José Mojica Marins
A Sina do Aventureiro,
1958
I-
Como
é seu primeiro longa, A Sina do
Aventureiro?
É um bangue-bangue, mas
um bangue-bangue com uma trilha sonora diferente, com vários cantores famosos
da época, como Cascatinha e Inhana. Foi rodado em cinemascope em São José da
Bela Vista (SP), quase fronteira com Minas. No início era para ser um policial
chamado Passos da Vingança. Mas achei que era a época do bangue-bangue e fiz
uma adaptação. O pessoal achou graça, porque no filme eu misturo roupas de
cangaceiro com roupas do Sul, com aquelas bombachas. Eu fiz questão de fazer
essa mistura para mostrar que era Brasil e que não devia nada aos
bangue-bangues americanos. A ideia original era minha, mas quem faz o roteiro
na época foram duas pessoas famosíssimas, que não aparecem nos créditos, pois
trabalhavam na Vera Cruz: (os cineastas) Luís Sérgio Person e Glauco Mirko
Laurelli.
II-
Como
é a história?
É a história de um
bandido. Ao fugir da polícia, vagando pelos sertões do Brasil, ele é ferido e
consegue chegar num lago, onde cai desmaiado. Duas moças que tomavam banho nuas
numa cachoeira o encontram. Essa cena é que deu problema com os padres. Elas
estão a 500 metros de distância, com arbustos na frente, não sei como é que os
padres viram que estavam peladas. Bom, uma das moças é filha de um fazendeiro.
Ela socorreu o rapaz, leva para a fazenda, aí surge um amor dela pelo cara, ela
convence ele a mudar de vida e se entregar. Ele passa vários anos na cadeia.
Filmei aqui na Detenção de São Paulo. Ele vira capataz da fazenda e jura para
ela nunca usar mais armas. Quando ele está fora, levando o gado, um ex-capataz
invade a fazenda, estupra e mata a noiva dele na véspera do casamento. Aí ele
fica revoltado e vai atrás dos caras, mas tem o problema de não usar armas por
causa da promessa feita para a noiva. E ele acaba morrendo no mesmo lugar,
perto da cachoeira, onde a moça o tinha encontrado.
III-
Como
você conseguiu os recursos pra filmar?
A gente juntou algum
dinheiro com o livro que eu lancei, Sentença de Deus, que tinha surgido de um
filme que eu não consegui fazer. Lancei também pela primeira vez um projeto de
cotas. Eu tinha uma escola de arte dramática, como tenho até hoje. Juntando os
alunos, cada um comprou o que pôde: uma cota, duas cotas. E, o dinheiro que eu
e o produtor Augusto de Cervantes tínhamos, nós jogamos na fita.
IV-
Os
atores eram conhecidos?
Só a Ruth Ferreira, mas
não como atriz, e sim como dançarina de teatro. O protagonista, Acácio de Lima,
e os outros atores principais, Shirley Alves (a mocinha) e Augusto de
Cervantes, que depois virou produtor, não tinham nunca trabalhado como atores.
V-
O
filme foi bem recebido?
Foi um sucesso. Fico
três semanas no cine Coral, no centro de São Paulo. Na Bahia e no Ceará também
foi bem. O problema é que os padres passaram a persegui-lo por causa dessa
nudez de que eu falei. A fita foi proibida para menores de 18 anos. E no
interior de São Paulo os padres falavam: “Não assistam a esse filme”. O povo
não ia. Aí eu procurei aqui a escola de cinema (São Luiz), que era comandada
por um padre, e falei: “Porra, o que é que eu faço?”. Ele disse: “Faz uma fita
com criança, onde os padres sejam os heróis”. Aí eu fiz um musical, Meu Destino em Suas Mãos. Depois de Sina, o pessoal achou que era muito
meloso. Os padres aplaudiram de pé, mas não me ajudaram a passar a fita. Eu
tinha que alugar o cinema para poder passar. Aí começou minha revolta contra os
padres. Resolvi partir então para aquilo que eu já faia em curtas de cinema
experimental, que era cinema de terror. Assim, dessa revolta nasceu Á Meia-Noite Levarei Sua Alma, o
primeiro filme do Zé do Caixão.
Publicado originalmente na Folha de São Paulo em 3 de agosto de 2003
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