terça-feira, 22 de março de 2016

Um documentário para um cineasta popular

Com previsão para o primeiro semestre deste ano, o documentário de longa-metragem Meu pai a 24 quadros resgata a trajetória pessoal e profissional do ator e cineasta Francisco Cavalcanti (1944-2014). Seus filmes, cujos roteiros pareciam tirados de jornais populares dada a mistura de sexo, vingança e violência, não eram elogiados pela crítica e nem tinham espaço nos festivais, mas fizeram sucesso entre o público mais humilde nos anos 1970 e 1980.

Conhecido por ser um realizador que dedicou sua carreira ao gênero policial, Chico iniciou sua carreira artística como radialista e radioator. Também passou pelo circo e ganhou fama ao estrelar seus próprios filmes na Boca do Lixo paulistana. "Ele sempre foi rotulado como um popular por sempre trabalhar com orçamentos controlados e sem apoio governamental", analisa o cineasta Fabrício Cavalcanti, filho de Chico e diretor do documentário. Fabrício conversou com a VICE sobre seu filme e a obra de seu pai.


VICE: Como surgiu a ideia do documentário? 
Fabrício Cavalcanti: Muita gente conhece os filmes do Chico. Mas não é todo mundo que conhece toda a carreira artística dele. A ideia é contar a vida desse realizador que é rotulado como popular. Eu ia fazer uma edição final de dez minutos, ia dar num curta-metragem. Mas eu achei que esse tempo era insuficiente pra conseguir contar toda a carreira dele. Aí resolvi fazer um documentário de longa-metragem que deve chegar em 90 minutos no corte final.


Quais foram as principais dificuldades? 
Entrevistar pessoas que fizeram parte da história dele, sendo que muitos moram fora de São Paulo. O (ator) José Dumont começou na escolinha do Chico e concordou em dar depoimento. Mas ele mora no Rio e por isso dependemos de quando ele vier pra São Paulo. A dificuldade é que não temos financiamento governamental porque trabalhamos com orçamento reduzido. O (diretor de fotografia) Salvador do Amaral e a (atriz) Marli Machado deram depoimentos recentes. Então, nossa principal dificuldade foi falta de verba.


Como o filme aborda a relação dele com o cinema popular? 
O Chico era um idealista. Os filmes dele tinham que dar dinheiro pra conseguir fazer outro trabalho. Ele tinha esse ideal pra conseguir fazer novos trabalhos e sempre estar realizando novos projetos. O Chico foi um cineasta que não se beneficiou de nenhuma lei ou órgão governamental. Sempre teve orçamentos pequenos. Então, os filmes dele dependiam exclusivamente do retorno de bilheteria.


Ele fazia um cinema artesanal, né? 
Sim. Era um cinema artesanal, mas ele não era uma tão inexperiente assim na técnica. Ele manjava de fotografia e com o tempo ele ficou conhecendo todos os processos da produção do início ao fim de um longa-metragem. Mas nunca deixou fazer um cinema artesanal. O interessante é que os estudantes de comunicação das universidades normalmente sentem uma afinidade pela produção da rua do Triunfo. Isso porque eles têm que fazer cinema sem recursos. Mas o Chico teve filmes muito populares, praticamente todos tiveram retorno de bilheteria.


É possível comparar o cinema do seu pai com outros realizadores que trabalharam com gênero na Boca como Tony Vieira e Alex Prado? 
Talvez o Tony pelos dois abordarem o gênero policial. Eu acho os filmes do Chico mais bem acabados que os do Alex. O Tony começou antes do Chico, mas eles tinham origens artísticas diferentes. O Chico Cavalcanti teve influência do circo, da radionovela, do teatro.

O primeiro filme que ele tentou dirigir foi um bangue-bangue baseado numa peça teatral chamada Quando a violência dominou. Eu sei que esse filme seria rodado em preto-e-branco e protagonizado por três cantores: Sérgio Reis, George Freedman e Carlos Gonzaga. Eles chegaram a rodar algumas cenas, mas não a concluir as filmagens. Nessa época, ele ainda não tinha conhecimento de como se distribuía. Ainda era muito ingênuo para trabalhar numa indústria como o cinema.


Da filmografia do seu pai, quais filmes você considera os melhores? 
O Porão das Condenadas, O Filho da Prostituta, O Cafetão e o próprio Mulheres Violentadas com a Helena Ramos. Um filme que representa bem a passagem do tempo é o Amor Imortal. Esse trabalho foi realizado com recursos limitados e mostrou nesse trabalho que se adaptou ao digital
.

Na época da Boca, o distribuidor interferia demais. O produto final muitas vezes acabava não sendo fiel a cabeça do diretor. Tinha que inserir cenas de sexo e colocar cenas apelativas pra ter mais público.


Você acredita que ainda existe muito preconceito contra o cinema da Boca? 
Preconceito existe contra o cinema brasileiro em geral. Se a pessoa tem preconceito contra a produção da Boca eu acho positivo. Porque pelo menos a pessoa sabe que isso existiu. Muita coisa daquela época está ingênua pros dias de hoje. Mas muitos que não gostavam até ficaram saudosistas e tem saudade daquele cinema artesanal. Era uma arte mais intuitiva, mais idealista.


O que você espera com o documentário? 
Espero estar sendo o mais justo possível com a obra do Chico. Porque ele era um empresário honesto: empregou muita gente com o cinema. Pretendo com esse documentário perpetuar a importância de um cineasta como o Chico. Mas o filme não se esgota na obra dele. O documentário levanta os bastidores da Boca, a amizade dele com outros profissionais da velha guarda como o Clery Cunha, Salvador do Amaral e com o próprio Mojica.


O que falta pro seu filme ficar pronto? 

Pretendo finalizar em abril. Minha dificuldade foi bancar a produção porque não tive nenhum parceiro, nenhum patrocinador. Estou batalhando pra conseguir um circuito de exibição e depois colocar na TV a cabo.

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