sábado, 19 de março de 2016

A história da Boca paulista parte II: o auge


Por Alfredo Sternheim

Os filhos dos grandes estúdios

Já na ocasião da Palma de Ouro, no começo dos anos 60, estimulada pela obrigatoriedade da exibição do filme nacional através da reserva de mercado, a Boca se tornava de forma gradativa o centro do cinema paulista. Até mesmo um point de encontro. Naquele tempo, diretores, técnicos e artistas se encontravam em pleno centro da cidade, no Bar Porta do Sol, na Rua 7 de Abril, em frente ao extinto Diários Associados. Naquele prédio funcionava também a sala de projeção do Museu de Arte Moderna, que exibia clássicos como Intolerância ou A Carne o Diabo. Ou seja, naquela região que abrangia o Bar Tourist (com sua pizza brotinho, então uma raridade) conviviam os trabalhadores da indústria cinematográfica e figuras do movimento cultural, dos que enxergavam o cinema como arte. Inclusive os que formaram o Cineclube do Centro Dom Vital, entre os quais alguns futuros cineastas e críticos (Gustavo Dahl, Jean-Claude Bernardet, Carlos Motta, Alfredo Sternheim). Nesse sentido, era possível encontrar um eletricista tomando café ao lado de um intelectual como Paulo Emílio Salles Gomes e de um cineasta, como o inglês John Schlensinger, então pouco conhecido, que tinha vindo fazer palestras no Museu, sob o patrocínio da embaixada de seu país.

Mas não demorou muito e a classe cinematográfica passou a se concentrar no Bar Soberano, na Rua do Triunfo. Mas tarde, houve uma certa divisão amigável com o Bar do Ferreira, na outra calçada. Principalmente quanto o cafezinho da tarde.

Assim como os fornecedores de equipamento (o Honório, por exemplo, que até então estava na Rua Bento Freitas, também um point dos técnicos), as gráficas e os serviços necessários à distribuição e produção se instalavam na Boca. Ao mesmo tempo, surgiram também outros produtores, quase todos mais modestos que Massaini. É verdade que alguns almejavam voos mais altos. Caso da Paris Filmes, distribuidora criada por volta de 1957 e que, de certa maneira, ocupava o espaço que antes era da França Filmes. Ou seja, importava produções do cinema francês, títulos da Nouvelle Vague. A empresa tinha sócios como Sandi Adamiu (pai de Alexandre Adamiu, que depois liderou a empresa) e Alfred Cohen. Este, mais tarde, criou a Brasil Internacional, distribuidora exclusivamente dedicada à produção nacional e também co-produtora. Por volta de 1963, a Paris – que já estava na Rua Vitória, onde tinha uma boa sala de projeção em 35 mm – partiu para a co-produção com a Alemanha. Fez Convite ao Pecado e Mulher Satânica, sob direção de cineastas daquele país.

O fato é que lá o cinema nacional crescia por méritos próprios. E quase todos os que se lançavam à realização tinham os pés no chão, faziam filmes capazes de amortizar seus custos e ainda dar lucros apenas no mercado exibidor. Ainda não existia o vício do mecenato oficial que gerou tanto acomodamento criativo entre inúmeros cineastas do nosso país. Ainda não tinha surgido a Embrafilme.

A maioria daqueles que optaram por produzir chegaram precedidos de farta experiência nos grandes estúdios, como a Vera Cruz, a Maristela e a Multifilmes. Dessa empresa fundada em setembro de 1952 e com estúdios construídos em Mairiporã, na Grande São Paulo, veio seu produtor-geral, o italiano Mário Civelli, que já tinha passado pela Maristela. Ele foi o responsável pela concepção e execução dos filmes da Multifilmes, como Modelo 19 e Destino em Apuros, este mais ambicioso. Era a primeira realização em cores. Mas os fracassos foram sucessivos e em maio de 1954 a empresa formada por gente da indústria têxtil deixou de existir. Civelli, anos depois, abriu um escritório na Rua dos Gusmões, mas não se saiu bem, não logrou realizar a maioria dos seus planos.

Alfredo Palácios também veio dos grandes estúdios paulistas: a Maristela. Ele trabalhou na empresa criada pelo industrial Mário Audrá Júnior desde o início, em 1950 (um ano depois do surgimento da Vera Cruz). Nos estúdios erguidos no então distante bairro do Jaçanã, em São Paulo, Palácios não só cuidou da produção de vários filmes feitos na primeira fase (Simão, o Caolho, de Alberto Cavalcanti, por exemplo) como até escreveu diálogos adicionais para certas comédias (Suzana e o Presidente). Na segunda fase, quando a companhia, já no prejuízo, arrendava seus estúdios para outras produtoras, Palácios foi atuante na produção executiva de filmes como Mãos Sangrentas e Quem Matou Anabela, e ainda chegou a co-dirigir comédias como A Pensão da Dona Stela e Vou Te Contá.

Formado em direito, Palácios era dono de uma sólida cultura e tinha ideias avançadas para o cinema. Quando a Maristela acabou, por volta de 1958, ele prosseguiu de forma independente e dessa maneira permitiu uma inovação no nosso cinema: a série O Vigilante Rodoviário. Foram cerca de 37 episódios feitos para a TV Tupi, sob a direção de Ary Fernandes, que também havia trabalhado na Maristela, em especial na fase Kino Filmes (a produtora dos filmes de Alberto Cavalcanti) como assistente de produção.

A Servicine

Mas a proposta não vingou e, em 1968, já na Boca do Lixo, associou-se a Antonio Polo Galante e criou a Servicine. Galante também tinha passado pela Maristela. Primeiro como faxineiro, depois como eletricista e auxiliar de câmera, na época um trabalho pesado. Uma de suas obrigações nessa área era carregar os chassis de 300 metros das pesadas câmeras Mitchell ou Newall, o que exigia delicados cuidados. Mas tarde, quando os estúdios já não existiam, ele trabalhou nessa função de várias realizações, como A Ilha, de Walter Hugo Khouri. Durante as filmagens em Bertioga, em 1962, Galante disse com todas as letras que ainda seria um produtor. A afirmação foi recebida com descrédito pelos que lá estavam. Mas o tempo lhe deu razão e até mesmo Khouri fez alguns filmes produzidos por Galante.

Com a associação de duas personalidades, à primeira vista antagônicas, de formações culturais diferentes, a Sétima Arte saiu ganhando. A Servicine começou em 1968 demonstrando já que queria ser diferente ao possibilitar a realização de Lance Maior, que Sylvio Back tinha filmado em Curitiba, com Reginaldo Faria e Regina Duarte, já famosos. Mas o resultado das bilheterias foi péssimo.

O êxito financeiro só veio no ano seguinte com O Cangaceiro Sanguinário, dirigido por Osvaldo de Oliveira, técnico transformado em diretor pela vontade de Galante. Este, segundo declarou no documentário O Galante rei da Boca, de Alessandro Gamo e Luís Rocha, disse ter inspirado em Galante e Sanguinário, o western americano de Delmer Daves. Uma irônica coincidência no título do bangue-bangue de Daves, porque Galante não chegava a ser sanguinário, claro, mas era extremamente rigoroso com os diretores quanto a prazos e custos.

Essa sociedade, que tinha o refinamento e conhecimento de Palácios e a intuição impressionante do sócio, deu certo e assim a Servicine, de fato, permitiu inovação e arejamento de ideias no cinema paulista. Por isso, escritores como o amazonense Márcio de Souza e o paulista Marcos Rey, por exemplo, eram frequentadores do escritório da empresa, um velho sobrado da Rua do Triunfo, 150.

Aliás, a participação de Rey no cinema nacional é digna de estudos mais profundos. O consagrado cronista e autor de livros como Ópera de Sabão e Memórias de Um Gigolô colocou o seu talento em mais de 30 roteiros, quase todos encomendados por cineastas da Boca. Filmes como O Inseto do Amor, A Noite das Fêmeas, O Clube das Infiéis e muitos outros contaram com a sua participação. Só que, durante muitos anos, ele teve dificuldades em assumir essa fase. Temia as consequências do patrulhamento, conforme esclarece a sua biografia, Maldição e Glória, de Carlos Maranhão: “Não escondia, mas se não tocassem no assunto, ficava quieto. Nas entrevistas que dava, procurava passar por cima de suas incursões em tal atividade”. Apenas em 1997, dois anos antes de morrer, manifestou-se com orgulho a respeito em uma deliciosa crônica na revista Veja São Paulo. “Fui nada mais nada menos que o rei da pornochanchada. Este mesmo senhor, de cabelos brancos, que vos fala”, escreveu. “Quem quisesse encontrar-me no meio dos anos 70 bastaria passar pela Rua do Triunfo, ainda com ph em diversas placas, e facilmente me localizaria no Bar-Restaurante Soberano, tomando café em cálice. Eu e o Soberano éramos figuras referenciais no quarteirão”. Embora tivesse a necessidade de aceitar o maior número de roteiros para fazer, ele era extremamente generoso com cineastas que lhe pediam uma opinião, um conselho. Sou testemunha desse altruísmo, em duas ocasiões pude contar com o seu estímulo e saber.

Mas Marcos Rey não foi a única figura de peso intelectual que, mesmo tendo brilhado (e ainda brilhando) em outros campos, deu a sua colaboração ao cinema da Boca. Nessa lista pode-se incluir na área de roteiros e na direção os dramaturgos Lauro César Muniz e Dias Gomes, os críticos Rubens Ewald Filho e Inácio Araújo e os novelistas Antônio Calmon e Sílvio de Abreu. Araújo pegou gosto pela montagem quando foi fazer uma matéria para o Jornal da Tarde. Ele entrou em uma sala onde o consagrado editor Sílvio Renoldi (falecido em 2004) editava uma produção da Servicine. Aquela moviola parece ter exercido forte fascínio.

Jô Soares também andou pela Servicine, interessado que estava em protagonizar uma comédia na linha de Como Agarrar um Milionário, cujo roteiro havia sido co-escrito por Marcos Rey. Mas as negociações entre o conhecido apresentador, escritor e ator não avançaram e o filme acabou não sendo feito por lá.

Nessa empresa também, além de Sylvio Back e Osvaldo de Oliveira, diretores então iniciantes e com visões bem diversas (Guga, João Callegaro, Alfredo Sternheim, Líbero Miguel, entre outros) lograram fazer os seus primeiros longas-metragens. Mas havia algo em comum nessas realizações, uma norma que parecia ser imposta apenas por Galante, mas que tinha a total e silenciosa anuência de Palácios: o custo barato. Os filmes tinham que ser feitos em prazos curtos e com pouco negativo, que era o item mais caro de uma produção. Para se ter uma ideia, um dos filmes foi rodado com 18 latas grandes (300 m) de negativo, em apenas três semanas. A edição final precisava ter, no mínimo, 8 latas. Ou seja, na média, uma cena só podia ser repetida duas vezes e meia.

De certa maneira, a fórmula acabou não sendo exclusiva da Servicine. Nem de Galante e Palácios, que fecharam a empresa e partiram para trabalhos individuais a partir de 1976, poucos meses depois dos dois terem ido ao 4º Festival Internacional de Teerã, convidados do governo do Irã por serem responsáveis pela ambiciosa produção de Lucíola, drama de época adaptado do romance clássico de José de Alencar. Outros produtores, alguns até de forma mais exagerada, acabaram por adotar essa “receita econômica”.

Energia eclética

“Um grupo de aventureiros, verdadeiro Exército Brancaleone, se reuniu, [a sua maneira, em torno de um objetivo: pensar, produzir e fazer cinema. Um cinema pra ganhar dinheiro. Um cinema para atrair público. Um cinema para produzir bilheteria que permitisse produzir outro filme e manter essa indústria funcionando”. As poéticas observações do jornalista e crítico Edu Jancsz no site Fancine a respeito da Boca procedem. Lá se fazia um filme para, imediatamente, coloca-lo na tela e com esse dinheiro arrecadado já começar outro.

Mas, em meio da evidente intenção mercantilista, desde o início ficou claro que os realizadores que se instalavam na Boca, em sua maioria, buscavam certa independência criativa. Dessa maneira, e com a compreensão de muitos produtores – que raramente receberam da mídia a atenção que mereciam – foi possível o surgimento de diretores dos mais diversos estilos. Ao mesmo tempo em que um José Mojica Marins encontrava um clima favorável para o prosseguimento do seu peculiar cinema de terror, com Zé do Caixão como figura central, Ozualdo Candeias logrou fazer a sua curta e peculiar filmografia louvada até no exterior. Um culto e elegante Luiz Sérgio Person, que estudou cinema na Itália, não se acanhou em ir para a Boca.

Por outro lado surgiram jovens recém-saídos de diversas formações. Como Rogério Sganzerla e Antônio Lima, já falecidos. Alfredo Sternheim, João Callegaro e Carlos Reichenbach. Este recorda: “Foi em 1966. Eu cheguei à Boca junto com o Callegaro e outros estudantes da Escola Superior São Luiz para tentar conseguir algum estágio em alguma produção. Quando fui realizar meu primeiro curta-metragem, Essa Rua tão Augusta, produzido pelo Person (que era professor na São Luiz), ele nos levou (eu e a equipe do curta: entre outros, Enzo Barone, Sylvio Bastos e Hideo Nakayama) para a sua empresa produtora, que ficava numa sala cedida pelo Mário Civelli dentro de sua distribuidora, na Rua dos Gusmões. Lá ficamos conhecendo o Osvaldo Oliveira e o Glauco Mirko Laurelli, respectivamente, colaborador e sócio do Person”.

Foi em seguida à chegada de Reichenbach que surgiu na Boca um movimento, o Cinema Marginal. Era mais intelectual, tinha intenções de ir contra o convencional, a ditadura militar que então governava o País. Aconteceu entre 1967 e 71. “Os neófitos confundem os dois movimentos (Cinema Marginal e Cinema da Boca do Lixo) que, na verdade, foram dois momentos”, lembra Reichenbach. Ao seu ver, o término do Cinema Marginal deu-se com a proibição, pela Censura Federal, de Orgia ou O Homem que Deu Cria, do hoje escritor João Silvério Trevisan, e de República da Traição, de Carlos Alberto Ebert. Por sinal, ambos fizeram apenas esses filmes. Frisando que o movimento reunia jovens recém-saídos da Escola Superior de Cinema São Luiz (na tradicional escola da Avenida Paulista), do Foto-Cineclube Bandeirante (também São Paulo) e do Festival JB-Mesbla, no Rio de Janeiro, o cineasta diz que “o Cinema Marginal era uma resposta sessentaoitista (68) ao Cinema Novo, ao eleger o underground e o Cinema B americano, a Nouvelle Vague e cineastas formados pela vida como Candeias e Mojica Marins como modelos e ícones”. Na sua opinião, em certo momento o Cinema Marginal e o Cinema da Boca do Lixo se confundiram por volta de 1969. Daí, talvez, o enfoque equivocado de muitos.

Reichenbach lembra que foi a partir de uma entrevista à extinta revista Manchete, concedida por seu colega Antonio Lima, que surgiu a designação Cinema da Boca do Lixo. Nem todos gostaram. Mas ficou. “Acho que a denominação nunca foi depreciativa. Era estigmatizante, mas funcionava quase como uma grife”, opina agora João Callegaro, um dos diretores de As Libertinas, ao lado de Reichenbach e Lima.

Essa recepção aos “garotos” enturmados com Reichenbach é apenas uma das provas da natural e fraterna diversidade que reinava na Boca. Perguntado sobre aspectos daquela fase, o cineasta Sebastião de Souza lembra, “em primeiro lugar, a camaradagem, isto é, as pessoas se envolviam nas filmagens dos amigos de forma pontual, nas ideias, nos roteiros, nos empréstimos de materiais, nas pontas e figurações dos filmes. Desta forma, foi criada uma relação de amigos. Em segundo lugar, uma forma estética muito mais livre de fazer cinema por causa dos baixos custos, a criatividade era mais importante”.

Existia, de fato, um caráter democrático, como lembra Callegaro. “Se a sua ideia fosse minimamente comercial, você conseguia um apoio de produção. Os custos eram baixos e os produtores, picaretas e ingênuos. Se vislumbrassem uma pequena possibilidade de lucro investiam. Pouco, mas investiam. Mesmo que entrassem com equipe, equipamento ou custos de laboratório”.

Por isso foi que, de lá, surgiram filmes iconoclastas (A Mulher de Todos) como épicos políticos (A Guerra dos Pelados), melodramas politizados (Paixão na Praia), faroestes (Lista Negra para Black Metal), ambiciosas adaptações literárias (A Madona de Cedro, O Guarani), dramas existenciais (O Último Êxtase), aventuras de cangaço (Lampião, Rei do Cangaço), suspense (A Noite das Fêmeas, O Estripador de Mulheres), comédias sertanejas (Luar do Sertão, Mágoas de Caboclo), e principalmente comédias maliciosas (Lua de Mel & Amendoim, Os Garotos Virgens de Ipanema, A Virgem e o Machão)...Enfim, os mais diversos gêneros tinham vez graças também à energia e tino comercial de produtores que não ambicionavam dirigir. Caso dos já citados Alfredo Palácios, Antonio Galante, Alfred Cohen, Cyro Carpentieri Filho, Manuel Alonso, Mário Civelli e Oswaldo Massaini, e de Adone Fragano, Miguel Augusto Cervantes, Cassiano Esteves, Elias Cury Filho, J. D Ávila, Renato Grecchi, Rubens Regino e outros que se concentravam exclusivamente na produção e na mecânica de lançamento.

Nessa área, entravam os acordos com o exibidor. Ou seja, vendia-se uma parte do filme para um ou mais donos das três empresas proprietárias dos cinemas de São Paulo que tinham, trimestralmente, de cumprir a reserva do mercado. Nada melhor do que fazer com filmes que tinham as suas participações. No documentário Galante – O Rei da Boca, seu protagonista sintetiza bem essa mecânica: “Eu vendia os filmes praticamente só no título. Eu chegava neles e dizia: Vou fazer um filme chamado...Filhos e Amantes. È bonito? É. O exibidor dizia: O filme é meu. Era feito um contrato e eu saia com promissórias. Não era dinheiro, eles nunca tinham dinheiro. Eu pegava as promissórias, jogava no banco. Tinha crédito e pegava o dinheiro para fazer o filme”.

Mas havia também um cinema nacional em São Paulo correndo por fora da Boca. É verdade que alguns nas imediações. Caso do comediante e produtor Mazzaropi, que tinha escritório no Largo do Paissandu, e do ator, diretor e produtor David Cardoso, cuja empresa, a Dacar, ficava nos Campos Elíseos, a cerca de um quilômetro da Rua do Triunfo, onde ele ia buscar técnicos e artistas.

E havia a Vera Cruz, então arrendada aos irmãos Walter e William Khouri, que produziam filmes de Walter e de outros diretores, como Roberto Santos, Arnaldo Jabor e Durval Gomes Garcia. Um grupo no bairro da Vila Madalena começava também a dar seus primeiros passos.

A presença do erotismo

É verdade que, em sua maioria, esses cineastas se curvavam ao erotismo. Embora existisse o risco de um filme ser cortado ou proibido pela Censura Federal que, sob a ditadura militar, não tinha normas e nem permitia defesas, o produtor insistia quase sempre em colocar um apelo erótico. Mas isso não era uma prerrogativa da Boca. O cinema feito no Rio também insistia na sexualidade. Basta ver a lista das realizações cariocas naqueles anos: Quando as Mulheres Paqueram, Como era Gostoso o Meu Francês, A Viúva Virgem, Com as Calças na Mão, Condenadas pelo Sexo...Títulos maliciosos dos mais inspirados.

Porém, é preciso constatar que o erotismo não era um defeito, uma imoralidade. Apenas uma fórmula para satisfazer o gosto popular. Afinal, o cinema nacional se auto-sustentava, o mecenato oficial era leve, pequeno. Nada mais natural do que ir ao encontro da preferência do público. Se o forte do cinema de Hollywood era as armas, as perseguições de carros, o nosso era a sexualidade, algo que já vinha desde a época do teatro de revista, nos anos 40, quando Virgínia Lane, Mara Rúbia e muitas outras preenchiam o imaginário dos homens brasileiros.

No nosso cinema, elas foram substituídas por outras deusas. A maior de todas continua sendo Vera Fischer. A Miss Brasil de 1969, que estreou nas telas em 1972 em Sinal Vermelho – As Fêmeas, de Fauzi Mansur, se sobrepôs aos preconceitos que a cercavam. Hoje, já tendo passado dos 50 anos de idade, é uma bela e respeitável atriz na TV e no teatro, mantendo seu carisma.

Outras belas e sensuais mulheres capazes de atrair o público (masculino) surgiram. Caso de Helena Ramos, que a partir do extraordinário sucesso de Mulher Objeto, transformou-se em uma das estrelas mais caras do nosso cinema. Desnudando-se para as câmeras atuaram também Adele Fátima, Aldine Müller, Angelina Muniz, Claudete Joubert, Marlene França, Matilde Mastrangi, Meire Vieira, Monique Lafond, Nadir Fernandes, Neide Ribeiro, Nicole Puzzi, Rossana Ghessa, Sandra Graffi, Vanessa, Zilda Mayo...


Publicado originalmente em STERNHEIM, Alfredo. Cinema da Boca: dicionário de diretores. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005.

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