PALMEIRAS 2, SANTOS 1
Uma vitória da torcida
santista?
A derrota de ontem deve
custar – para alívio geral – a cabeça do técnico Hílton Chaves
TONICO DUARTE
Cacau é dessas figuras
que vivem de pequenos expedientes, um biscate aqui, outro ali – personagem ao
vivo e em cores de João Antônio. Ontem ele acordou cedo, foi ao Anhangabaú
vender umas quinquilharias, a fim de livrar um dinheiro para ver o seu Santos
jogar. Tinha que arrumar o suficiente para o ônibus, ingresso para a geral e um
gole de “51”, porque ninguém é de ferro. Cacau conseguiu, mas que decepção: o
Santos perdeu de 2 a 1 para o Palmeiras e agora está muito mais remota a sua
participação no terceiro turno, que realmente decidirá este monstrengo chamado
Campeonato Paulista.
Quando o jogo terminou,
Cacau já encontrara os culpados por mais um fracasso santista: Pais e o técnico
Hílton Chaves. Ele reclamava do goleiro – “tomou um gol torto daqueles”,
referindo-se ao “frango” no gol olímpico de Baroninho, ainda no primeiro tempo.
Quanto ao técnico, pelo menos uma satisfação: Hílton deverá deixar o clube
ainda hoje, demitido pelos dirigentes. E o pobre Cacau meteu-se numa briga com
alguns palmeirenses, quase virando notícia do repórter policial Beija-Flor.
Antes do jogo começar,
Beija-Flor andava de um lado para o outro do saguão do Morumbi. Quem o escuta
pelo rádio, narrando com tanta violência, não imagina que ele seja baixinho.
Pensamos logo de um Fleury com o microfone em punho, pronto a dar aquele
conhecido prefixo: “Polícia chamandooooo!”.
Beija-Flor é ligeiramente
estrábico, esconde os olhos atrás das lentes grossas. Usa bigodinho à lá “Vampiro
de Curitiba” e o cabelo preto vaselinado para trás. Parece, na verdade, uma
miniatura de Jânio Quadros.
Mas, no saguão do
Morumbi, vai acontecendo o inusitado. Primeiro, a estranha chegada do
presidente do Corinthians. Vicente Matheus, que não tinha nada o que fazer ali.
Matheus, uma gargantilha de ouro com a efígie de São Jorge, puxa-me para um
canto e, entre suas gargalhadas, lasca uma daquelas tiradas que fazem a delícia
de seus críticos: “Ei, não vai dizer que sou palmeirense, hein?”.
Outro acontecimento
insólito é a presença de uma parafernália cinematográfica, gritos de luzes “luzes,
câmera, ação”. O cineasta Djalma Batista utilizou o saguão do Morumbi como
cenário de seu primeiro longa-metragem, a estória do jogador de futebol Asa
Branca, que deverá ser lançado em abril do ano que vem. O take que estava sendo
filmado era sobre a estreia de Asa Branca num time grande. Asa não foi bem e o
ambiente no clube imaginário está bastante conturbada: “Esta é uma estória do
sonho brasileiro, daquele jogador do interior que vem arriscar a sorte num time
grande. Já rodamos 20% do filme, com o financiamento da Embrafilme”, diz
Djalma, parecendo deslumbrado com o ambiente.
O jogo está para
começar. Dentro das novas normas do CND – quem atrasar paga multa -, os dois
times estão em campo bem antes das 16 horas. Gilmar chama atenção por seu novo
uniforme: calção preto brilhante, camisa azul vistosa, com recortes brancos na
gola com duas faixas paralelas ao longo das mangas. O goleiro do Palmeiras
trata de explicar tanta elegância: “Além da parte técnica, é preciso aprimorar
o visual”.
Começa a partida, e o
Santos parece ligeiramente melhor. Sua torcida já ensaia o conhecido coro para
o adversário – “um, dois, três, quatro, cinco mil. Queremos que o Palmeiras vá
pra...”, rimando com alguma coisa que não era varonil ou céu de anil. Mas é o
Santos quem sofre o primeiro gol, aos 40 minutos do primeiro tempo: Baroninho
cobra um escanteio pelo lado direito e – pasmam-se as duas torcidas – está feito
o gol olímpico. É bem verdade que Pais colaborou, numa falha incrível.
Pais também colaboraria
no segundo, aos 38 da fase final, saindo do gol atabalhoadamente, permitindo
que Pedrinho concluísse com facilidade para a meta vazia. Na verdade, há muito
que o goleiro sofrera um evidente descontrole emocional. Primeiro, ele tentou
agredir Jorginho, depois foi tomar satisfações com o incipiente juiz João
Leopoldo Ayeta.
O nervosismo parecia
tomar conta de alguns jogadores do Santos, como Nílton Batata, que andou
trocando pontapés com Baroninho e Pedrinho. O azar maior foi do
lateral-esquerdo do Palmeiras, que revidou e acabou sendo expulso. Aos 40, num
de seus raros momentos de lucidez, o Santos diminuiu através de Juari.
Do clássico – se é que
se pode utilizar este qualificativo para o jogo – restou mais uma vez a prova
de incompetência dos homens que dirigem o futebol paulista. Apenas 21.363
pessoas pagaram ingresso, porque ninguém aguenta mais tanto desvario. Ficou
também a doce saudade daquele tempo em que o Palmeiras era o único time capaz
de fazer frente aqueles onze gênios que formavam a maravilhosa equipe do
Santos. De um lado havia Pelé, do outro Ademir da Guia. Hoje, quando vai a
campo, a torcida já sabe que será insultada pelo joguinho de Nílton Batata,
Baroninho e quejandos.
O JOGO FOI ASSIM
Palmeiras 2, Santos 1
Palmeiras – Gilmar; Rosemiro,
Silva, Soter e Pedrinho; Pires, Jorge Mendonça (Mococa) e Zé Mário (Carlos
Alberto); Jorginho, César e Baroninho.
Santos – País; Nélson,
Cassiá, Fernando e Washington; Gilberto Costa, Rubens Feijão (Célio) e Toninho
Vieira (Cardim); Nílton Batata, Juari e João Paulo.
Juiz: João Leopoldo
Ayeta.
A renda foi ridícula:
Cr$ 1.162.780,00. Apenas 21.363 pessoas pagaram ingresso, o que já é muito para
o nível técnico do campeonato paulista.
Gols: Baroninho aos
40´do primeiro tempo. Pedrinho aos 38´e Juari aos 40´do segundo.
Cartões amarelos:
Cassiá, Nílton Batata e Silva.
Cartão vermelho:
Pedrinho.
Publicado originalmente
no Jornal da República em 1º de
outubro de 1979, edição 31
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