Por Ruy Martins Sanches
Com milhões no bolso,
Raffaele Rossi estava realizado. Para alguns amigos, a fortuna reacendeu o
brilho dos seus olhos azuis e a pele clara de seu rosto. Os passos acabrunhados
que demonstrava ao caminhar pelas calçadas da Boca desapareceram. Livre do peso
da responsabilidade de garantir o sustento da família, agora mais numerosa,
Rossi era outro. Seu futuro também. Altivo, mas não orgulhoso. E mais próximo e
mais compreensivo com aqueles que o procuravam. Francisco Cavalcanti, José
Mojica Marins e João Manuel Baptista concordam – Raffaele Rossi deu a mão a
muita gente depois que ficou rico. “Depois que o Mazzaropi morreu, ele ajudava
muita gente que trabalhava na PAM”, diz Francisco Cavalcanti, produtor, diretor
e ator de diversos filmes na Boca paulista.
Na companhia de Renata
e do filho Eduardo, embarcou para a Itália meses após a confirmação de ser o
número um na lista do cinema brasileiro. Finalmente proclamara sua
independência! E a vontade de rever sua terra natal, sua humilde residência e
os parentes e conhecidos da saudosa Sant´Arsenio foi a primeira das vontades
que o dinheiro conseguido, depois de vencer tantos problemas e tantos
preconceitos, pôde lhe proporcionar.
Quando voltou, o gênero pornô já fazia rotina da Boca do Lixo. Os exibidores não queriam outra coisa para mostrar. Sexo explícito era o que dava dinheiro, era o que mantinha as salas cheias, o lucro fácil. Então, com muito dinheiro no bolso, Rossi associou-se a Francisco Lucas, proprietário de dezenas de salas de exibição no centro de São Paulo, para a produção de dois pornôs: Império do Pecado e De Todas a Maneiras, ambos dirigidos por Marcelo Motta, em 1981 e 1983, respectivamente.
Com tempo para
desfrutar os prazeres que a vida lhe negara até estourar na bilheteria com Coisas Eróticas, Rossi resolveu inovar.
E investir numa antiga paixão: o futebol. Palmeirense e amigo de vários
jogadores de futebol, alguns dos quais inclusive no financiamento de alguns de
seus filmes, Rossi funda um clube de futsal- o Grêmio Recreativo Rossi. A sede
era localizada em sua casa, no sítio que comprara em Embu-Guaçu, nas cercanias
de São Paulo, e para onde se mudara com esposa e filhos logo após o estrondoso
sucesso de seu filme. Rossi frequentemente excursionava com a equipe dentro e
fora do Brasil e da qual faziam parte três jogadores paraguaios pertencentes à
seleção vice-campeã mundial de futsal daquele país. E bancava as festas e
banquetes que se seguiam após as vitórias ou as derrotas, tanto fazia. A essa
altura a vida de Rossi era sempre uma celebração. Entre uma partida de futebol
e outra, Rossi ainda realizou uma continuação de Coisas Eróticas, que chamou espertamente de Coisas Eróticas II (1984), obviamente a fim de capturar o mesmo
público que havia lotado alguns anos antes as salas de exibição para ver aquele
que é considerado o primeiro pornô nacional.
Com a maior parte das
salas de exibição do país inundadas por produções de baixíssimo nível e a
invasão de pornôs estrangeiros o sucesso de Rossi não continuou. Coisas Eróticas 2, mesmo contando com
algumas estrelas da Boca como Jussara Calmon, Marília Nauê e o casal erótico
Eliana e Walter Gabarron, não obteve o sucesso que ele esperava, registrando
oficialmente pouco mais de 1,1 milhão de espectadores. Ainda assim ocupando a
quinta maior bilheteria do ano. A rotina de voltar a competir com produtos
semelhantes ao seu ameaçava sua competência de realizador novamente. Então, com
a introdução do videocassete no mercado brasileiro, Rossi muda o foco e abre,
em companhia dos filhos, sua própria distribuidora de vídeos, a fim de
comercializar suas películas. A Rossi Vídeo também é responsável pelo
lançamento comercial no país do filme Je
vous salue, Marie (Jean-Luc Godard, 1985); meses depois perde a batalha
judicial travada com os distribuidores americanos pela distribuição de outro
título polêmico da década: A Última
Tentação de Cristo (Martin Scorsese, 1988).
O prazer pelo futebol
leva Rossi a associar-se na produção de A
Pelada do Sexo (1985) de Mário Lúcio. Mesmo com o sexo explícito dentro de
campo, o público não compareceu e o filme fracassou. Mas Rossi não é de
desistir facilmente e tenta mais uma vez ainda com um filme igual aos outros.
Em 1987, produz e dirige Gemidos e Sussurros. De novo um filme em episódios no
qual trazia o nome da atriz Zaíra Bueno. E de novo um filme seu passara
despercebido, como muitos outros produzidos na Boca do Lixo naquele ano. A
competição com os filmes nacionais e estrangeiros do mesmo gênero, além da
proliferação de locadoras de vídeos e dos videocassetes já instalados na sala
de estar de milhares de lares brasileiros era árdua. O filão lucrativo que ele
mesmo iniciara estava se esgotando, para desespero de muitos. E o pior:
começara a trazer sérias preocupações aos realizadores que enxertavam seus
filmes com cenas de sexo sem o consentimento dos envolvidos nas filmagens.
(...)
Enquanto sua união com
Maria Cândida desmoronava, Rossi ainda desfrutava das festas e das viagens que
empreendia em companhia de seu time de futebol. Era o começo de seu amargo fim.
E também o início daquela que é considerada a primeira indústria brasileira de
filmes independentes, que fez o que pôde para manter-se na ativa até ser
engolida pelo monstro que ele mesmo ajudara a criar. Raffaele Rossi morreu do
mal de Alzheimer no dia 5 de novembro de 2007, na única propriedade que lhe
restava, o seu pequeno sítio em Embu-Guaçu. Ao seu lado, naquele momento,
estavam sua primeira esposa Davina, de quem nunca se separou oficialmente e
dois de seus filhos – Rafael e Eduardo, além do caseiro Benedito.
Publicado originalmente
na dissertação de mestrado O homem que
calou a Boca: uma análise da obra de Raffaele Rossi de Ruy Martins Sanches
defendida na Universidade Anhembi Morumbi em 2013.
6 comentários:
Devia ter aplicado melhor o dinheiro.A grana quando vem de montão...
Meu Tio, que saudade.
JOGUEI NO ROSSI EM 85 E 86 ME CHAMO MARCELO,E ERA MUITO AMIGO DO EDU FILHO DELE.
Tudo bom meu amigo Marcelo,sou o Dagoberto que vc levou nesta mesma época para jogar, estudávamos no Max na Vila Madalena,me add no Facebook: Dagoberto Jericó, gd abraço meu irmã
Tudo bom meu amigo Marcelo,sou o Dagoberto que vc levou nesta mesma época para jogar, estudávamos no Max na Vila Madalena,me add no Facebook: Dagoberto Jericó, gd abraço irmão
Paulo, tudo bem? Me chamo Marcus, sou jornalista, e gostaria de entrar em contato com os filhos do Raffaele. Consegue me ajudar?
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