Vídeo Erótico: Venha Ver Por Detrás da Câmara (Playboy, julho de 1986)
A bela massagista que faz seu segundo filme, o sexo em posições
eróticas, o roteiro que exige taras: durante oito dias acompanhamos uma
produção pornô
Reportagem de Marcelo Duarte
Corpos brilhando pelo esforço do prazer, os dois estão nus sobre uma
enorme cama redonda. A bela morena começa a deslizar as mãos pelo corpo do
parceiro, como se fosse difícil achar o que procura. Seus movimentos são
gentis, mas firmes. Ele parece não resistir mais, mexe com a cabeça, geme. Sem
interromper as carícias no rapaz, ela escorrega seu corpo para fora da cama. O
espelho no teto amplia a excitação dominante. Ela se instala entre as longas
pernas dele e já não são suas mãos, mas a sua língua, ávida e ágil, que
delicadamente entra em ação. Ele a vira para cima da cama, de costas, e enfim
se prepara para penetrá-la.
Quantas vezes você terá vista esta cena em seu videocassete? Muitas, certamente, em boa parte delas na melhor das
companhias, e quem sabe compartilhando com a parceria de um dry Martini no
ponto. Nós, de PLAYBOY, fomos ver o que acontece por trás dessa cena. E
acompanhamos, durante oito dias, as filmagens de mais uma produção do diretor
José Miziara, um dos “grandes” da indústria nacional do filme erótico. (Que
fiquei logo claro: “grandes” aqui, não é uma generosa metáfora. Os filmes
eróticos, transformados em videocassete por um aparelho denominado telecine, já
são responsáveis por 30% do movimento médio de todas as 1.200 locadoras de
vídeo existentes no país, segundo estimativas dos empresários da área, e, nos
cinemas, têm uma plateia que já passou dos 10 milhões de espectadores por ano.)
- Corta!!
O grito seco do homem de ralos cabelos grisalhos, sem
camisa, óculos dependurados numa correntinha, tem o tom de um marido no exato
momento de aplicar um flagrante de adultério. Descalço, jeans justos, Miziara
passa a mão na testa. Alguém anota os dados de mais essa tomada do filme – que,
recuperando uma tradição para o trocadilho abertamente safado oriunda do velho
vaudeville brasileiro, aproveita a maré Sylvester Stallone e se chama Rabo I.
Rabo I custou 145 mil cruzados e
empregou, por dez dias, dezenove pessoas, entre atores, técnicos e figurantes.
Mas a perspectiva de retorno financeiro de sua carreira, iniciada há quatro
meses, mesmo que não arrebate os videomaníacos nem estoure nas bilheterias, é
pelo menos de dez por um – já que, até maio, a caixa registradora da sua
produtora, a LGR, batia no 1,2 milhão de cruzados. Ninguém do ramo estranharia
que rendesse três vezes isso. Na verdade, a produção erótica brasileira vive de
uma euforia à la melhores momentos das Bolsas de Valores – um sucesso explícito
claramente revelado pelo fato de que exatos 79% dos títulos produzidos em 1985
continham cenas de sexo real.
José Miziara, roteirista e diretor, idade escondida
atrás de uma barreira digna de uma conta bancária no exterior, está em sua
sexta produção erótica, depois de uma longa carreira – de 1956 para cá, ele foi
inicialmente galã e depois diretor de televisão em praticamente todas as
emissoras brasileiras, inclusive na Globo (dirigiu Fogo sobre Terra, em 1974-75). Ele brinca:
- É, estudei catorze anos, fiz milhares de cursos e
agora estou fazendo filme de sacanagem. Nem precisava estudar tanto...
Miziara agora dirige uma nova tomada de Rabo I. Olhando por trás da câmara,
vemos a luxuosa suíte do motel Mikonos, em São Paulo – uma locação privilegiada
que, graças à mágica do merchandising, nada vai custar à produção. Na altura do
chão, a câmara espera que Bruno, o contra-regra, passe mais óleo de rícino no
corpo dos protagonistas. Anatomias brilhando, como se suassem, eles esperam a
ordem para filmar cenas particularmente delicadas – as cenas de sexo anal.
Bruno, desinibido e profissionalíssimo, contribui para facilitar as coisas:
aplicado e meticuloso como um auxiliar de cirurgia, ele lança jatos de vaselina
anestésica na atriz Karina Santiago, uma novata – massagista, 26 anos, corpo
bem-feito, este é apenas seu segundo filme. Ela já toma contato efetivo com um
universo que não admite propriamente sutilezas. O nome da vaselina anestésica,
por sinal, é Big Gay.
O TESTE DA EREÇÃO
Perto dali, deitado na cama redonda, o partner de Karina, Walter Gabarron, começa
o trabalho mais importante na vida de um ator de filmes eróticos: a
concentração para conseguir uma ereção. Gabarron é um astro em sua área – que disso
não reste a menor dúvida. Neste mesmo dia, uma prova eloquente: percorrendo
distraidamente a programação de cinemas no jornal, ele constata que é o
protagonista de nada menos que nove dos cinquenta filmes em cartaz em São
Paulo. Uma enquete em locadoras de vídeo daria resultado semelhante.
Um astro suficientemente original para ser um dos reis
do pornô tendo vindo do teatro infantil, Gabarron ganha um cachê médio de mil
cruzados por dia e não tem qualquer problema doméstico por causa da natureza do
seu trabalho: ele e a mulher, Eliana Gabarron, 27 anos, casados há dez,
começaram praticamente juntos no cinema erótico, levando a telas e aparelhos de
TV as alegrias do lar. Corpo proporcional à altura, seis fartos e empinados,
olhos escuros e a fama de ser uma das atrizes mais bonitas da indústria
erótica, Eliana é mãe de um casal de filhos e especializou-se na fase anterior
de sua carreira, em viver – vejam só! – a Virgem Maria em peças de fim de ano.
O mercado exigiu que o casal se separasse – nos vídeos e telas, apenas – e,
atualmente, os dois filmam produções diferentes.
Hoje, portanto, com Walter prestes a entrar em ação,
Eliana não está por perto. O astro faz jus a sua fama e, sem pouco tempo, tem
condições de filmar com a massagista Karina.
- Ação! – comanda Miziara.
O casal de corpos brilhantes está de novo a pleno
vapor. Gabarron vira Karina de bruços e, estendido sobre as costas da moça,
retoma a cena cortada há pouco para a aplicação do spray. Sem problemas. Karina
consegue se soltar e atender às recomendações do diretor para murmurar em sinal
de prazer palavras que depois a dublagem vai se encarregar de enriquecer. A
tomada é ainda interrompida quatro vezes, para a mudança de posição da câmara –
em alguns casos, é feito em close muito próximo -, e, depois de cada uma delas,
Gabarron consegue de volta a ereção.
Não se imagine que é proeza fácil. Na verdade, a
suposição de que ser atores de filmes eróticos é o mais paradisíaco dos
empregos – um mar de prazeres, e, além do mais, remunerados – esbarra na
realidade de que a maioria não passa incólume pelo teste de ereção com a
desejada frequência ou a necessária oportunidade. Se os critérios de avaliação
forem rigorosos, podem-se até considerar alarmantes os índices de “falha”
ocorridos em algumas das últimas produções: em Círculo do Prazer (1984), de Mário Vaz Filho, por exemplo, onze dos
doze atores tiveram problemas; em Macho,
Fêmea e Companhia (1984), nem a estimulante paisagem da litorânea de
Bertioga (SP) impediu que ocorressem dezoito forfaits em vinte atores.
Gabarron diz, com orgulho, que com ele isso nunca
ocorreu. “É por isso que os diretores preferem os atores veteranos”, garante. “Assim,
acaba não havendo uma reciclagem nos elencos”.
SEIOS FARTOS, COXAS GROSSAS
E, de fato, em Rabo
I Miziara não tem outros atores, apesar de possuírem certa experiência, a
mesma sorte que significou filmar cenas com Gabarron. Tomemos o dia seguinte às
filmagens no motel. Estamos agora no apartamento alugado de um amigo do
produtor, no bairro boêmio da Vila Buarque, em São Paulo. O ator Messias Rúbio
não consegue ficar em condições de filmar com a atriz argentina Andrea Pucci.
Os oito integrantes da equipe de produção deixam os dois a sós, na penumbra do
quarto, e aguardam pacientemente na sala. A certa altura, Andrea grita:
- Corre, pessoal, vem rápido. Ele conseguiu!
Mas foi só se acenderem as luzes e – puf! – lá se foi. Acostumado a esse tipo
de falha técnica, Miziara logo pergunta por algum voluntário entre os presentes.
Ninguém se oferece. O dono do apartamento, porém, parece tentado. Andrea é uma
mulher opulenta, de coxas grossas, seios fartos, cabelos louros e apenas uma
leva penugem no sexo. De olho nela, ele ajeita o bigode e pergunta:
- Só aparece o sexo, né? Mais nada? Se for assim, eu
topo.
E lá se vai ele, cheio de gás: tira a roupa e se lança sobre
Andrea com o desenvolto entusiasmo de um amador. Filmada a cena, contudo,
admite:
- Se durasse mais um minuto, acho que não conseguiria.
Não é fácil transar tendo tanta gente em volta e, ainda por cima, com esse
holofote me esquentando o traseiro!
Mais tarde, outro tipo de preocupação tomaria conta
desse improvisado dublê de corpo:
- Será que minha mulher não vai acabar me reconhecendo
um dia? Sabe, aquela pintinha que eu tenho...
A relevante questão da ereção, essa fundamental matéria-prima
da indústria em que Miziara está envolvido, voltaria a assombrar o diretor em
outro dia de filmagem, e em dose dupla. Desta vez é um domingo. Os atores
Cláudio Salgado e Oswaldo Cirillo, interpretando dois caminhoneiros, se veem às
voltas com uma fatal flacidez. Cirillo ainda consegue recuperar-se, mas Salgado
teve mesmo de ser substituído pelo iluminador Fumanchu.
- Faço tudo por amor à arte – brinca Fumanchu depois da
cena, admitindo que a substituição tivera o condão adicional de pôr em dia seu
metabolismo sexual.
O mundo do filme erótico, para só ficarmos no capítulo
da ereção, contém ironias inesperadas. Passemos, por exemplo, a uma das últimas
tomadas de Rabo I – já quase no final
das 27 latas de 120 metros de filme consumidas pela produção. São protagonistas
o bailarino de boate Pedro Terra, um veterano já em seu 12º filme, e a
ex-chacrete Raquel Coelho. Eles gravam cenas inocentes no Parque Ibirapuera,
uma cena um tanto confusa numa cachoeira gelada de motel – os dois, com os
ouvidos cheios de água, não conseguem ouvir as instruções de Miziara – e, por
fim, encerram o dia numa suíte.
- Já é pra ficar duro?- pergunta Pedro.
- Ele é uma máquina- comenta, admirada, Raquel.
De fato, uma máquina: tem ereção quando quer, não
falha, repete cena com facilidade. A ironia é que, num meio de atores
garanhões, Pedro é um homossexual.
LORDE OÁSSIS, O REI DO PORNÔ
Quando se fala em atores-garanhões, não há como escapar
da incomparável figura de alguém que sempre tem acompanhado os sucessos de
Miziara e que, embora não esteja no elenco de Rabo I, projeta sua sombra majestática sobre todo o universo do
filme erótico brasileiro. Trata-se de um ator que jamais acarretou problemas
para Miziara ou para qualquer um de seus colegas diretores, e sobre cujo
incansável desempenho se debruçam, admirados, atores, diretores, técnicos e
figurantes: Oásis Minitti, o rei do cinema pornô, alguém que Walter Gabarron, astro
de Rabo I, talvez venha a ser um dia.
Alto, forte, 40 anos, cabelos curtos encaracolados, Oásis
ganha 5 mil cruzados no mínimo por dia de filmagem. Advogado formado, ele
estreou no cinema nacional em 1972. Em 1980, depois de um acidente que acabou
com seu Passat novo, viu-se sem dinheiro e aceitou a primeira proposta para
fazer um filme com cenas quase imperceptíveis de sexo real, dirigido pelo
cineasta italiano Rafaelle Rossi: Boneca
Cobiçada. Além de ganhar um cachê duas vezes maior do que costumava
receber, Oásis acabou transformando em fonte de lucros o que, no cinema do sexo
simulado, era uma tradicional fonte de embaraços: a ereção fácil.
“Quem tivesse uma ereção no trabalho era malvisto pelo
pessoal”, recorda Oásis, divertido. “Num filme com a Maria Izabel de Lisanda, As Mulheres sempre Querem Mais, isso
aconteceu e eu passei o maior aperto”.
Três meses depois de Boneca Cobiçada, Rossi o chamou de novo. O trabalho consistia em
apenas um dia de filmagem num sítio em Campinas (SP), por um cachê que na época
era respeitadíssimo: 20 mil cruzeiros. Oásis obteve, então, sua consagração:
transou com duas atrizes, Jussara Calmon e Ilza Cotrin, e ainda para espanto de
técnicos experientes, se masturbou duas vezes sob o chuveiro. Explica-se: o
roteiro exigia apenas uma masturbação completa – mas, justamente na hora do
clímax, faltou energia elétrica na casa-sede do sítio. Minutos depois, a luz
foi restabelecida, Oásis tomou fôlego e completou a segunda.
Num mundo em que o ator pornô Walter Gabarron veio do
teatro infantil e sua mulher interpretava Nossa Senhora, não é estranhável que
o rei Oásis seja um pai severo, “à antiga”, como ele próprio se define: não há
hipótese de a filha Silvana, de 19 anos, ser autorizada a assistir a seus
filmes ou, mesmo, a usar um simples biquíni. A mulher, Marilena, com quem está
casado há 22 anos, não enfrenta vetos, mas só viu um deles e não gostou. Ela
jura não ter ciúmes: “Talvez eu até me importasse se ele não trabalhasse com a
imaginação para ter ereções”.
O filme de Campinas deixou Oásis em dúvida sobre a
futura viabilidade de sua carreira. “Comentei com a Marilena”, lembra-se ele
hoje, “que o filme era tão barra-pesada que eu duvidaria que viesse a passar um
dia no cinema”.
Fácil, não foi: dois anos depois, Rossi armou uma complicada
manobra junto ao Concine e à Censura, que incluiu uma ameaça de suicídio, e
liberou seu filme. Valeu. Coisas Eróticas
teve um doa maiores públicos de filme nacional de todos os tempos – mais de
5 milhões de espectadores, até hoje – e é um dos videocassetes mais
requisitados de um qualquer videoclube ou locadora que se preze.
De lá para cá, Oásis – o “Lorde”, como é conhecido na
indústria erótica – fez mais 33 filmes, o bastante para ampliar sua excelente
casa no bairro do Brooklin, em São Paulo, ter quatro carros novos na garagem,
construir uma casa de praia em Ubatuba (SP), fazer longas viagens com Marilena
a não ter preocupações quanto à futura aposentadoria.
Fácil, não foi. Num filme, Deliciosas Sacanagens (1985), ele chegou a transar com quatro
mulheres na mesma tarde. (Depois ficou dois dias em casa, descansando, pois, se
é verdade que os atores de vídeos e filmes pornôs não completam a relação com
suas parceiras, em geral o roteiro exige que eles ejaculem sobre o corpo delas
diante das câmaras, como uma espécie de carimbo final da autenticidade do sexo
real.) Seu recorde, entretanto, foi uma maratona de dezoito mulheres em seis
dias no filme O Analista de Taras
Deliciosas (1984), de Fauzi Mansur – três por dia, em média. Outro índice
com que Oásis talvez se habilitasse ao Livro Guiness dos Recordes surgiu em Tudo Dentro (1985), também de Fauzi
Mansur: 36 ereções em dez horas de filmagem. A proeza, por todos os títulos
impressionante, lhe custou dores generalizadas suficientes para impedir uma
comemoração comme il faul de mais um
aniversário de casamento.
“Ás vezes me sinto uma espécie de mercenário”, desabafa
Lorde Oásis. “Estou ali na cama só pensando no dinheiro”.
A “MALETA DO EXPLÍCITO”
Exageros, com certeza. Em seu meio de trabalho, a
postura de Oásis é vista, isso sim, como exemplo de sadio e maduro
profissionalismo. O mesmo que o leva a escolher papéis – já chegou a recusar
oito propostas diferentes em um mês - e, principalmente, a selecionar
parceiras. “Com a AIDS, tornei-me mais cuidadoso”, explica. Como bom
profissional, Oásis tem todo um instrumental de trabalho necessário para
mobilizar aquele a que chamam, um tanto irreverentemente, de “o astro”. Está
tudo contido na sua inseparável “maleta do explícito”, com a qual ele desfila
nos intervalos de filmagem, vestido com o robe de chambre que ajudou a
consagrar o seu apelido. A maleta é uma espécie de cinto de utilidades do
Batman: há ali guaraná em pó, mel e lecitina de soja (para manter a forma
física e as energias vitais), levedo de cerveja em pó (para cabelo e pele),
vaselina líquida e em pasta, óleo, desodorante e perfumes. “Entro sempre com o
corpo perfumado para transmitir erotismo para a companheira”, ensina.
Ele não bebe, não fuma, alimenta-se basicamente de
produtos naturais e faz exercícios físicos regularmente. Antes de cada tomada,
conversa a sós com a parceira, numa versão muito pessoal de laboratório de
interpretação. Segura a mão da atriz, como um namorado, tentando criar “um
clima de respeito e confiança”. Só então pergunta ao diretor:
- Vamos explicitar?
Fácil, não é. Nas filmagens de O Filho do Sexo Explícito, em 1985, quatro atores deveriam
desempenhar ante barulhenta plateia de duzentas pessoas lotando um auditório.
Os três primeiros falharam. Só Oásis, com seu poder de concentração pôde exibir
no final sua ereção como se fosse um troféu.
Por essas e outras, ele foi convidado há dois anos a
fazer uma entrevista com psiquiatras do Hospital do Exército, no bairro do
Cambuci, em São Paulo, interessados em sua capacidade de concentração. Por essas
e outras, ele iniciou o que pode ter sido uma promissora carreira internacional
no passado: durante uma semana, em agosto, Oásis deu vazão a suas energias em A Verdadeira História de Monja de Monza,
filmado em Milão, na Itália. Pelo papel de um padre compreensivo o suficiente
para atender às urgências de todas as freiras de um convento, o Lorde recebeu
passagens, estadia e 5 mil dólares.
A carreira, cujas primeiras manifestações, segundo ele,
aconteceram aos 7 anos de idade com a empregada de sua cada, tem trazido a
Oásis outras recompensas além de dinheiro. “Essa garotada que assiste a meus
filmes, principalmente na idade de meu filho Mário, de 18 anos, me tem como
ídolo”, orgulha-se. O prestígio pode ser medido também pelas pilhas de cartas
que recebe de mulheres – todas polidamente respondidas -, algumas delas com
altas ofertas em dinheiro por uma transada – todas polidamente recusadas. É
claro, contudo, que a fama traz alguns problemas: ele mudou o número do
telefone oito vezes só no último ano; a garotada do bairro disputa a tapas os
ingressos grátis que ele leva para casa; e muitos parentes se afastaram de
Oásis, cuja atividades seriam “desmoralizantes” para o bom e honesto nome da
família Minitti. O Lorde, porém, não se abala e toca em frente: ele está tão
convicto de sua popularidade que pretende candidatar-se à Constituinte este ano
pelo pequeno PPB (Partido do Povo Brasileiro).
“Tenho meu público”, diz Oásis. “Acho até que, se eu
fizesse uma novela na TVS, desbancaríamos a Globo no horário”.
CENAS PICANTES: AS TARAS!
As carreiras de Lorde Oásis e do ator principal de Rabo I, Walter Gabarron, se cruzaram
várias vezes. Uma delas foi particularmente marcante para Gabarron, e ocorreu
durante as filmagens de O Analista de
Taras Deliciosas. Aquela altura, os produtores andavam cansados da dupla
Walter e Eliana Gabarron, e os trabalhos começaram a rarear. O filme de Mansur
seria o primeiro em que os Gabarron, entrando em nova fase profissional,
atuariam com outros parceiros. E foi justamente Oásis Minitti o primeiro home m
além de Walter a transar com a bela Eliana diante das câmaras. Walter,
compreensivelmente, estava irrequieto e nervoso no dia da filmagem da primeira
cena, e Oásis foi obrigado a manda-lo sair do quarto, ou não trabalharia. Hoje,
Walter é capaz de assegurar: “Aprendi com o tempo que quem está ali é a
personagem, e não a minha mulher”.
Mas isso, agora, são águas passadas. Gabarron neste
momento está concentrado em seu trabalho. Depois de fazer amor com Karina no
motel, ele e toda a equipe se deslocam em duas kombis para o centro de São
Paulo. As próximas cenas são no apertado apartamento do assistente de produção,
Michel Cohen, filho do dono da distribuidora Brasil-Internacional, Alfred
Cohen, que bancou metade do orçamento de Rabo
I. Nesta tarde, será a vez das cenas picantes do enredo – as referente às
taras do casal central do enredo.
Os primeiros a chegar são Silas Bueno, enfermeiro
aposentado reciclado como diretor de cinema erótico, e “Jerry”, seu cão
treinado, de raça indeterminada. (Sim, um cão: nas produções eróticas
brasileiras, já começam a aparecer animais para os capítulos de taras dos
diferentes enredos, embora em boa parte das vezes as simulações e os truques de
cinema substituam the real thing).
Jerry já está em seu terceiro filme, depois de estrear em Ou Dá ou Desce, em 1984, que, ao menos nos cinemas, foi sucesso de
bilheteria graças ao exotismo de sua participação. O diretor de Ou Dá ou Desce, Nilton Nascimento, acha
que “com tantos filmes e títulos parecidos, o filme tem que ter algum elemento
que o marque junto ao público”. Foi assim que ele próprio, graças a uma ágil
montagem, simulou no apropriadamente denominado Escândalos do Sexo Explícito (1985), a penetração da atriz Eliana
Gabarron por uma cobra.
Jerry está esperando, estirado no tapete. Ali perto,
desenrola-se uma das taras que Miziara teve de incluir no script por exigência dos produtores: quem se esfrega em Gabarron é
um travesti. Patrícia Petri, que veste um négligé
preto comprado por Miziara para ex-miss Brasil Marisa Sommer usar em Pecado Horizontal (um soft porn que, diga-se, foi um fracasso
tão grande de bilheteria que obrigou Miziara a ir morar durante algum tempo na casa
de seu sogro, o veterano homem de televisão Walter Stuart).
E O CÃO JERRY FALHOU
Todos os atores, inclusive Gabarron, Karina e o
travesti que vão filmar agora, receberam com antecedência o script de 21 páginas – mas, a bem da
verdade, esta não é uma instituição muito respeitada no mundo das produções eróticas.
Não apenas os atores pouco se preocupam em decorar os textos, como os próprios
diretores não seguem à risca seus roteiros: inventam diálogos na hora da
filmagem, cortam cenas, criam outras, e o filme vai sendo armado. Mesmo assim,
Miziara lê as falas em voz alta para os atores repetirem. Já quanto à delicada
questão dos movimentos físicos, o cuidado do diretor é maior. Com o dedo
indicador levantado, ele mostra ao travesti o que deve fazer com o membro do parceiro:
- Devagarinho...Assim...Chega o rosto bem
perto...Esfrega um pouco...Bem, eu vou dizendo aqui de fora e você vai fazendo,
tá legal?
Patrícia concorda, e o diretor se vira para Gabarron,
sem deixar claro se fala sério ou faz blague:
- Pode levantar o astro!
E aqui chegamos a outra característica das produções
eróticas que merece menção: certos temores mais ou menos declarados. Patrícia –
bem, a rigor sua certidão de nascimento assinala o nome de Airton -, por exemplo,
tinha abandonado o cinema erótico por receio da AIDS. Só aceitou retornar
porque esta é uma filmagem com Gabarron, um ator conhecido. Karina, por sua
vez, ao despir as roupas semitransparentes, cochicha para Patrícia:
- Estou morrendo de medo desse cachorro. Fiz até
promessa pra ele ficar doente e não poder filmar.
Mas Jerry está alheio a tudo. Na cama, sua pinta de
artista – casaquinho amarelo de clã e óculos escuros – parece estar estacionado
no cinema convencional: longe de ser um Oásis Minitti, canino, Jerry falhou.
- Ele não foi com a cara dela – justifica o treinador
Bueno.
- O Jerry nunca falhou antes.
Mas a situação, hoje, parece inarredável. Nem mesmo um
truque geralmente eficiente – passar na mulher um remédio próprio para ejeção
de leite nos seios e o preventivo da mastite, que por acaso lembra o odor das
cadelas no cio – faz Jerry se animar. O jeito, então, é colocá-lo, algo a
contragosto, entre as penas de Karina, que simula estar se deliciando. Bueno,
preocupado com o desempenho de seu pupilo, balança o corpo de Jerry para dar a
impressão de movimento, e pronto: mesmo ingloriamente, o cão faz jus ao seu
cachê de 500 cruzados, “usados em comida e vacinas para ele mesmo”, segundo o
treinador.
- Ô, cachorro! Faz cara de quem tá gostando!- ri
Miziara com suas próprias instruções, enquanto amassa o segundo maço de cigarros
fumado no dia.
ORGASMOS NA MOVIOLA
Quem está preocupado agora é Michel, o dono da casa. O
casal e o travesti andam nus pela sala e sua mulher está prestes a chegar. Para
dissipar a fumaça de cigarro, Michel joga um spray no banheiro, e Karina vai se
vestir diante da entrada no apartamento – no justo momento em que a mulher de
Michel abre a porta e quase dá de encontro com uma bunda não só enorme, como
sobretudo, desconhecida. Polida, ela consegue dizer: “Desculpe, moça”, dá
meia-volta, fecha a porta e entra pelos fundos.
O filme está terminando para os atores e técnicos,
todos com outros trabalhos agendados para os próximos dias. Para Miziara,
parece que vai começar: ele resolve fazer, na montagem, um filme inteiramente
diferente do que foi escrito. Vai partir com os 3.240 metros rodados para uma
moviola e recriar toda a história.
Santa moviola!, costumam dizer alguns cineastas,
lembrando-se de filmes eu pareciam um perfeito desastre se montados de acordo
com o script original, mas, remontados na maquininha, adquiriram o vigor de um
fênix hollywoodiana e arrebataram plateias. É ela a responsável por maravilhas
como filmar em separado os closes do rosto dos artistas, simulando orgasmos
múltiplos sem que eles estejam sequer transando, e, depois, na montagem, fazer
com que aquelas ávidas expressões de desejo se encaixem perfeitamente às cenas
de sexo.
Mas, se a moviola “salva” tudo, também pode complicar.
A bela atriz Zilda Mayo que o diga. Hoje só fazendo teatro, depois de 62 filmes
– na maior parte pornochanchadas -, Zilda foi vítima em 1984 de uma moviola
desonesta, da qual saiu uma montagem em que ela aparecia fazendo sexo explícito
com o corpo de outra mulher. Ela confessa ter ficado “de perna bamba” quando viu
o filme e, graças a um processo judicial, A
Bacanal na Ilha das Ninfetas, acabou sendo apreendido. A produção de Bacanal teve que fazer um acordo com
Zilda e mais duas atrizes vítimas do mesmo truque e, graças ainda à Justiça,
Zilda viu o filme voltar a cartaz em cinemas e videoclubes sem as cenas de sexo
explícito e com sua participação na renda. “Mas quem sabe como ficaram as
cópias espalhadas por aí?”, desconfia ela.
Como Zilda, muitas atrizes conhecidas – entre elas
Helena Ramos e Aldine Müller – deixaram de frequentar as ruas da chamada Boca
do Lixo de São Paulo desde que, a partir de 1980, e como dizem os profissionais
do ramo, “o pornô escancarou”. Recusaram propostas milionárias dos pequenas mas
movimentadíssimos escritórios das ruas Vitória, do Triunfo e dos Andradas, no
velho centro paulistano, onde ficam todas as “quinze grandes” do cinema erótico
brasileiro. Do meio dessa área da cidade onde ainda viceja a prostituição, saem
85% dos filmes eróticos brasileiros. A maior parte das empresas fica num mesmo
edifício, na esquina das ruas do Triunfo e Vitória, número 134. Ali nascem
ideias, traçam-se planos, discutem-se orçamentos. Em volta, distribuidoras e
botecos fervilham com diretores, atores e técnicos.
As aparências não indicam que dali emergiram, em 1985, seis das dez maiores
bilheterias do cinema nacional. Mas, se em Sem
Vaselina, o filme de Miziara anterior a Rabo
I, os custos foram de meros 55 milhões de cruzeiros (55 mil cruzados, em
moeda de hoje). “O sexo explícito é a salvação do cinema nacional”, proclama
Nilton Nascimento.
Enquanto se debate em projetos ousados, desconcertantes
– em um dos próximos hits poderá
incluir as estripulias de um cavalo erótico -, Miziara, em uma semana termina
de fazer Rabo I. Desde a montagem das
imagens até a gravação e edição de todos os diálogos por dubladores e sua
edição sobre as imagens, a mixagem, a trilha sonora – tudo. Em meros dezessete
dias, dez em trabalho de campo, uma semana para acabamento, Rabo I está pronto – e milagre renovado
da moviola, está cheio de novas piadas, novas discussões sobre as taras dos
personagens de que os atores não têm ideia. O roteiro original, que se propunha
a “debater taras”, virou na verdade uma comédia pornô que Miziara considera do
tipo “leve”. Com Rabo I, mais cinco
filmes estão sendo lançados no mercado pela mesma distribuidora, todos com
participação de Miziara nos lucros – e o dinheiro, agora, só entra e muito.
Uma sorte de Miziara que seu colega Nilton Nascimento
não compartilha: ele tem um filme, ainda sem título, na prateleira, prontinho
para seguir para os cinemas e videoclubes. Mas não pode estrear ainda, e o
dinheiro não vem. Tem que esperar que Sandra, a atriz principal, complete 18
anos.
Publicado originalmente na revista “Playboy” em julho
de 1986
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