A atriz Vanessa Alves colecionou
diversas histórias dentro de sua carreira. Foi musa do cinema da Boca do Lixo, recebeu prêmio no festival
de Gramado e participou de mais de 35 longas-metragens nacionais. "O
problema é que muitos desses filmes mudavam de nome. Eu recebi o roteiro de Fuga
na Selva que acabou sendo lançado como Curral de Mulheres",
lembra, rindo.
Um dos destaques da carreira de Vanessa
é sua parceria com o cineasta Carlos
Reichenbach (1945-2012). Eles fizeram cinco filmes juntos.
"Inicialmente, ela veio como exigência do produtor Antonio Polo
Galante", afirma Eduardo Aguilar, que foi assistente de Reichenbach
durante anos. "Mas depois ela acabou ganhando o Carlão. No set de
filmagem, a Vanessa era extremamente profissional: calma, tranquila e
dedicada".
Parte das histórias da atriz e do realizador
está no livro Vanessa Alves - coletânea de imagens e palavras que
será lançado hoje (dia 14) pela Editora Laços. A obra foi organizada pelo
produtor cultural Rafael Spaca e conta parte expressiva do cinema paulista nas
últimas décadas. VICE conversou com a musa sobre sua carreira.
VICE: Como você
começou no cinema?
Vanessa Alves: Recebi um
convite de uma agência de atores e modelos para um teste. Era para um produtor
que estava começando um filme, e precisavam de uma moça nova. Fiquei na dúvida
se ia ou não ia porque o escritório era na Rua do Triunfo [centro de São
Paulo], que tinha má fama. Acabei indo, e foi lá que eu conheci o [Antônio
Polo] Galante [produtor de cinema]. Ele me pediu para voltar outro dia pra
fazer um teste e levar um biquíni. O teste era botar o biquíni e desfilar. Eu
desfilei, e ele me disse que eu estava aprovada pra fazer A Filha de
Emmanuelle. Eu ia fazer um papel secundário.
Alguns dias depois, o Galante me ligou
dizendo que a atriz principal tinha sofrido um acidente ou ficado doente. E
perguntou se eu topava fazer o papel principal. Acabei topando.
Do que você se lembra
nesse primeiro trabalho?
O Galante era muito inteligente pra
títulos. Já tinha a série internacional da Emmanuelle com a Sylvia Kristel.
Então, ele fez [o filme] com esse título pra chamar atenção do público. Acabou
dando certo, porque foi uma superbilheteria.
Esse filme teve direção do Osvaldo de
Oliveira [cineasta e diretor de fotografia conhecido pelo apelido de Carcaça].
Todo mundo falava: "Cuidado com ele. Ele é muito bravo". Já fui
morrendo de medo, tanto que, um dia antes de começar[em] as filmagens, me
recomendaram tomar um remédio pra ficar relaxada. Aí a idiota aqui foi, comprou
e tomou. No dia seguinte, acordei mal e fiquei com uma sensação estranha. Parecia
que eu estava pisando nas nuvens. Porque eu nunca tinha tomado remédio pra nada
– e até hoje não sou de ficar tomando remédio. Mas foi tudo ótimo, e não tenho
nada para falar mal do Carcaça. Não sei se foi sorte ou dedicação, mas me dei
muito bem com ele.
Como você conheceu
pessoalmente o Carlos Reichenbach?
Não lembro. Acho que foi alguém da parte da produção que nos apresentou:
"Esse é o Carlão, diretor do filme e autor do roteiro. Vocês começam a
filmar dia tal". Pode ter sido o Galante. Mas eu nem sabia quem era o
Carlão. Pra mim, ele era outro diretor da Boca. Nem imaginava que íamos
trabalhar juntos tantas vezes. O nosso primeiro trabalho foi Paraíso
Proibido, que foi meu segundo longa-metragem.
Como era ele no set?
Ele era um amor de pessoa. Nunca vi o Carlão elevando a voz, sempre ele
ficava torcendo pelo bom desempenho de todos. Vibrava com os atores, e o jeito
dele fazia todo mundo trabalhar melhor. Inclusive a equipe técnica. Na época da
Boca, não tinha muito ensaio. Você recebia o roteiro, decorava e fazia. Mas o
Carlão era um doce no set.
Filme Demência é tido como a
obra mais radical do Carlão. Você consegue se lembrar de algo que seja
diferente nesse trabalho?
Não. Meu papel era bem pequeno. Fizemos algumas cenas na estrada: [era]
uma externa, eu pedindo carona. Era uma participação pequena, tanto que todas
as minhas cenas foram rodadas no mesmo dia. Mas era muito engraçado eu
contracenar com o Ênio [Gonçalves, ator]. Porque eu era muito tímida e ele
também.
Lembro[-me] da gente indo para o set de
filmagem numa Kombi. Ele ficava num canto lendo um livro e eu no outro canto do
automóvel. Podíamos ficar horas sem trocar uma única palavra. O Carlão dizia
que eu era a versão feminina do Ênio e que éramos os atores preferidos dele.
Vai ver isso acontecia porque nós dois somos virginianos. Mas o Ênio era
excelente ator e uma pessoa maravilhosa.
Você trabalhou
diversas vezes com o Reichenbach. Parece que existia um respeito muito grande
entre vocês, certo?
Sim. Aliás, não só com o Carlão como
[também com] todos os diretores com quem trabalhei. E o Reichenbach respeitava
todo mundo, cuidava de todas as atrizes. Muitas vezes, elenco e equipe técnica
acabavam virando uma família. Isso porque todo mundo ficava hospedado na mesma
locação. Aí quando acabava o filme era uma choradeira danada. Você chorava e
abraçava todo mundo porque você não ia encontrar mais aquele pessoal. Isso
acontecia muito.
Você ganhou o prêmio
de melhor atriz coadjuvante no Festival de Gramado por Anjos do Arrabalde.
Como foi isso?
Eu estava voltando do Paraguai, onde tinha participado de um filme
chamado Corruptores. Lembro que cheguei em São Paulo e, no dia seguinte,
fui para Gramado. Quando anunciaram, foi uma surpresa muito grande – eu não
esperava. Estava concorrendo contra grandes atrizes como a Marília Pêra. Sei
que eu estava usando óculos de grau durante a premiação. Na hora, eu abracei
tanta gente que os óculos entortaram. Mas eu não acreditava, foi muito
emocionante. Lembro que foi um ano que não tinha prêmio em dinheiro. Ganhei só
o troféu, mas pra mim aquilo foi ótimo. Depois, com o Anjos, também
ganhei o prêmio Governador do Estado (concedido pelo jornal O Estado de
São Paulo).
A minha personagem fala pouco no filme. Não tem grandes diálogos, não tem grandes coisas. Por isso, acho que o mérito do prêmio é todo do Carlão. Ele que escreveu o roteiro e fez a minha personagem aparecer dessa maneira.
Você teve um papel pequeno num filme do Walter Hugo Khouri (Amor Estranho Amor). Como foi isso?
Foi quase uma figuração de luxo. Eu fazia uma garota que trabalhava no
prostíbulo. Nem sei se ele tirou uma cena que rodaram minha sapateando. Foi no
estúdio da Álamo que dublei essa cena do sapateado e me esforcei muito para ela
sair perfeita.
Agora, esse filme tinha a Vera Fischer
como protagonista. A gente começava a rodar sete horas da manhã. E ela estava
toda produzida: uma mulher linda, com aquela pele maravilhosa. A Xuxa era muito
bonita também, lembro[-me] do Pelé aparecer com ela no set. Esse filme tinha
muitos bons atores: Tarcísio [Meira], Mauro [Mendonça]. Todos muito educados, e
o Khouri era um verdadeiro gentleman. Não importava se era eu, a
figurante mais figurante ou a Vera. Ele tratava todo mundo igual. Sempre com
uma delicadeza que fazia você se sentir a mais bela de todas, a melhor atriz de
todas. O Khouri era muito educado e um superdiretor.
O que você viu de
diferente em trabalhar com o Khouri?
A produção. Tudo era muito bem cuidado.
No set, não tinha só café e água como na maioria dos filmes da Boca. Tinha
frutas, biscoitinhos, queijinhos. Do comportamento do Khouri, o que mais marcou
foi a gentileza e a educação dele com todos. Até porque as filmagens com a
minha personagem duraram uma semana somente.
Você chegou a trabalhar
com o Fauzi Mansur também?
Sim. Foi o único filme de terror que eu
fiz na minha carreira: Ritual da Morte. Produção toda rodada no
Teatro São Pedro, um teatro que estava um pouco abandonado. Eram várias cenas
com aquele sangue artificial... sei que minha participação foi pequena. O
engraçado foi que esse filme era todo falado em inglês. Até hoje, eu não falo inglês,
mas tinha um professor que ajudava a decorar a fala. Então, a gente decorava e
ficava um inglês bem tosco, né? Eu devo ter sido dublada em inglês por outra
pessoa.O que a Boca significou na sua trajetória?
Significou o início de tudo. Eu tenho certeza [de] que cheguei aonde
cheguei por causa da Boca. Eu mesma sabia que existia a Rua do Triunfo e se
fazia cinema lá. Mas abriram essa oportunidade de trabalho, e eu acho que devo
tudo à Boca. Depois da Boca que eu fui fazer teatro e alguma coisa na televisão.
Novela, a única que eu fiz foiAntônio Alves, o Taxista, no SBT; fiz
muito programa de humor, teleteatro na TV Cultura. Mas fiquei mais conhecida
pelo cinema mesmo.
Sua carreira no
teatro e na TV não foi tão marcante. Você acha que isso aconteceu por você ter
trabalhado na Boca?
Eu acho que não. Acho que eu mesma não corri atrás. Teatro, se eu
quisesse, estaria fazendo até hoje. Minha última peça foi Sete Vidas,
do Paulo Goulart, em 1997. Mas depois entrei de cabeça na área de dublagem.
Comecei dublando e hoje sou diretora da área. Enquanto eu só dublava, dava pra
conciliar com teatro. Mas depois, não. Eu nunca fui atrás, e também não vieram
muito atrás de mim. Então, foi uma coisa que, se eu tivesse procurado e
batalhado, poderia ter sido diferente. Mas eu nunca fui atrás.
Foi pela sua timidez, talvez?
Não. Sempre achei o meio de televisão meio desgastante, muito diferente
de teatro ou filme. Eu já fui tirada de uma novela por causa de um produtor.
Isso quando meu nome tinha aparecido no jornal e estava confirmado que eu iria
fazer esse trabalho.
Então, o meio de
televisão era mais predatório que o da Boca?
Muito mais. Pelo menos, pra mim, foi.
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