segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Grandes matérias esportivas do Jornal da República: “Uma vitória da torcida santista?” (1/10/1979)

PALMEIRAS 2, SANTOS 1

 

Uma vitória da torcida santista?

 



A derrota de ontem deve custar – para alívio geral – a cabeça do técnico Hílton Chaves

 

TONICO DUARTE

Cacau é dessas figuras que vivem de pequenos expedientes, um biscate aqui, outro ali – personagem ao vivo e em cores de João Antônio. Ontem ele acordou cedo, foi ao Anhangabaú vender umas quinquilharias, a fim de livrar um dinheiro para ver o seu Santos jogar. Tinha que arrumar o suficiente para o ônibus, ingresso para a geral e um gole de “51”, porque ninguém é de ferro. Cacau conseguiu, mas que decepção: o Santos perdeu de 2 a 1 para o Palmeiras e agora está muito mais remota a sua participação no terceiro turno, que realmente decidirá este monstrengo chamado Campeonato Paulista.

Quando o jogo terminou, Cacau já encontrara os culpados por mais um fracasso santista: Pais e o técnico Hílton Chaves. Ele reclamava do goleiro – “tomou um gol torto daqueles”, referindo-se ao “frango” no gol olímpico de Baroninho, ainda no primeiro tempo. Quanto ao técnico, pelo menos uma satisfação: Hílton deverá deixar o clube ainda hoje, demitido pelos dirigentes. E o pobre Cacau meteu-se numa briga com alguns palmeirenses, quase virando notícia do repórter policial Beija-Flor.

Antes do jogo começar, Beija-Flor andava de um lado para o outro do saguão do Morumbi. Quem o escuta pelo rádio, narrando com tanta violência, não imagina que ele seja baixinho. Pensamos logo de um Fleury com o microfone em punho, pronto a dar aquele conhecido prefixo: “Polícia chamandooooo!”.

Beija-Flor é ligeiramente estrábico, esconde os olhos atrás das lentes grossas. Usa bigodinho à lá “Vampiro de Curitiba” e o cabelo preto vaselinado para trás. Parece, na verdade, uma miniatura de Jânio Quadros.

Mas, no saguão do Morumbi, vai acontecendo o inusitado. Primeiro, a estranha chegada do presidente do Corinthians. Vicente Matheus, que não tinha nada o que fazer ali. Matheus, uma gargantilha de ouro com a efígie de São Jorge, puxa-me para um canto e, entre suas gargalhadas, lasca uma daquelas tiradas que fazem a delícia de seus críticos: “Ei, não vai dizer que sou palmeirense, hein?”.

Outro acontecimento insólito é a presença de uma parafernália cinematográfica, gritos de luzes “luzes, câmera, ação”. O cineasta Djalma Batista utilizou o saguão do Morumbi como cenário de seu primeiro longa-metragem, a estória do jogador de futebol Asa Branca, que deverá ser lançado em abril do ano que vem. O take que estava sendo filmado era sobre a estreia de Asa Branca num time grande. Asa não foi bem e o ambiente no clube imaginário está bastante conturbada: “Esta é uma estória do sonho brasileiro, daquele jogador do interior que vem arriscar a sorte num time grande. Já rodamos 20% do filme, com o financiamento da Embrafilme”, diz Djalma, parecendo deslumbrado com o ambiente.

O jogo está para começar. Dentro das novas normas do CND – quem atrasar paga multa -, os dois times estão em campo bem antes das 16 horas. Gilmar chama atenção por seu novo uniforme: calção preto brilhante, camisa azul vistosa, com recortes brancos na gola com duas faixas paralelas ao longo das mangas. O goleiro do Palmeiras trata de explicar tanta elegância: “Além da parte técnica, é preciso aprimorar o visual”.

Começa a partida, e o Santos parece ligeiramente melhor. Sua torcida já ensaia o conhecido coro para o adversário – “um, dois, três, quatro, cinco mil. Queremos que o Palmeiras vá pra...”, rimando com alguma coisa que não era varonil ou céu de anil. Mas é o Santos quem sofre o primeiro gol, aos 40 minutos do primeiro tempo: Baroninho cobra um escanteio pelo lado direito e – pasmam-se as duas torcidas – está feito o gol olímpico. É bem verdade que Pais colaborou, numa falha incrível.

Pais também colaboraria no segundo, aos 38 da fase final, saindo do gol atabalhoadamente, permitindo que Pedrinho concluísse com facilidade para a meta vazia. Na verdade, há muito que o goleiro sofrera um evidente descontrole emocional. Primeiro, ele tentou agredir Jorginho, depois foi tomar satisfações com o incipiente juiz João Leopoldo Ayeta.

O nervosismo parecia tomar conta de alguns jogadores do Santos, como Nílton Batata, que andou trocando pontapés com Baroninho e Pedrinho. O azar maior foi do lateral-esquerdo do Palmeiras, que revidou e acabou sendo expulso. Aos 40, num de seus raros momentos de lucidez, o Santos diminuiu através de Juari.

Do clássico – se é que se pode utilizar este qualificativo para o jogo – restou mais uma vez a prova de incompetência dos homens que dirigem o futebol paulista. Apenas 21.363 pessoas pagaram ingresso, porque ninguém aguenta mais tanto desvario. Ficou também a doce saudade daquele tempo em que o Palmeiras era o único time capaz de fazer frente aqueles onze gênios que formavam a maravilhosa equipe do Santos. De um lado havia Pelé, do outro Ademir da Guia. Hoje, quando vai a campo, a torcida já sabe que será insultada pelo joguinho de Nílton Batata, Baroninho e quejandos.

 

O JOGO FOI ASSIM

Palmeiras 2, Santos 1

Palmeiras – Gilmar; Rosemiro, Silva, Soter e Pedrinho; Pires, Jorge Mendonça (Mococa) e Zé Mário (Carlos Alberto); Jorginho, César e Baroninho.

Santos – País; Nélson, Cassiá, Fernando e Washington; Gilberto Costa, Rubens Feijão (Célio) e Toninho Vieira (Cardim); Nílton Batata, Juari e João Paulo.

Juiz: João Leopoldo Ayeta.

A renda foi ridícula: Cr$ 1.162.780,00. Apenas 21.363 pessoas pagaram ingresso, o que já é muito para o nível técnico do campeonato paulista.

Gols: Baroninho aos 40´do primeiro tempo. Pedrinho aos 38´e Juari aos 40´do segundo.

Cartões amarelos: Cassiá, Nílton Batata e Silva.

Cartão vermelho: Pedrinho.

 



Publicado originalmente no Jornal da República em 1º de outubro de 1979, edição 31  

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