SHOW DE RÁDIO
O futebol em cor e ao
vivo
Tem torcedor que está
até dormindo durante os jogos do campeonato paulista mas pede para acordar
quando começa o “Show de Rádio” que a Jovem Pan criou a nove anos para alegrar
o futebol
TONICO DUARTE
Ritmo frenético, rugas
de preocupação na testa. Quem o vê na máquina de escrever vai logo imaginando
uma imensa tragédia: terremoto no Rio de Janeiro, sequestro da rainha da
Inglaterra, indicação do coronel Erasmo para o Ministério da Justiça. Mas não é
nada disso. Estevam Bourrol Sangirardi leva muito a sério a produção de uma das
coisas mais engraçadas do rádio brasileiro. É de sua cabeça que brota o Show de
Rádio, com que a Jovem Pan consegue alegrar o mais decepcionado dos torcedores.
A cabeça de Sangirardi
é um eclético condomínio. Lá coabitam personagens da mais variada procedência:
Didu Morumbi, o bandido Zé Trombada, o macumbeiro Joca, o bêbado Lança-chamas,
entre outros. E apesar de tanta seriedade (Sangirardi veste-se com apuro, tem
maneiras refinadas), basta que ele abra a boca para que todos em volta morram
de rir. É capaz de tiradas como essa: “...aí o Charles Miller virou-se para o
Mário Vianna e disse – Marinho este jogo ainda vai pegar...”.
Ele é o primeiro da
equipe de oito pessoas a chegar. No topo de um edifício da avenida Paulista, a
Pan parece uma aeronave intergaláctica: tubulações de alumínio aparecendo,
parafernália sonora, um mundo de potenciômetros e medidores de frequência. Logo
em seguida, chegam Alaor Coutinho e Sérgio Leite, que fazem aquelas deliciosas
paródias sobre os times de futebol. Pergunto ao Sanja há quanto tempo ele
trabalha em rádio, mas quem responde é o Sérgio: “Você já ouviu falar em
Guiulhermo Marconi? Pois é, ele e o Sanja começaram juntos...”.
Na verdade, Sanja não é
tão velho assim – deve ter uns 50 anos – e o Show de Rádio existe há 9 anos.
Ele surgiu na Copa de 70, pela necessidade de se fazer algo diferente, que
desse brilho à monotonia daquele conhecido círculo vicioso
transmissão-comentário-reportagem. Os personagens surgiram nessa época. Didu
Morumbi foi inspirado em Didu da Silva Campos, a parte 10 do “casal 20” de
Ibrahim Sued (Thereza são outros 10); Beicinho e Zé Trombada nasceram a partir
de dois tipos que Sangirardi observou num botequim perto do Parque São Jorge; o
comendador Fumagalli é um daqueles comendadores que pululam o Parque Antártica,
com título adquirido na feira; Joca é o típico macumbeiro corintiano. E assim
por diante.
A rádio Camanducaia, no
entanto, surgiu por acidente. Certo dia, gravando de brincadeira, Odair Batista
empostou a voz e lascou de lá: “Rádio Camanducaia, falando para o Brasil e
sussurrando para o mundo”. Pegou. Depois surgiu a Rede Ponta de TV – “a única
transmissora de tevê em áudio. Nós fornecemos o som e a imagem fica por conta
da sua imaginação inteligente e fertilizante” – numa evidente gozação com a
Globo.
“Mas nós somos
imparciais. Gozamos até a nossa emissora. Veja, por exemplo, a Rádio Jovem
Jegue”.
A Rádio Jovem Jegue –
“um coice no éter, um zurro no comunicamento”- é uma gozação com a própria Pan.
Ela possui “um quilowatt de potência” e tem personagens como Tarciso Varize, o
homem do templo e o locutor Zé Mistério, a versão nordestina de José Silvério,
chefe de esportes da equipe da Pan. Sanja, entretanto, ainda não está
satisfeito. Sonha em partir para um programa igual, só que de política: “Mas
isso só depois de configurada a abertura. Eu não vou fazer um troço que nem o
Planeta dos Homens, que acaba enaltecendo os políticos. O negócio vai ser
gozado, mas de porrada”.
Ainda falta uma hora
para o programa começar, e protegidos por um biombo, Alaor Coutinho e Sérgio
Leite vão fazendo paródias. A do Corinthians tem por base o partido-alto
“Perdoa” de Paulinho da Viola, a quem Sérgio imita com perfeição. Certa vez,
Sérgio imitou Chico Buarque, numa paródia sobre a Seleção, e alguns jornais
chegaram a publicar que o compositor era o mais novo contratado do Show de
Rádio. Alaor se queixa:
“Tou frio hoje bicho”.
Ao lado, Sangirardi tem
um ataque de riso. Acabou de bolar um novo quadro: toca o telefone e uma voz de
mulher (Alaor) igualzinho aquela do CVV atende: “CBD, boa noite”. Do outro lado
da linha: “Preciso de ajuda. Sou jogador de futebol e estou desesperado. Jogo
terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo. Não, segunda não!!”. Na
sequência, um locutor anuncia que Nabi Abi Chedid está pleiteando a inclusão de
mais um dia da semana.
Dentro do estúdio, técnico
e locutores morrem de rir, quase como amadores. Sanja, Alaor, Sérgio, Escova e
Odair acotovelam-se. Agora o imitado é Walter Abrahão, que vai para o ar com o
nome de Walter Cobrão – “tá gordo; beservem, senhores”. E anuncia os novos e
inéditos filmes da TV Jupi: “Bonanza, Nacional Kid, aquele que avôa, Minha
amiga Flika...”.
O relógio eletrônico
está marcando 20 horas em ponto, e da equipe só sobrou Sangirardi. Ele faz um
sinal com o polegar para o técnico, código que significa que vai terminar o
Show de Rádio. Deixa o estúdio e, com a fisionomia séria, grita:
“Arquibaaaald,
Arquibaaaald...”.
Não era mais o Sanja.
Era o Didu Morumbi.
A
turma que vive na cuca do Sanja
Lança-chamas e o amor
pela Vila
Lança-chamas ainda vive
em 1963. Até hoje ele comemora (com quatro garrafas de cachaça por dia) a
conquista do bicampeonato mundial pelo Santos. Para aguentar este homérico
porre, só mesmo o seu fiel amigo Zé das Docas, que, com a musculatura possante
de estivador, costuma servir de bengala ao Lança. De madrugada, ambos podem ser
vistos caminhando trôpegos pela bacia do Mercado – Zé levando o companheiro
para ao albergue noturno. Quando Pelé deixou o Santos, em 74, Zé foi um dos
guarda-costas do Rei. Naquele dia, ele arrumou uma camisa 10 para o Lança, que
curtia a dor-de-cotovelo de despedida em mais uma bebedeira. Olhando de perto,
a gente percebe que a camisa já foi branca.
Morumbi em petit comitê
Didu Morumbi acordou
com o tilintar do telefone lilás. Do outro lado da linha, seu amigo Giscard
(d´Estaing) convidavao-o para um petit comitê no Eliseu. Oh, dúvida cruel: no
mesmo horário, ele teria um jantar de negócios com Henry (Ford III), em Nova
Iorque. Era um problema sério. Colocou o robe de seda chinesa e perambulou pelo
tríplex de cobertura. Na biblioteca cinza-ratinho, o mordomo Archibald já havia
arrumado o braeakfast – salmão e suco de cenoura. Dois eram os motivos para dor
de cabeça: o pilequinho dc “Veuve Clicquot” da noite anterior (acompanhado de
Zózimo, Maitê d´Orey e seu xará Souza Campos), e mais uma derrota do São Paulo.
Disgusting.
Joca nos marafos da
vida
Joca deu um pontapé no
despacho, fazendo voar marafo, velas, charutos e desmanchando o ponto riscado
no chão com a pemba. Estava furioso: o Curingão empatara com o São Bento. Nesse
instante, uma voz retumbou dentro do barraca: “que qui é isso, tá me
estranhando?” Era Jojó (São Jorge), prevenindo que não atuaria outro
desrespeito. Coitado do Joca, este equilibrista da vida. Sofre com o Curingão,
aguenta, o bode Balthazar que vive dizendo “mééé, assim não da pééé” e mora com
a Nega que, por sinal, é muda. Mas teve um dia em que a Nega falou. Foi quando
o Corinthians conquistou o título paulista, há dois anos. Naquele dia, São
Jorge apeou do cavalo e operou-se o milagre.
Fumagalli e o Palestra
O comendador Fumagalli
alisou a pança. Havia acabado de devorar um pratarrão de fettuccine ai pesto,
preparado e servido por um velho amigo. Acariciou a cabeça de Waldemar Fiúme, o
cachorro que fala, e liquidou o resto de chianti. A noninha surgiu com uma
garrafa de anisete, tudo para comemorar a liderança isolada do Palestra. “Ah, o
Palestra” – pensou o comendador – “só da satisfaçon pra gente”. Do armário, a
noninha trouxe o velho bandolim, uma herança da família Fumagalli, onde começou
a dedilhar uma cançoneta napolitana. A sala se encheu com a voz possante do comendador,
que aproveitou a ocasião para conclamar os presentes a outro brinde. Ao
Palestra, naturalmente.
Publicado originalmente
no Jornal da República em 16 de
outubro de 1979, edição 44
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