheque. Não deixe. Disse:
“Você não confiou em mim, também não vou confiar em você. E tem mais, vou parar
de vender seus lotes! Quero 10% da comissão”. Foi assim que levantei. Fui
arrumando produtos. Eu mesmo comprava o produto, eu mesmo entregava.
PLAYBOY
– É por isso que você tem uma fábrica de tintura para cabelos?
RATINHO
– É. Esse produto, conforme você vai passando, deixa o
cabelo com a cor natural. E realmente é bom. Tanto que eu quis pegar a
representação para o Paraná. Depois de muita insistência, o dono do produto
acabou me dando a representação. Mas começou a vender por fora do nosso acordo.
Fui numa fábrica e mandei fazer um produto igual ao dele e pus o meu nome. Fiz
o mesmo produto com outro nome. A fórmula é a mesma, né? Hoje tenho essa
fábrica de cosméticos.
PLAYBOY
– Você quer um canal de TV?
RATINHO
– Quero ser empregado do Sílvio Santos o resto da minha vida. É o
melhor patrão que existe no mundo: paga bem e não cobra nada. (Espanta-se.)
Pelo menos de mim nunca cobrou. Nem fala comigo. Quando comenta, me chama lá
para me ajudar, para me orientar. E não tô fazendo média porque meu contrato
vai até 2004 e ele não pode me mandar embora. A multa é muito alta. Tudo o que
passo com a mídia ele também já passou. Falavam que ele era careca, depois que
ele comia a Sula Miranda... Ele sabe que isso passa. Por isso não dá
entrevista.
PLAYBOY
– Quantos processos você tem?
RATINHO
– Uma porrada. De difamação, injúria, devo ter uns 70, 80. (Hoje
há nove processos em andamento, um deles movido por Jorgina de Freitas
Fernandes, a maior fraudadora do INSS, a quem Ratinho chamou de “biscate”.)
Processo-crime não tenho e até agora não fui condenado. Às vezes as pessoas se
sentem ofendidas. Mas esses processos são de dois, três anos atrás.
PLAYBOY
– Por quê? Você agora não fala mais mal de ninguém?
RATINHO
– Diminuí muito o ritmo. Tomo cuidado para não ser
processado. Não quero levar uma condenação.
PLAYBOY
– Você anda contido?
RATINHO
– Acho que sim. Não preciso mais fazer o que fazia antes para ter
audiência.
PLAYBOY
– E o que você fazia?
RATINHO
– Era mais brabo. Falava mais palavrão. Com o tempo, fui vendo que
aquilo estava caindo de moda e que brincadeira dá mais audiência.
PLAYBOY
– Mas amanhã você volta a ficar bravo se der mais audiência?
RATINHO
– Não, aprendi bastante. Mas também não acho que meu programa tenha
que educar ninguém. Quem tem que educar é o pai, a escola.
PLAYBOY
– Você sempre pede ajuda de políticos no seu programa?
RATINHO
– Peço muito pouco, sabe? Porque toda vez que você
pede, fica com um compromisso.
PLAYBOY
– Mas teve o episódio com o ex-ministro Íris Rezende. (Em março de 1998,
Ratinho prometeu fazer campanha para Rezende se ele capturasse o militar
aposentado Francisco Costa Carvalho, acusado de ter estuprado, torturado e
mutilado – furando os olhos, cortando a ponta das orelhas e da língua – a dona
de casa Adileuza Ramos Ponte).
RATINHO
– Falei no ar que se ele ajudasse, eu o ajudaria na
campanha. E ajudei. Fui lá e fia a campanha pra ele.
PLAYBOY
– E você acha certo esse toma-lá-dá-cá?
RATINHO
– O negócio é o seguinte: se dei a palavra, tenho que
cumprir. Fui já como artista, não como político. Posso fazer show, levo meu
Timor Leste (é como Ratinho se refere aos seus “ajudantes de palco”:
Azeitona e Caroço, Marquito, Xaropinho e Tonico, os anões Tatu e Joaquim, o
bailarino e o Bola 7) e faço. Como Chitãozinho e Xororó. Mas quando tenho
um amigo na política e sei que é bom, ajudo sim. Ajudei mais de 20 prefeitos,
amigos meus.
PLAYBOY
– Ajudou como?
RATINHO
– Lá em Jandaia do Sul (no Paraná) paguei a
campanha do meu bolso. O candidato se elegeu com 85% dos votos. Na Lapa (também
no Paraná), onde o prefeito é irmão do nosso diretor, o Furiatti, esse que
eu falei que não sabe fazer porra nenhuma, eu fui, fiz comício, pus dinheiro.
PLAYBOY
– Mas o que você ganha?
RATINHO
– Nada. A satisfação pessoal. São cidades pequenas.
Gosto de participar, de ver pesquisa, dos conchavos políticos, gosto desse jogo
de poder. Mas não indico secretário.
PLAYBOY
– Então você continua participando da política?
RATINHO
– Não quero ser candidato. Não sei ser político, mas adoro política.
Meu filho (Juninho, 20 anos, o mais velho. Os outros filhos são gêmeos
Gabriel e Rafael, 16 anos), por exemplo, diz que vai ser candidato a
deputado estadual. É evidente que serei o primeiro a ir no palanque. No meio de
tanto vagabundo? Meu filho tá com a situação financeira resolvida. Tem a rádio
Eldorado (em Curitiba), um televendas e não depende de mim. Não precisa
ser corrupto, ladrão. Sei que é um menino bom, religioso, obediente, sério, por
que vou falar que não? Ou você vai para a democracia e participa, ou entrega
para o general. Não tem um terceiro caminho. Eu tenho lado.
PLAYBOY
– Que lado é esse?
RATINHO
– Eu, por exemplo, sou contra a Marta (Suplicy,
prefeita de São Paulo, do PT). Até agora fez tudo que os outros já faziam:
deu aumento para os cargos que já ganhavam bem, deixou a massa de funcionários
ganhando mal. Igual aos outros.
PLAYBOY
– De onde vem essa antipatia?
RATINHO
– (Enigmático.) De posições.
PLAYBOY
– É ideológico?
RATINHO
– Não é tão ideológico. Você conhece as pessoas quando se encontra
com elas. A Marta participou de um debate na MTV com meu filho (Juninho).
Na época, ele tinha 16 anos, tão logo que eu vim para São Paulo, quando
começaram a dar pau no meu programa. Em vez da Marta falar mal dos programas
que queria criticar, não. Pegou meu filho para Cristo. “O programa do seu pai é
uma baixaria, o seu pai é isso, aquilo”. O moleque ficou acuado. Quem não
conhece e acha que a Marta é poderosa (Exalta-se). Essa mulher não é
democrática. Batesse em mim! Aquilo me magoou muito.
PLAYBOY
– Mas a Marta é do mesmo partido do seu amigo Lula (Luiz Ignácio Lula da
Silva, presidente de honra do PT). Aliás, de onde vem essa amizade?
RATINHO
– Eu liguei para ele. Queria saber sobre a caravana da cidadania,
quais eram os Estados para onde poderia mandar minha equipe para fazer
trabalhos sociais e tal. Ele veio almoçar em casa. Foi quando conheci um Lula
diferente do político. Já tinha admiração por ele desde 1980, pela coragem que
ele teve de juntar todo mundo e dizer: “Vamos para o pau”. O Lula gosta do
Brasil, gosta do povo. Não estou fazendo campanha e nem disse que vou votar
nele. Estou dizendo que o Lula gosta do Brasil. Se vai ser um bom presidente,
não sei. Ficamos amigos. Tomamos cachaça juntos. Ele tem umas cachaças de Cuba
que não dá para ninguém. Eu vou na casa dele e tomo.
PLAYBOY
– E quando vocês se encontram, falam só de política?
RATINHO
– De política, contamos “causos”, eu meto o pai na
Marta, no Pedro Caroço (o presidente do PT, José Dirceu. Uma vez, Dirceu
arrumou uma namorada em Cruzeiro D´Oeste, no Paraná, que era dona de uma
butique. O apelido vem da música de Genival Lacerda: Pedro Caroço está de olho
na butique dela). Ele defende, e assim vai.
PLAYBOY
– O merchandising ainda é sua maior fonte de renda?
RATINHO
– É.
PLAYBOY
– E quanto você ganha?
RATINHO
– Ah, tudo dá aí um total em torno de 2 milhões e meio, 3 milhões de
reais por mês. Sou um palhaço que deu sorte. Talento, um monte de gente tem,
mas não chega lá. Agora vou tirar toda a modéstia que tenho. Acho que fiz tanto
bem para as outras pessoas sem esperar nada em troca. Se você for em Marumbi,
em Jandaia do Sul, vai ver a quantidade de gente que internei no hospital. “Ô
Ratinho, vou consertar minha casa, me ajuda?” “Claro”. De graça. E acho que
Deus compensando a gente. Nunca pensei muito em dinheiro, não.
PLAYBOY
– Bom, eu também não seria louca por dinheiro se ganhasse 2 milhões de reais
por mês...
RATINHO
– Mas, veja bem. Tem gente que ganha 2 e quer 5. Tem
gente que ganha 5 e quer 20. O Onassis (Aristóteles Onassis, armador grego
que acumulou a fortuna de 1,5 bilhão de dólares), por exemplo. Eu não. (Irônico).
Ganho bem para trabalhar aqui, mas se o Sílvio disser que não pode me pagar
nada, continuo trabalhando. Bem, se chegar outra televisão e me pagar, vou para
outra emissora. (Risos).
PLAYBOY
– Qual seu sonho de consumo?
RATINHO
– Não tenho. Meu avião (bimotor Turboélice King Air,
avaliado em 2,3 milhões de dólares), por exemplo, é um instrumento para a
minha fazenda no Mato Grosso do Sul. De carro, poderia ir uma vez a cada seis
meses. De avião, levo 1 hora e 40 minutos. Mas viveria sem ele. Traria a mulher
para morar aqui e ainda dava uns pés-de-ouvidos nela, de vez em quando. (Risos.)
PLAYBOY
– Qual é seu patrimônio?
RATINHO
– Não sei. Tem uma empresa que cuida. Toda
segunda-feira de manhã cuido disso. Tenho um patrimônio de perto de 100
milhões, por aí.
PLAYBOY
– De reais?
RATINHO
– De dólares.
PLAYBOY
– E a BMW igual à do James Bond, Não foi um sonho de consumo?
RATINHO
– A Z3? Essa eu ganhei numa aposta. Apostei com os promotores do
0900. Eu era só o apresentador. Eles falaram: “Nós vamos dar uma BMW para os
participantes, mas você precisa receber pelo menos 400 000 ligações no programa
para compensar”. Eu disse: “Se 500 000 pessoas ligarem, eu ganho mais uma?” Foi
assim que ganhei.
PLAYBOY
– E você dirige o carro?
RATINHO
– Ando com ele. Tenho uma BMW e um Lincoln.
PLAYBOY
– Igual ao do patrão?
RATINHO
– O meu é mais bonito. O dele é velho. Gosto do Lincoln, Meus filhos
ficam de olho na BMW, mas não deixo pegar.
PLAYBOY
– Você é bom de briga?
RATINHO
– Ah, faz tempo que não sou provocado. Tem uma briga
inesquecível. Foi na inauguração da igreja de Marumbi que meu pai, como
pedreiro, ajudou a construir. Eu tinha 9 anos e era coroinha. Como não tinha
sapato preto, pintei um Sete Vidas, de lona. Eram 46 coroinhas e assim que
cheguei eles já começaram a tirar arro. Aí tinham muitas andorinhas voando
dentro da igreja. Uma filha da puta cagou na minha batina. Claro, um coroinha
começou a contar para o outro. Eu era quase o último da fila. O povo da igreja
começou a notar e todo mundo riu. Não aguentei. Arranquei o sapato e comecei a
quebrar o pai dentro da igreja, na hora da missa. Era murro, pontapé e soco.
Meu pai, um homem forte, me pegou pelo braço e me levou embora. Me deixou no
quarto e falou: “Fica aí que eu já venho te bater”. Fiquei esperando. Depois
ele desistiu: “Foi muito certo o que você fez, só que fez no lugar errado.
Igreja não é lugar de brigar. Esperasse terminar a missa e depois quebrava o
pau com quem começou a gozação”.
PLAYBOY
– Você apanhava muito?
RATINHO
– Não. Acho que apanhei uma vez porque não sabia nadar
e fui num lugar que era muito fundo. Ele me deu um tapa na bunda muito
fraquinho. Meu pai era muito parecido comigo, era mais de beijar e abraçar.
PLAYBOY
– Você gosta de viajar?
RATINHO
– Não muito. Fui, por exemplo, às ilhas do Caribe. É bom de ver uma
vez. Mas se me convidarem de novo, não vou. Fui para os Estados Unidos umas
duas vezes e para Paris na época da Copa. Achei uma merda. Prefiro ir lá no Bar
do Padre (no bairro do Cajuru, em Curitiba) onde só tem bêbado e corno e
faço parte da turma dos cornos. Prefiro tomar cachaça com meus amigos do que ir
para Nova York. Queria conhecer a Holanda, Portugal. Mas depois de três, quatro
dias já quero ir embora.
PLAYBOY
– Tem algum hobby?
RATINHO
– Gosto de pescar. Duas vezes por ano a gente contrata um barca,
sobre o Rio Corumbá. Gosto de ir na minha fazenda, matar carneiro, fazer
churrasco com os amigos.
PLAYBOY
– O que você lê?
RATINHO
– Não tenho paciência. Mas quando um nego fala de um livro e eu pego
para ler, não paro. Agora estou terminando Operação Cavalo de Troia, de
J.J. Benitez. Gostei, o cara volta e vê Jesus. Eu leio muito jornal. Estadão,
Folha, Agora, Diário Popular, Jornal do Brasil, O
Globo, Gazeta do Povo, Estado do Paraná, Folha do Paraná,
A Crítica, de Manaus. Gosto de Jornal.
PLAYBOY
– Você vai ao cinema?
RATINHO
– Vou. Gosto de comédia, de ação. De terror não assisto de jeito
nenhum. Assisti a uma cena só daquele O Exorcista e nunca mais. Odeio.
PLAYBOY
– Ficou com medo?
RATINHO
– (Enfático.) Tenho medo de assombração, do
sobrenatural. Durmo com luz acesa, televisão ligada. Não suporto escuro. Tenho
medo que um cara que já morreu apareça para mim. Meu pai contava aqueles
“causos” na roça. A gente sentava na beira do terreirão de café e ele dizia: “O
fulano de tal apareceu para o outro fulano depois que morreu e falou tal
coisa”. Essas coisas dão uma... (Pausa.) Não tenho medo de macumba, não.
Mas se vou entrar no primeiro, primeiro acendo a luz, daí eu entro.
PLAYBOY
– Como você conheceu a Solange (esposa do Ratinho há 23 anos) ?
RATINHO
– Ah, foi coisa de interior. A gente morava em Jandaia
do Sul (PR). Na Praça do Café tinha uma fonte luminosa, tocava música no alto-falante
e as pessoas ficavam passeando.
PLAYBOY
– Era o footing.
RATINHO
– Que que é footing?
PLAYBOY
– A caminhada, a paquera.
RATINHO
– É, a paquera. De noite, a música tocando, aquela coisa antiga, mas
muito saudável. Ela era muito bonita. Eu falava: “Mas que crentinha gostosa!”
Ela ficava braba. Ela é testemunha de Jeová. E tinha raiva, me xingava. Um dia
parei de brincar. Ela estranhou e acabou gostando de mim.
PLAYBOY
– E os pais dela permitiram?
RATINHO
– Ela já tinha mais de 20 anos quando a gente começou a
namorar. Evidentemente que algumas pessoas da religião dela reagiram, achavam
que eu era mulherengo. Mas isso era uma mentira deslavada porque eu era tão
feio que não conseguiria namorar. Os irmãos também não queriam. Com o tempo, as
coisas mudaram. Hoje, a relação é maravilhosa.
PLAYBOY
– Você se converteu?
RATINHO
– Não, porque eu gosto de política e os testemunhas de
Jeová não.
PLAYBOY
– E como é a convivência?
RATINHO
– Nós não se (sic) metemos na religião um do outro.
PLAYBOY
– Você vai às festas da igreja?
RATINHO
– Ah, sim, sempre que posso. Meus filhos também são
testemunhas de Jeová. Eles vão à igreja desde pequenos e gostaram.
PLAYBOY
– Você é bravo com eles?
RATINHO
– Nunca encostei num filho. Gosto tanto dos meus filhos
que acho que eles têm vergonha de cometer um ato que eu não aprove. Tenho
filhos maravilhosos. Gosto de beijar, de abraçar. É o melhor caminho para
educar.
PLAYBOY
– Quantas namoradas teve?
RATINHO
– Umas cinquenta. Naquele tempo não namorava muito.
Nunca larguei namorada minha, é bom deixar claro. Sempre elas que me largaram.
Elas largavam porque eu era meio feinho. Feinho e pobre é uma bosta, viu? (Risos.)
PLAYBOY
– Como foi sua primeira vez?
RATINHO
– Me lembro vagamente. Foi com aquelas mulheres, biscates de rua. A
molecada se juntava para trepar. Pagava. Como fui na sopa, o último, pagava
mais barato. Tinha uns 16 anos.
PLAYBOY
– Você já broxou?
RATINHO
– Não que eu me lembre. Até porque nunca fui assim, muito metelão.
Naquele tempo, namorada não dava não, comadre. É louco? Dá agora. Tinha que
comer biscate, ir na zona.
PLAYBOY
– Outro dia duas meninas chegaram para assistir o seu programa e comentaram:
“Como o Ratinho é bonito”. Você é assediado?
RATINHO
– Não, não sou. Elas gostam do programa, do
apresentador, não da pessoa. Trato todo mundo igual. Por isso, acho que
dificilmente uma pessoa chegaria com outras intenções. Tenho um medo desgraçado
da minha mulher. Outro dia saiu uma fotografia minha na revista Caras.
Fui num festival folclórico, a convite do Dante (de Oliveira, colega de
Ratinho na Câmara Federal e atual governador do Mato Grosso do Sul) e ele
pediu que eu dançasse com uma menina de 14 anos para aprender o tal do
rasqueado. O filho da puta do fotógrafo, lazarento, corno, colocou a fotografia
na revista Caras, depois na Contigo, depois na Tititi.
Minha mulher quase largou de mim. (imita, enfático.) “Você está me
enganando, me largou em casa e foi para a festa!” Até explicar foi uma semana
de briga.
PLAYBOY
– Você é do tipo que dá presentes, manda flores?
RATINHO
– Nunca fui. Se um dia me dá vontade de fazer um carinho na minha
mulher dou um beijo, um abraço, um dinheiro para ela comprar alguma coisa. Não
sei ser romântico. Nunca fui. Tanto que se começar a ser romântico agora, ela
larga de mim. Vai falar: “Esse filho da puta tem outra! Tá com dor na
consciência”.
Publicado originalmente na
revista “Playboy” em julho de 2001
Um comentário:
Na edição de março de 2012 Valentina, ex assistente de palco do programa do Ratinho, foi capa da revista Playboy.
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